Jogamos

Análise: Xuan Yuan Sword: Mists Beyond The Mountains (Switch) apresenta um lado da cultura asiática raramente explorada no Ocidente

Entre mistérios fascinantes, a beleza oscila nos gráficos e jogabilidade, revelando sua idade.

Xuan Yuan Sword: Mists Beyond The Mountains é um raro caso de uma obra tailandesa que foi localizada para o inglês. Tradicionalmente, é incomum que jogos dessa região venham ao Ocidente e por isso é possível notar uma vasta diferença cultural em sua trama, representada na abordagem de tópicos sensíveis para o público ocidental, como a xenofobia contra pessoas asiáticas, intolerância religiosa do catolicismo referente a outras doutrinas, satanismo e entre outros.


Xuan Yuan Sword apresenta uma narrativa sob ponto de vista que não estamos acostumados a ver num mercado majoritariamente dominado por obras japonesas, norte-americanas e europeias, com direito a diversas referências culturais e mitológicas, sem receio de mencionar nomes e mitos que talvez não sejam tão conhecidos aqui.

É justamente essa riqueza cultural e narrativa vista por outra perspectiva que torna Xuan Yuan uma obra interessante. O jogo é apenas adaptação para novos consoles, sem ser uma nova versão, e esse fato se reflete com falhas graves em sua gameplay, que pode ser repetitiva e sem grande sabor. Entretanto, a trama única do título faz com que ele instigue a curiosidade do jogador a acompanhar a aventura até o fim.

Uma jornada cultural única

Começamos a história com Septem, o personagem principal, visitando Veneza à procura de mercadores do Oriente Médio que possam lhe ajudar a atravessar o continente. Enquanto busca por informações, Septem acaba sendo acusado por guardas da cidade de ser um herege corrupto devido a seus traços asiáticos.

Devido a esses eventos, acabamos descobrindo que a cidade foi tomada pela ordem dos templários, com a desculpa de estarem apenas protegendo seus moradores de quaisquer ameaças. Mas, na verdade, esses guerreiros santos estão restringindo a liberdade local e acusando qualquer um de heresia, executando seus moradores deliberadamente por motivos fúteis.

No meio de toda essa confusão, o jovem oriental decide resgatar um grupo de mercadores árabes condenados à execução, já que precisa deles para atravessar o mar e chegar ao local que deseja. Contudo, após libertar os prisioneiros, um velho senhor, aparentemente indisposto demais para se locomover, permanece em sua cela, despertando a curiosidade de Septem, que decide ajudar o homem.

Em troca pelo resgate, o idoso insiste em recompensar o protagonista com nada mais nada menos que um ritual de invocação satânico, trazendo diretamente do inferno uma serva de Satã, denominada Nicole, para ajudar Septem em uma jornada imprevista. Em meio a uma narrativa cheia de mistérios e lacunas que vão se resolvendo progressivamente, temos uma grande jornada cheia de reviravoltas absurdas e inesperadas.

De pixel art e giz pastel até um datado CGI de 1999

Xuan Yuan aposta na pixel art para ilustrar as cidades do jogo, com personagens charmosamente desproporcionais em cenários fotográficos. Esse tipo gráfico em especial possui alguns ambientes bem bonitos, ainda mais se considerando que a versão para Switch é uma adaptação de um jogo lançado em 1999. Esse visual cativante é complementado por uma trilha sonora relaxante recheada de instrumentos de corda asiáticos; entretanto, algumas cidades parecem vazias e ausentes de vida.

O título também faz uso de um estilo que se assemelha a pinturas com giz pastel para retratar os personagens — variados inimigos de lendas e mitos estão presentes aqui, incluindo muitos youkais e criaturas folclóricas asiáticas, mas não se restringindo apenas a essa região — em batalha, bem como os campos de combate. Apesar de ser possível notar uma grande diferença quando comparados com obras atuais, essas artes, ainda assim, têm seu charme.

Infelizmente, a beleza não se aplica à representação das cenas pré-renderizadas em GCI, que sofreram muito com a passagem do tempo. Os modelos 3D são extremamente datados, causando uma grande sensação de estranheza se comparados aos de jogos mais atuais.

Jogabilidade antiquada, narrativa inovadora

No geral, a jogabilidade de Xuan Yuan segue um típico RPG do final dos anos 90. O jogador deve coletar pistas espalhadas nas conversas com NPCs para descobrir aonde ir em seguida, e depois deve explorar o mapa-múndi com vagas noções do caminho que deverá trilhar.

