Muito antes de Spore ser concebido, a Enix — ainda antes de sua fusão com a Square — já explorava conceitos de evolução nos videogames. Em 1990, lançou no Japão o jogo 46 Okunen Monogatari: The Shinkaron para PC-98, um RPG que narrava a jornada da vida ao longo de 4,6 bilhões de anos de história da Terra. No entanto, foi sua continuação espiritual, lançada em 1992 para o Super Nintendo sob o título E.V.O.: Search for Eden, que realmente deu asas à imaginação dos jogadores ao permitir que eles moldassem sua própria criatura evolutiva em uma mistura curiosa de ação e RPG.
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O jogador assume o papel de uma criatura primitiva em uma jornada épica que atravessa as eras geológicas da Terra, com o objetivo final de alcançar o lendário Jardim do Éden. A narrativa é conduzida por Gaia, filha do Sol e entidade protetora do planeta, que acompanha e guia o protagonista ao longo de sua evolução.
Ao longo da aventura, você começará como um peixe no oceano, evoluindo gradualmente para um anfíbio e, mais adiante, poderá escolher sua forma final entre três grandes ramos: dinossauros, aves ou mamíferos. Cada caminho oferece vantagens e desvantagens distintas — seja na força bruta, na agilidade ou na adaptabilidade — incentivando múltiplas jogadas e experimentações evolutivas.
O jogo começa no período cambriano, quando a vida ainda se limita ao oceano. A cada era — marinha, terrestre e aérea — o jogador enfrenta desafios naturais e criaturas rivais, e precisa adaptar seu corpo para sobreviver: mandíbulas mais fortes, patas mais rápidas, caudas com ataque, chifres, nadadeiras ou asas. Tudo isso faz parte de um sistema de evolução baseado em pontos de experiência que o jogador gasta para modificar seu corpo conforme sua estratégia de sobrevivência.
Apesar de sua estética simpática e colorida, Search for Eden apresenta uma história com toques filosóficos, abordando o equilíbrio da natureza, a luta pela sobrevivência e até mesmo a interferência de forças sobrenaturais, como os chamados "cristais vermelhos", que tentam alterar o curso natural da evolução.
Simples, mas exige cuidado
O sistema de combate em E.V.O.: Search for Eden é direto, mas exige atenção. Suas opções variam de acordo com a forma da criatura: mordida, investida, salto (exceto quando ainda é um peixe) e coice, esse último exclusivo para formas mamíferas, com exceção da humana. Apesar da simplicidade, a experiência pode ser irregular em alguns momentos.
A hitbox nem sempre colabora, e certos inimigos podem escapar dos seus ataques com facilidade. Por outro lado, também é possível "travar" um oponente em uma posição vulnerável, permitindo atacá-lo repetidamente sem reação mas cuidado: o mesmo pode acontecer com você.
Você é mais do que mil enquanto é um
Em E.V.O.: Search for Eden, a evolução não é apenas um conceito biológico, é um convite à experimentação. A cada era, você se adapta, testa novos caminhos e molda sua própria criatura de acordo com os desafios e as escolhas feitas. Ser uma única entidade nunca significou carregar tantas possibilidades. Abaixo, mergulhamos nas cinco grandes fases evolutivas que definem sua jornada.
Peixe – Onde tudo começa
Tudo começa no oceano primordial. Você é um pequeno peixe tentando sobreviver em um mundo onde o tamanho não é tudo, a velocidade e o timing são essenciais. Seu repertório inicial é limitado: nadar, morder e fugir. Porém, à medida que ganha experiência, pode investir em mandíbulas mais afiadas, nadadeiras mais rápidas ou até uma cauda mais potente.
Essa fase é marcada pela sensação de fragilidade constante. Você aprende cedo que ser predador ou presa depende mais da estratégia do que da força.
Anfíbio – Entre dois mundos
Ao sair da água, você se torna um anfíbio, marcando sua transição para a terra firme. Nesta fase, o salto é uma nova mecânica essencial tanto para o combate quanto para a locomoção. Ainda assim, você continua sendo uma criatura vulnerável, enfrentando inimigos mais fortes e terrenos irregulares.
É aqui que o jogo começa a exigir mais precisão nos controles, e a evolução de membros como pernas potentes ou uma mandíbula mais resistente pode significar a diferença entre o progresso e o “game over”. A fase do anfíbio é um verdadeiro campo de testes para aprender a equilibrar mobilidade e poder de ataque.
Dinossauro – Força ancestral
Se decidir seguir pelo caminho dos répteis gigantes, você se tornará um dinossauro — e com isso, um símbolo de força bruta. Essa forma oferece acesso a corpos maiores, mandíbulas poderosas e ataques que causam grande dano. Ideal para quem prefere encarar os inimigos de frente.
No entanto, essa força tem um preço: geralmente, sua movimentação se torna mais lenta, e você pode se tornar um alvo fácil em batalhas mais rápidas. Ainda assim, com as evoluções certas, como chifres ou corpos blindados, é possível dominar boa parte do mapa com agressividade.
Pássaro – Liberdade nos céus
A forma alada pode ser considerada uma das mais criativas do jogo. Evoluindo para um pássaro, você ganha a capacidade de voar, algo que muda completamente a abordagem em relação ao combate e à exploração. Voar permite escapar de situações complicadas, atacar de ângulos inusitados e alcançar áreas que seriam inacessíveis por terra.
