Análise: Kulebra and the Souls of Limbo — um jogo que marca a sua alma

Uma experiência narrativa poderosa e marcante, mas que poderia ter sido mais desafiadora.

em 17/05/2025
Ao analisar jogos, normalmente dou prioridade a estudar as suas mecânicas e a forma como conceitos já fundamentados são reconstruídos e trabalhados para funcionarem sob uma nova perspectiva. Mas, ao abordar jogos desta maneira, algumas experiências que são mecanicamente mais simples acabam passando despercebidas.


Kulebra and the Souls of Limbo reforça a ideia de que um jogo indie não vive somente de mecânicas inovadoras e um loop de gameplay repetitivo e viciante, e mostra que jogos indies também são um espaço para narrativas profundas e elaboradas, ainda que possa se tornar levemente repetitivo e monótono em alguns momentos.

Com um visual fofo e bonitinho claramente inspirado em jogos como Paper Mario, o game traz uma clara referência à cultura mexicana, com personagens ricos e carismáticos, além de uma história forte e marcante — que, diga-se de passagem, fez minha casa virar um rio de lágrimas.

Seja bem-vindo ao Limbo

Você é Kulebra, uma cobra que morreu misteriosamente e agora vaga pelo Limbo, um lugar onde almas angustiadas permanecem presas. Como uma "Alma Luminosa", você deve ajudar essas almas a encarar a verdade, para que possam enfim descansar em paz e seguir para o outro plano.

O principal tema de Kulebra and the Souls of Limbo é a morte. Ao longo do jogo, você interage com vários personagens, tentando entender os seus passados e o que os impede de seguir para o plano pacífico, além de resolver problemas que vão surgindo ao longo do caminho, em forma de quebra-cabeças interligados à história dos personagens. 

Mas, como resolver os problemas de uma alma angustiada se ela esquece de tudo o que aconteceu no fim do dia?

Uma das principais mecânicas que mudam drasticamente a forma como você encara os quebra-cabeças é o ciclo de dia e noite que o jogo possui. Isso porque a maioria das almas presas no Limbo esquece de tudo que aconteceu no dia anterior, incluindo as interações que você teve com essas pessoas e as ações realizadas, fazendo com que apenas o jogador e outros personagens específicos tenham a noção de que os dias passam no Limbo.

Essa dinâmica faz com que um simples puzzle demande um planejamento estratégico, já que certas ações só podem ser realizadas em determinados momentos do dia, e, em algumas partes da trama, alguns itens ficam atrelados intimamente a essas almas, fazendo com que você perca os itens na passagem de um dia para o outro.

Não julge o livro pela capa

Apesar de seu visual fofo e carismático, a história desse jogo não é simples, nem superficial — muito pelo contrário. Ao longo do game, o visual fofo, junto às piadas engraçadas, fisgam o jogador muito rapidamente em um clima mais agradável e calmo, apenas para quebrar suas expectativas, revelando que a morte, muitas vezes, não é uma partida pacífica, e que nem tudo são flores na vida.
É muito fácil ver o desfecho de uma história de forma superficial e julgar uma pessoa como um herói ou vilão, mas Kulebra and the Souls of Limbo tem como objetivo mostrar todos os ângulos de uma narrativa trágica, fazendo com que julgar um personagem como culpado ou inocente não seja tão simples. Além disso, algumas das histórias apresentadas são tão identificáveis para certos públicos que a narrativa ecoa pelo jogador até depois de ter zerado o jogo — como foi o meu caso com o terceiro capítulo.

O mesmo vale para alguns personagens, que inesperadamente se tornam "chefões malignos" nos finais de cada capítulo, revelando um lado obscuro e terrível, alimentado pelas angústias que carregam. Muitas vezes, esses personagens doces e gentis acabam mostrando facetas que você jamais imaginaria, reforçando a ideia de que cada pessoa tem seus próprios conflitos internos.

São nesses momentos que você precisa usar toda a sua atenção acumulada ao longo da trama, já que você derrota esses "inimigos" e avança no jogo respondendo questionários referentes à história do jogo. Se algum detalhe passar em branco, você sempre pode voltar ao seu diário e reler momentos marcantes que definem as características de cada personagem.

Uma jornada marcante, com alguns pontos baixos

Com aproximadamente 13 horas de duração para zerar o jogo, fica claro, do início ao fim, que o principal foco da experiência é a sua história rica e detalhada. Com isso, porém, é visível que os puzzles e as mecânicas acabaram ficando um pouco em segundo plano.

Para um jogo do gênero, é surpreendente que os quebra-cabeças sejam tão fáceis e diretos de resolver, exigindo pouquíssimo ou nenhum esforço mental por parte do jogador. Isso porque, além de serem objetivos demais, os enigmas geralmente só exigem que você acompanhe a história para serem solucionados, já que praticamente todas as respostas são entregues ao longo da jornada.

Além disso, seus longos diálogos e jogabilidade simplificada acabam tornando a experiência repetitiva ao longo do jogo. E por ter bastante foco em sua narrativa, a ausência de localização em português brasileiro torna a experiência praticamente inacessível para quem não fala inglês ou espanhol.

Depois de tudo, você pode partir em paz

Ao final da jornada, Kulebra and the Souls of Limbo se revela muito mais do que um simples jogo — é uma experiência poderosa e inesquecível. Sua narrativa envolvente, cheia de reviravoltas e dilemas morais, desafia o jogador a refletir sobre temas profundos. Mais do que superar minhas expectativas, esse título me fez repensar o valor de jogos independentes focados em narrativa — e, com certeza, despertou-me o desejo de explorar mais obras do gênero.

Apesar de seus pontos baixos, essa experiência ecoa além do jogo em si, e seus dilemas ainda ressoam em mim. Mas, ao menos, encerro essa jornada sem carregar nenhuma angústia em minha alma, sabendo que essa história representou um marco nas minhas memórias.

Prós

  • História rica em detalhes, profunda e complexa, com diálogos únicos e bem escritos;
  • Personagens carismáticos, que são bobos e engraçados no momento certo;
  • Mecânica de ciclo de dias que desafia a criatividade do jogador, e traz uma diferença à jogabilidade repetitiva do jogo.

Contras

  • Puzzles incrivelmente fáceis de serem resolvidos, que muitas vezes dependem apenas de ler a história do jogo;
  • Falta de tradução para português brasileiro, o que o torna inacessível para pessoas que não falam inglês ou espanhol.
Kulebra and the Souls of Limbo — PC/Mac/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia cedida pela Fellow Traveller

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Samuel Expeditto
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