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Análise: The Curse of Kudan (Switch): folclore, lendas urbanas e muito mistério — com uma pitada de romance

A maldição de Kudan é só o pontapé inicial para um mistério ainda mais tenebroso.

The Curse of Kudan é uma visual novel elaborada pela SukeraSparo, que tem currículo na demografia girls love. Apesar de ter chegado ao Switch recentemente, em 22 de dezembro do ano passado, a aventura está disponível para PC desde 2020, sendo que uma versão para dispositivos móveis (Android e iOS) foi lançada exclusivamente no Japão entre um port e outro.


Curiosamente — e o elemento que mais me pegou de surpresa, vale ressaltar —, o enredo não foca propriamente no romance entre a protagonista e suas pretendentes, mas sim em um mistério que se inicia com a lenda urbana que dá nome ao jogo.

“As pessoas encontram seu destino em caminhos que escolheram evitar” (Jean de La Fontaine)

Na trama, acompanhamos Sakuya Kudan, uma segundanista em uma conceituada academia feminino da cidade, a Kudan Women’s Academy. Com uma aparência mais “moleca” (ou, caso prefira o termo em inglês, tomboy), ela é a mais nova das três irmãs e tem uma admiração por tudo o que exala feminilidade, uma característica que lhe falta. É devido a isso que o encontro inesperado da protagonista com Touko Shima logo desperta uma atração instantânea pela mulher.

No entanto, estreitar relações com Touko faz com que Sakuya entre de cabeça em uma lenda urbana que tem sido espalhada aos quatro ventos pela cidade: a maldição de Kudan. Apesar de compartilhar o nome com a protagonista, essa aparição misteriosa — uma mulher sem a mão direita e vestindo trajes fúnebres ocidentais — lança uma profecia a quem cruzar seu caminho, cuja realização se dá em sete dias.


A fim de proteger sua fonte de atração e feminilidade, a estudante, que também faz parte do clube de kendô do colégio, mergulha de cabeça nessa lenda urbana e vai atrás do Clube de Estudos Ocultos, encabeçado pela primeiranista Koto Akinashi. Com características típicas do estilo gyaru, isto é, um grande senso de moda e vaidade, mas dotada de uma grande personalidade, a menina também cai no radar de interesses de Sakuya.

No entanto, conforme o trio se envolve com a lenda urbana de Kudan, mais duas lendas urbanas acabam vindo à tona. Para piorar a situação de Sakuya, esses acontecimentos aparentemente sobrenaturais estão ligados a um pesadelo recorrente que ela tem desde criança.

Por que a BFF nunca é uma escolha?

Como adiantado na abertura desta análise, The Curse of Kudan foca primariamente na resolução das lendas urbanas que são apresentadas ao longo da trama, com direito a três desfechos diferentes, dependendo das decisões feitas a partir da rota comum. Conforme avançamos na história, algumas escolhas priorizam a afeição de Touko em detrimento à de Koto (e vice-versa), um elemento de jogabilidade comum em visual novels não lineares.

No entanto, é interessante ver que, embora os três finais tratem do mesmo assunto, cada um deles traz uma abordagem diferente de acordo com o ponto de vista da garota escolhida; porém, o mistério só é solucionado por completo no final verdadeiro. Além disso, como um pequeno “agrado”, há um epílogo para as rotas individuais de cada pretendente caso façamos escolhas que afetem apenas sua afinidade com a protagonista; sendo assim, há um grande incentivo à rejogabilidade como um todo — até porque, na minha opinião, os finais individuais de Touko e Koto, mesmo com seus epílogos, passam a sensação de “jornada incompleta”. 


Outra característica que gostei de experienciar nesta visual novel foi a parte de dedução em cada um dos temas sobrenaturais abordados. Apesar de não serem escolhas muito complexas, já que os elementos necessários para a resolução dos casos são apresentados nos próprios diálogos e nas CGs, elas são capazes de testar a nossa memória, já que tomar a decisão errada acarreta um final ruim e somos forçados a carregar o último arquivo de salvamento para refazer as escolhas.

Infelizmente, para quem esperava momentos de maior complexidade, The Curse of Kudan pode deixar a desejar nesse aspecto, já que, no fim das contas, a desenvolvedora também decidiu priorizar o romance entre as garotas. Mesmo assim, confesso que me senti desafiada em alguns desses momentos de dedução, precisando rever o log algumas vezes para entender por que minha escolha terminou em um bad ending.

