Os 16-bits não foram exatamente fáceis para o robozinho azul da Capcom. Entre uma continuação maravilhosa — mas insana de tão difícil em seu chefe final — e três remakes confinados a um serviço de internet obscuro de um console dos anos 1990, o caminho do Mega Man clássico parecia incerto. Foi nesse cenário que surgiu Mega Man & Bass, uma tentativa de reforçar o lado tradicional da série, que já dividia os holofotes com a bem-sucedida trilogia da série X.
Pensado inicialmente como uma alternativa para os jogadores que ainda tinham apenas o Super Nintendo — e ficaram de fora de Mega Man 8, lançado apenas no PlayStation e no Sega Saturn — o jogo chegou em 24 de abril de 1998, exclusivamente no Japão. Servia como uma espécie de versão paralela do oitavo título, mas com identidade própria e algumas escolhas ousadas de design.
A principal novidade está justamente na possibilidade de jogar não apenas com Mega Man, mas também com seu rival Bass, criação do Dr. Wily. Ambos apresentam estilos de jogo distintos: enquanto Mega Man mantém sua jogabilidade clássica e confiável, Bass aposta em agilidade, tiros em múltiplas direções e um pulo duplo — elementos que mudam completamente a abordagem das fases.
Essa diferença torna a dinâmica única: Mega Man, com sua movimentação mais “robótica”, oferece uma experiência mais desafiadora, mas compensa com maior resistência a dano e a capacidade de carregar a Mega Buster, que se mostra especialmente útil contra os chefes. Já Bass, embora mais frágil, destaca-se pela velocidade e versatilidade, ideal para quem prefere uma jogabilidade mais ágil e ofensiva.
Uma revolução robótica?
A história de Mega Man & Bass se passa após os eventos de Mega Man 8, em um momento em que o paradeiro do Dr. Wily ainda é um mistério. Surge então uma nova ameaça: King, um robô que declara independência dos humanos e inicia uma rebelião com seu próprio exército.
Diante da gravidade da situação, Wily e Dr. Light fazem uma trégua improvável e enviam Mega Man e Bass para impedir que King leve seu plano adiante. Com motivações diferentes, mas o mesmo objetivo, os dois partem em uma missão para restaurar a ordem — e acabam descobrindo que há muito mais por trás dessa revolta do que imaginavam.
Uma dinâmica diferente
Diferente da estrutura tradicional da série, Mega Man & Bass foge do clássico esquema de escolher entre quatro ou oito fases logo de cara. Após completar o estágio inicial — o jogador pode acessar apenas três chefes principais: Cold Man, Astro Man e Ground Man. É um sistema de progressão mais limitado e gradual, que incentiva o jogador a explorar em uma ordem mais específica, sem abrir mão da liberdade característica da franquia.
Ao derrotar Cold Man, por exemplo, novas fases são liberadas: Pirate Man e Burner Man. Vencendo Astro Man, você desbloqueia Dynamo Man. Já derrotar Ground Man libera o acesso a Tengu Man e Magic Man. Existe também uma sobreposição estratégica: derrotar Astro Man pode liberar Pirate Man e Tengu Man, caso eles ainda não tenham sido desbloqueados pelas outras rotas. É um quebra-cabeça sutil que adiciona um toque de complexidade ao ritmo da campanha.
Quando cinco dos oito Robot Masters forem vencidos, o acesso à área chamada Crystal Gate é liberado — e ela funciona como a “tranca” para o castelo de King, o vilão principal do jogo. A entrada nos estágios finais depende da utilização das armas especiais conquistadas durante as batalhas anteriores, que servem para abrir as oito fechaduras da fortaleza. Um sistema que, além de recompensar a exploração, obriga o jogador a experimentar diferentes armas e se adaptar a cada situação.
5 novos e 2 veteranos
KGN-002 | Elemento: Gelo | Fraqueza: Lightning Bolt
Cold Man é uma máquina de resfriamento extremo, equipada com um gerador capaz de atingir temperaturas próximas ao zero absoluto. Seu corpo robusto serve como escudo e arma: ele dispara blocos de gelo e emite uma névoa congelante que desacelera seus inimigos. Não é o Robot Master mais ágil, mas compensa com resistência e poder de controle de campo.
KGN-003 | Elemento: Terra | Fraqueza: Spread Drill
Especialista em escavação, Ground Man foi projetado para localizar artefatos subterrâneos. Sua broca pode atravessar praticamente qualquer material, e ele mesmo se transforma em uma furadeira gigante durante o combate. Seu estágio é repleto de mecanismos ocultos e armadilhas que testam os reflexos do jogador.
DWN-058 | Elemento: Espaço | Fraqueza: Copy Vision
Astro Man é um robô programado para explorar fenômenos astronômicos, mas seus padrões de ataque beiram o caótico. Ele cria ilusões, dispara orbes flutuantes e se teleporta constantemente. O estágio onde aparece brinca com gravidade e labirintos.
KGN-005 | Elemento: Fogo | Fraqueza: Ice Wall King o enganou, fazendo-o acreditar que havia uma bomba instalada dentro de seu corpo que explodiria caso ele não queimasse uma floresta por dia. Na realidade, não havia nenhum dispositivo — mas Burner Man acreditou fielmente nisso e continuava incendiando florestas para salvar a própria vida.
KGN-004 | Elemento: Água | Fraqueza: Wave Burner
Um corsário dos circuitos, Pirate Man patrulha ambientes aquáticos com minas flutuantes e bombas submarinas. Ele é ágil mesmo dentro d’água, e seu estágio exige respiração estratégica — ou melhor, controle de flutuabilidade.