A grande desvantagem é a fragilidade: pássaros geralmente têm menos vida e causam menos dano. Porém, com um bom controle de voo e upgrades estratégicos, essa forma pode se tornar uma das mais eficientes do jogo. É também uma escolha ousada e recompensadora para jogadores mais experientes.
Mamífero – A face da adaptação
Por fim, a evolução culmina nos mamíferos. Esta é talvez a forma mais equilibrada, oferecendo boas opções de ataque, mobilidade e resistência. Você pode investir em patas rápidas, mandíbulas afiadas ou até chifres e caudas. Algumas formas específicas, como a parecida com um cavalo, se destaca pela velocidade e coices poderosos, enquanto outras focam mais em força bruta.
Avançando ainda mais, você pode desbloquear a forma humana, considerada o ápice da evolução natural segundo o jogo. Embora essa forma não seja necessariamente a mais forte em combate, representa uma conquista simbólica: você venceu os desafios da natureza, agora pronto para habitar o Éden.
Trilha que avança com você
A trilha sonora composta por Koichi Sugiyama, mais conhecido por seu trabalho na série Dragon Quest, é um dos elementos mais marcantes de Search for Eden. Em vez de seguir por um caminho puramente épico ou aventuresco, a música do jogo aposta em tons atmosféricos e contemplativos, criando uma ambientação que favorece a imersão e reforça a grandiosidade do ciclo evolutivo.
Cada era possui temas próprios, que variam entre o misterioso, o sereno e o ameaçador. No oceano primordial, por exemplo, a trilha transmite uma sensação de solidão e descoberta. Já nas fases terrestres, a música acompanha o ritmo da exploração e dos perigos constantes, sem nunca se tornar intrusiva.
É importante destacar como a trilha contribui para o tom quase filosófico do jogo: ela não tenta empurrar emoção, mas sim acompanhar o jogador em sua jornada silenciosa rumo ao Éden. O resultado é uma experiência sonora que talvez passe despercebida à primeira vista, mas que permanece na memória de quem embarcou nessa aventura.
Visual pré-histórico: gráficos que encantam e surpreendem
Mesmo sendo um título do início da vida do Super Nintendo, E.V.O.: Search for Eden mostra que menos pode ser mais. Seus gráficos simples, mas carismáticos, cumprem bem o papel de ilustrar uma Terra em constante transformação, da vastidão azul dos mares cambrianos aos céus cretáceos onde pássaros cortam nuvens em busca de sobrevivência.
Cada era apresenta paletas de cores distintas, reforçando a ambientação e o senso de progresso temporal. O design das criaturas — tanto do protagonista quanto dos inimigos — é criativo e varia conforme a região e o estágio evolutivo, evidenciando o cuidado dos desenvolvedores em representar visualmente a biodiversidade ao longo das eras. É curioso e até divertido ver como combinações inesperadas resultam em formas bizarras, às vezes até cômicas, fruto do próprio sistema de evolução.
As animações são funcionais, embora limitadas. Saltos, mordidas e voos acontecem de forma direta, sem muitos floreios, algo que pode parecer rústico hoje, mas que ajudava a manter o jogo fluido e acessível. Já os chefes contam com sprites maiores e mais elaborados, adicionando impacto aos confrontos mais importantes.
Um clássico cult à frente de seu tempo
Na época de seu lançamento, E.V.O.: Search for Eden passou relativamente despercebido pelo grande público. Com uma proposta pouco convencional e jogabilidade que misturava ação com elementos de RPG e filosofia evolutiva, o título foi ofuscado por lançamentos mais tradicionais do Super Nintendo. Críticas da época apontavam seus gráficos simples e trilha sonora repetitiva como pontos fracos, além de uma curva de dificuldade irregular.
No entanto, com o passar dos anos, E.V.O. conquistou um espaço especial no coração de jogadores curiosos e fãs de experiências fora do comum. Hoje, é lembrado como um clássico cult, elogiado por sua originalidade, pela liberdade criativa que oferece ao jogador e pela forma como aborda temas complexos como evolução, adaptação e até espiritualidade, algo raro em títulos de sua geração.
Com o crescimento de comunidades retrô e análises em vídeo na internet, o jogo ganhou nova visibilidade e é frequentemente citado como uma das pérolas escondidas do Super Nintendo. Sua escassez física também o tornou um item cobiçado entre colecionadores.
Rumo ao Éden
E.V.O.: Search for Eden é mais do que um jogo sobre evolução: é uma metáfora interativa sobre escolhas, adaptação e transformação constante. Em um tempo em que os RPGs estavam mais preocupados com espadas e magias, a Enix apostou em um conceito ousado, unindo ciência e espiritualidade, combate e contemplação.
Mesmo com limitações técnicas e uma recepção inicial morna, o jogo resistiu ao teste do tempo graças à sua originalidade e profundidade. Para quem gosta de revisitar a era de ouro do Super Nintendo com um olhar curioso e mente aberta, E.V.O. continua sendo uma experiência única, capaz de provocar reflexões e deixar sua marca, assim como toda boa história evolutiva.
Revisão: Beatriz Castro