Além disso, apesar de toda a química entre Sakuya e sua melhor amiga, Karen Azuma, a estrela do time de softball não é uma opção romântica para a protagonista; é uma pena, pois a SukeraSparo perdeu a oportunidade de explorar ainda mais a relação entre essas personagens — inclusive, passei por frustração similar quando analisei Variable Barricade.

Mais um produto de qualidade ímpar

Assim como em Loopers, outra visual novel publicada no Switch pela Prototype, houve um cuidado enorme para pensar em como The Curse of Kudan funcionaria no console híbrido. Além das qualidades de vida básicas — velocidade de texto, ferramentas de avançar/retroceder e pular diálogos, log de mensagens, cor para marcar um texto já lido e outras mais —, podemos ainda escolher qual fonte usar durante a leitura, remapear alguns botões e gestos (sim, o jogo é 100% compatível com a tela de toque do Switch) e controlar filtros e tonalidades de cores, a fim de deixar a visual novel mais acessível a vários públicos.

Fora as características técnicas, a apresentação audiovisual também contribui com a satisfação geral da jogatina, em especial as artes de Hanekoto — tanto os modelos das personagens quanto as CGs são de altíssima qualidade. Embora eu ache que as músicas pudessem ter tido mais impacto como um todo, a dublagem em japonês é excelente e as dubladoras escolhidas foram capazes de entregar todo o tipo de emoção presente na campanha: de medo a alívio, passando por raiva, alegria e ressentimento.

O texto em inglês também merece elogios. Com várias referências à cultura ocidental, de filmes a quadrinhos e músicas, temos uma leitura que esbanja jovialidade, combinando com o perfil das personagens apresentadas na trama, sobretudo a personalidade de Sakuya. Infelizmente, não há suporte ao português ou outra língua latina, então quem não tiver tanto conhecimento de inglês, japonês e chinês pode ter certa dificuldade para entender a história como um todo, ainda mais quando muitos diálogos decidem apostar em um linguajar mais informal, com muitas gírias e contrações aqui e ali.

Uma aposta certeira para quem gosta de mistérios

The Curse of Kudan pode não ser uma visual novel muito longa, mas traz, ao longo de suas aproximadas dez horas, três desfechos diferentes para um intrigante mistério que começou com uma lenda urbana, impactando, inclusive, no fator de rejogabilidade. Embora o romance entre garotas ainda seja o resultado final do jogo, este elemento é apresentado como mera consequência da investigação dos casos apresentados na trama.

Apesar de contar com algumas pequenas falhas de desenvolvimento da trama, nominalmente as escolhas um tanto quanto óbvias nos momentos de dedução, temos aqui mais uma excelente visual novel para a biblioteca do Switch, especialmente para quem curte a demografia girls love.

Ilustração especial de Hanekoto para comemorar o lançamento da visual novel em dispositivos móveis

Prós

  • Uma ótima narrativa que mescla bem elementos de mistério, suspense e romance;
  • Mesmo curta, a visual novel oferece três finais diferentes, sendo um deles o verdadeiro desfecho por trás da lenda de Kudan;
  • Ótima apresentação audiovisual, em especial as artes e a dublagem em japonês;
  • Várias ferramentas de acessibilidade e qualidade de vida para deixar a jogatina mais confortável;
  • Os momentos de dedução colocam à prova nossa habilidade de memorizar elementos apresentados na história;
  • Presença de epílogo para as rotas individuais de cada uma das pretendentes de Sakuya, caso façamos escolhas que priorizem apenas a garota escolhida;
  • A localização do texto para o inglês traz uma linguagem jovial e descontraída que combina com as personalidades das personagens principais, 
  • Diversas referências à cultura ocidental, sobretudo filmes, quadrinhos e música;
  • Totalmente compatível com a tela de toque do Switch.

Contras

  • Sem suporte ao português ou a outro idioma latino, podendo dificultar o aproveitamento de quem não tem muito conhecimento nas línguas disponíveis;
  • Apesar da sinergia entre Sakuya e Karen, a melhor amiga da protagonista não é uma opção romântica;
  • As rotas individuais de Touko e Koto, mesmo com seus epílogos, passam a sensação de “incompletas”;
  • As escolhas certas nos momentos de dedução podem ser demasiadamente óbvias em alguns casos.
The Curse of Kudan — PC/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Davi Sousa
Capa: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital adquirida pela própria redatora

Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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