O sistema pode fazer com que nos sintamos perdidos às vezes, porém entendo que esse tipo de aventura era o padrão da época. Um detalhe que me impressionou foi que, na maioria dos RPGs similares a Xuan Yuan que joguei, senti que muito dos moradores das vilas falavam coisas que não agregavam quase nada à minha imersão, porém, em Mists Beyond The Mountains, me vi procurando falar com todos os NPCs que encontrava. Os diálogos ajudaram muito na criação da atmosfera do jogo, complementando graciosamente os momentos tensos que acontecem na trama.

É claro que existem também, como de praxe, os NPCs com diálogos fora de contexto, porém até eles tinham suas surpresas, muitas vezes oferecendo desafios matemáticos aos jogadores (coisa que nunca vi em outro RPG!). Para quem não gosta de matemática, não se preocupe, já que essas conversas são totalmente opcionais.

Por outro lado, as batalhas deixam um pouco a desejar, não sendo necessário muita estratégia durante os combates. A maior parte do tempo será usada apenas repetindo o ataque básico; os chefes, no geral, não são tão diferentes dos inimigos comuns, no máximo exigindo um pouco de grinding para serem derrotados sem complicações.

A obra até tenta variar as coisas fazendo com que alguns dos chefões tenham truques nas mangas, como criar ilusões que não recebem dano, porém, ainda assim, senti que não precisava tanta estratégia para vencê-los. Os encontros aleatórios também são um pouco irritantes por serem bem constantes, repetitivos e obrigatórios. Às vezes, quando eu estava perdida em uma ou outra masmorra, cheguei a me irritar um pouco com a quantidade de batalhas, já que eu apenas queria explorar esses locais.

Falando em calabouços, alguns deles são interessantes, porém, outros são desnecessariamente confusos, fazendo o jogador ficar perdido em um labirinto e com poucas indicações de que está indo ao local correto. Ainda, algumas dungeons possuem passagens escondidas sorrateiramente no canto da tela, podendo passar facilmente despercebidas e causando frustração.

Outro ponto negativo que devo mencionar é a baixa qualidade nas interfaces gráficas dos menus. Tudo parece muito rudimentar e pouco funcional, com fontes exageradamente pequenas para um grande espaço. Os diálogos também sofrem, pois, diferentemente das mensagens que avançam somente com o pressionar no botão, há também falas automáticas refletindo pensamentos, que dependendo da velocidade definida no menu, acabam desaparecendo antes mesmo que haja tempo de serem lidas, sem menor aviso prévio.

Para piorar as coisas, não há forma de recuperar tais conversas: o único jeito de lidar com isso é diminuir a velocidade do texto em geral e estar sempre atento para não deixar um A passar batido.

Misturas culturais e desafios cativantes, mas com ressalvas

Xuan Yuan Sword: Mists Beyond The Mountains é um jogo com uma narrativa única e refrescante em um mercado dominado por títulos japoneses e ocidentais, com uma trama que explora temas sensíveis e polêmicos. O jogo brinca de misturar religiões e a maior quantidade de mitos folclóricos possíveis, usando recursos das mais variadas partes do mundo. 

Mesmo que não possua uma jogabilidade tão atrativa e tenha gráficos ultrapassados aqui e ali, a trama diferente do tradicional compensa para aqueles que tiverem paciência de experimentar um título antiquado em troca de uma aventura cheia de surpresas e reviravoltas.

Prós:

  • Narrativa refrescante, instigante e cheia de reviravoltas, bem diferente do que estamos acostumados em ver no gênero;
  • Interessante mix de diversas culturas, religiões e criaturas mitológicas;
  • Não há receio de tocar em temas sensíveis ou polêmicos, incentivando ricas reflexões durante a campanha;
  • Charmosa arte dos personagens em pixel art e algumas paisagens cênicas;
  • Um dos poucos jogos tailandeses traduzidos para o inglês.

Contras:

  • Interface rudimentar, ativamente atrapalhando o jogador em alguns momentos;
  • Combate não muito emocionante e bastante repetitivo;
  • Alguns locais passam a impressão de estarem muito vazios e sem vida;
  • As animações em CGI não foram atualizadas para os padrões atuais, sendo totalmente datadas;
  • Encontros aleatórios constantes e impossíveis de se evitar durante a exploração de dungeons;
  • Algumas falas podem ser perdidas sem que o jogador consiga retornar a elas;
  • Suas masmorras às vezes são confusas e com passagens de difícil visibilidade.
Xuan Yuan Sword: Mists Beyond The Mountains — Switch/PC — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Eastasiasoft


Fascinada pela cultura japonesa dos anos '80, '90 e '00. Ama livros, mangás, sua gata maluca, mahou shoujo e jogos. Em especial Dragon Quest, Fire Emblem, Famicom Detective Club, Okami, JRPGs, retrô, Bishoujo & Otome games. Sempre em busca de jogos estranhos ou com propostas inusitadas. Estuda japonês nas horas vagas para conhecer mais obras do tipo.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google