KGN-001 | Elemento: Eletricidade | Fraqueza: Magic Card
Dynamo Man atua como uma usina ambulante. Ele absorve energia do ambiente e pode se recarregar em plena batalha, a menos que o jogador o interrompa. Seus ataques envolvem campos elétricos instáveis e descargas contínuas.
DWN-057 | Elemento: Vento | Fraqueza: Ice Wall
Inspirado no folclore japonês, Tengu Man é um robô ágil, com domínio dos céus. Seus ataques com lâminas de vento e investidas aéreas dificultam a movimentação no combate. O palco dele é repleto de correntes de ar e plataformas móveis.
KGN-006 | Elemento: Ilusão | Fraqueza: Tengu Blade
Com aparência de mágico de circo e atitude dramática, Magic Man ataca com cartas explosivas, robôs coelhos e efeitos de distração. Seu cenário é um verdadeiro espetáculo caótico, onde truques e armadilhas andam juntos.
A dificuldade acima da média
Falar de Mega Man & Bass sem mencionar sua dificuldade seria impossível. O jogo é conhecido por seu alto nível de desafio, seja por conta do dano elevado que o jogador sofre, da IA agressiva dos chefes ou das seções de plataforma extremamente precisas. Jogar com Mega Man exige paciência e domínio dos tiros carregados, enquanto Bass oferece mobilidade maior, mas morre com mais facilidade. Fases como a de Burner Man se tornaram infames por armadilhas quase injustas, enquanto os estágios finais exigem domínio absoluto das armas especiais.
Músicas diferentes
Ao contrário do já esperado rock épico que a franquia traz desde o Nintendinho, Mega Man & Bass aposta em canções mais ambientais, por vezes ousando em estilos diferentes, como o Tengu Man com algo relaxante ou Magic Man que desperta uma alegria infantil de se ver um circo.
As músicas no geral são excelentes, entretanto, são demasiadas curtas, o que pode fazer você se cansar caso demore muito em alguma fase, o que pode acontecer com frequência devido a sua dificuldade ou busca de CDs.
No limite dos 16-bits
Mesmo sendo lançado tardiamente para o Super Famicom, em uma época em que o PlayStation e o Nintendo 64 já dominavam o mercado — Mega Man & Bass impressiona pelo visual. O jogo reutiliza e adapta sprites de Mega Man 8, mantendo o visual colorido e detalhado, com animações suaves e fases cheias de detalhes.
O jogo entrega cenários variados e efeitos visuais criativos, como o efeito de névoa no estágio do Cold Man ou a luta de Astro Man. Comparado a Mega Man 7, os visuais aqui são mais vibrantes e ousados, mesmo que com menos “peso” nos sprites.
Claro, há momentos de leve slowdown, especialmente em áreas com muitos inimigos ou efeitos simultâneos, mas no geral a Capcom fez um ótimo trabalho otimizando o código. O controle responde bem, os tempos de carregamento são inexistentes e a experiência permanece fluida mesmo nas fases mais exigentes, como as de Burner Man com suas queimadas e Tengu Man.
Presente para os Fãs
Um dos sistemas mais instigantes de Mega Man & Bass é a coleta dos 100 CDs escondidos pelas fases. Cada disco contém informações sobre personagens da franquia — não apenas deste jogo, mas de todos os anteriores, incluindo spin-offs. Uma verdadeira enciclopédia interativa da série clássica, que só pode ser completada jogando com ambos os personagens, já que alguns CDs só são acessíveis com as habilidades específicas de Mega Man ou Bass. Não se preocupe, os CDs são compartilhados entre os saves, estimulando o fator replay e recompensa a exploração atenta de cada estágio.
Lançamento mundial no Game Boy Advance
Originalmente lançado apenas no Japão, Mega Man & Bass só chegou ao Ocidente anos depois, em 2003, com um port para o Game Boy Advance. Essa versão tornou o jogo acessível a um público muito maior, mas trouxe algumas limitações. A principal delas é a resolução menor da tela do GBA, que dificulta a visão do campo de batalha e torna as plataformas mais traiçoeiras.
O som também sofreu compressão, e a paleta de cores foi ligeiramente alterada, como ocorre na maioria dos ports de Super Nintendo para o portátil 32-bits. Ainda assim, foi uma chance de redescobrir um capítulo importante da série que antes era praticamente inacessível fora do Japão.
Recepção e legado
Na época de seu lançamento, Mega Man & Bass teve uma recepção mista. Parte dos fãs celebrou o retorno ao estilo clássico em pleno domínio da geração 32/64-bits, enquanto outra parcela criticou a dificuldade acentuada e a falta de inovações marcantes. Com o passar do tempo, no entanto, o título passou a ser reconhecido como uma joia escondida da franquia, por manter viva a linha principal em um momento em que a série Mega Man X dominava as atenções.
Visualmente, é até hoje um dos jogos 2D mais refinados da série clássica. Sua direção de arte detalhada e a ousadia no design mostram um cuidado raro. Mega Man & Bass contrasta fortemente com o estilo retrô adotado por Mega Man 9 e 10, que apostaram em uma nostalgia propositalmente limitada — o que muitos consideram uma abordagem pretensiosa. Subestimado por muitos, o jogo representa um verdadeiro presente aos fãs veteranos e inspira o desejo de que os próximos capítulos da franquia sigam um caminho semelhante — unindo a riqueza visual e criativa vista aqui com o que Mega Man 11 também soube realizar com competência.
Revisão: Vitor Tibério

















