Um Game Boy roxo, Pokémon Yellow e uma vida transformada

Uma pequena história cheia de lições que aprendi em um hospital com esse jogo lendário.

em 08/02/2025
E se eu te dissesse que um simples jogo antigo, sem gráficos 3D, sem os famosos "shaders" e sem músicas orquestrais mudou a vida de um garoto de 13 anos?

Não, não é exagero. Pegue sua máquina do tempo e volte comigo ao ano de 1999: eu era um garoto de 13 anos, com um braço direito engessado e uma alma soterrada por uma nuvem cinza de tristeza. Culpa dos remédios, do hospital frio e da saudade de casa. O braço quebrado de um jeito bobo, algo envolvendo uma bola, um piso molhado e uma ideia que parecia brilhante na hora, mas é melhor deixar pra lá. A questão é que, internado após precisar de cirurgia, eu me sentia um prisioneiro. Nem as coisas que eu amava — os jogos, principalmente — estavam ao alcance.

Nunca tive muitos amigos, mas um companheiro de hospital surgiu como um raio de sol em uma caverna escura. Ele entrou no quarto com um sorriso no rosto e um Game Boy Color roxo nas mãos. “Toma, fica com ele até você sair daqui”, disse, como se aquilo fosse um gesto casual. Mas pra mim? Aquilo era um evento grandioso, digno de uma festa regada a fogos de artifício!


O cartucho que vinha com o console era o lendário Pokémon Yellow. Era como se o universo estivesse me dando um presente de reconciliação depois de me deixar de castigo. Claro, eu já sabia o que era Pokémon. Cresci em uma família super religiosa, onde assistir ao anime era proibido porque era “coisa do diabo”. Mas isso nunca me impediu de dar um jeito: via os episódios escondido, com o controle remoto sempre à mão pra mudar de canal em caso de inspeção parental.

Quando liguei o Game Boy e ouvi aquele "pling" da tela inicial, algo dentro de mim despertou. Ali estava eu, com um Pikachu seguindo meu personagem na tela — exatamente como no desenho! Aquele Pikachu seria meu fiel companheiro na jornada. Meu primeiro time foi montado com a ingenuidade de quem não fazia ideia do que estava fazendo: Pikachu, Butterfree, Snorlax, Nidoking, Pidgeot e Machamp. Eu nem sabia que o Machamp precisava ser trocado para evoluir. Joguei tudo no escuro, aprendendo na marra. E cada descoberta era uma explosão de alegria.

Ver a primeira evolução foi um marco. Quando o meu Caterpie virou Metapod e depois Butterfree, foi como se eu tivesse descoberto um segredo do universo. O momento mais empolgante, porém, foi desafiar a Liga Pokémon. Perdi várias vezes antes de conseguir, mas a frustração era temperada pela vontade de continuar tentando. Quando finalmente conquistei a Liga, a alegria foi indescritível. Era como se eu tivesse derrotado não apenas os ícones da Elite Four, mas também minha própria tristeza.

Depois que voltei pra casa, o Game Boy foi devolvido, mas as memórias ficaram. Hoje, com 38 anos, ainda sinto uma nostalgia quente quando lembro daquelas horas passadas com Pikachu e companhia. Talvez porque, mais do que um jogo, Pokémon Yellow foi um refúgio. Em meio à dor e à solidão, foi a faísca que reacendeu minha alegria. Mas, principalmente, foi um grito de liberdade que mostrou pra minha família (que acabou descobrindo minhas aventuras ocultas) que um jogo é uma ferramenta de diversão e não uma artimanha das trevas para sugar a alma de um pré-adolescente.

Ainda colho os frutos de toda essa odisseia: aprendi inglês jogando Pokémon e hoje trabalho para uma empresa americana. Aprendi muito sobre programação por querer saber como os jogos eram feitos, mas aprendi principalmente a encarar as derrotas como uma forma de rever as estratégias e a nunca desistir. Se há cenas de vitória programadas, então significa que é possível vencer!

Às vezes, olho para trás e penso: quem diria que uma simples aventura pixelada poderia fazer tanto? Mas foi isso que aconteceu. E se você me perguntar, hoje, quem foi o verdadeiro herói daquela época, vou responder sem piscar: o Game Boy Color roxo aliado ao incrível Pokémon Yellow de um menino que eu nunca soube o nome. Amigo fiel, parceiro de jornada, salvador improvável de um garoto de braço quebrado e coração partido.

Um dia vou retribuir... Quem sabe eu possa levar um pouco da esperança que me foi dada naquele hospital para os leitores desse site ou talvez para algum menino ou menina que um dia veja nessa minha pequena jornada um futuro e uma vontade de aprender com os jogos assim como eu. Se esse é o seu caso, meu querido leitor, minha querida leitora, seja bem-vindo(a) a um universo inteiro de aventuras e aprendizado. Descubra o que puder, com os personagens que puder, e nunca se esqueça do mais importante: sempre há um jeito de vencer, então nunca desista!

Revisão: Davi Sousa
Narração: Juliana Dias
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Francisco Bernardes
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