O Game Boy Advance foi uma das plataformas mais interessantes a serem lançadas no início dos anos 2000. A Nintendo conseguiu criar um hardware bastante potente para um console portátil em 2001, sem tornar o aparelho um devorador de pilhas ou caro demais como os concorrentes do primeiro Game Boy.
Apesar disso, a evolução gráfica daquele início de geração estava indo a todo vapor, e os gráficos 3D estavam em alta. A arquitetura do GBA era totalmente focada em gráficos 2D, e nisso o videogame era poderosíssimo, com escalonamento de sprites, boa gama de cores disponível e capacidade de lidar com vários elementos em tela ao mesmo tempo.
Esse poder extra do console permitiu a geração de gráficos tridimensionais sem um chip dedicado ao cálculo de polígonos. Durante cerca de seis anos no mercado, algumas desenvolvedoras apostaram em trazer jogos 3D para o pequeno roxinho, então vamos relembrar e destacar alguns dos milagres feitos.
Doom, Doom II e outros FPS
Comecemos por um ponto básico: títulos não construídos primariamente com polígonos, e sim com técnicas de escalonamento de bitmap. Vale lembrar que o console tinha poder para lidar com essa tecnologia nativamente, facilitando o trabalho das desenvolvedoras para criar esses “pseudo-3D”.
Utilizando a técnica de BSP (Partição Binária de Espaço), Doom foi portado logo no primeiro ano do GBA numa versão bem competente. Mesmo sem apresentar todo o conteúdo original (por ser baseado na edição de Atari Jaguar), o jogo mantém a jogabilidade intacta, e a resolução é aceitável para um videogame portátil da época.
Não demorou muito para começarem a otimizar motores gráficos dedicados a essa técnica de BSP, e um ano depois recebemos Doom II e Duke Nukem Advance. Apresentando cenários mais detalhados, incluindo relevos e geometria mais complexa, os jogos não só eram bons por si só, como também apresentavam desempenho superior às primeiras tentativas no GBA.
Contudo, creio que o maior destaque fica para Ecks vs. Sever, jogo exclusivo baseado no filme Dupla Explosiva, sendo um dos exemplos técnicos mais lembrados da plataforma. Além de ser um FPS bem completo, o título apresenta elementos verdadeiramente poligonais nas fases, como contêineres e caixas, com uma taxa de quadros estável o bastante para manter a fluidez.
Saindo do pseudo-3D para algo verdadeiramente 3D, 007: Nightfire é um dos que mais me surpreende. Não só tenta representar bem a versão de console de mesa, como consegue construir cenários totalmente poligonais, permitindo maior uso de verticalidade e controle livre de mira. Embora tenha desempenho inferior aos jogos citados anteriormente, a conquista tecnológica acaba compensando esse ponto.
Por fim, Kill.Switch é talvez um dos poucos jogos de tiro em terceira pessoa na biblioteca do videogame. Com design de fases mais simples, é um título que foca mais na parte de mira e posicionamento em coberturas — alguns anos antes de Gears of War popularizar esse tipo de jogabilidade. Também apresenta cenários poligonais.
Polígonos chapados
Enquanto alguns jogos tentavam ir um pouco além com texturas, outros apostavam no simples com polígonos chapados. Star X também foi um dos primeiros no GBA, sendo um rail shooter de nave com claras inspirações em Star Fox. Além do charme das geometrias simples, rodava super suave e até dava um choque comparado ao jogo de Fox McCloud no Super Nintendo.
A Sega também entrou nessa ao lançar Super Monkey Ball Jr., uma versão simplificada do jogo dos macacos em bolas que estourou no GameCube. Apesar da ausência de analógico, a jogabilidade ficou bem adaptada ao direcional digital e os gráficos funcionaram muito bem com polígonos sombreados sem texturas.
Outro port de console grande para o pequeno foi Drome Racers, jogo de corrida de LEGO que optou pelos polígonos chapados e mostrou que nesse estilo pode ser bastante carismático. Já Tony Hawk’s Downhill Jam arrisca algumas texturas em certos elementos, mas constrói as ruas e os skatistas com blocos simples e coloridos.
Correndo com profundidade
Além de escalonamento de bitmap e uso de polígonos, o GBA também conseguia lidar com a técnica de Voxel. A técnica consiste em um truque de perspectiva utilizando uma imagem chapada, fazendo uma varredura de linhas horizontais para simular relevo e, assim, criar um “3D falso”.
Poucos jogos foram lançados usando essa técnica, basicamente limitados a uma desenvolvedora, Skyworks Technologies, que ficou responsável por Quad Desert Fury, Monster Trucks Mayhem, ATV Thunder Ridge Riders e Monster Trucks. Nenhum deles se destacou bem na qualidade, mas vale como curiosidade técnica.
A maioria dos jogos 3D do Game Boy Advance era de corrida, provavelmente por ser um gênero mais fácil de trabalhar com recursos limitados. Um dos primeiros destaques foi Sega Rally Championship, port do clássico de arcade com uma boa jogabilidade, mas que sacrificou a resolução para deixar as corridas mais fluidas. Jogar isso em tela cheia é uma experiência pouco confortável.
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Esse é um dos jogos que mais dói de ver em tela cheia. |
Outro port de produção da Sega foi ainda mais longe, apesar do resultado questionável. Crazy Taxi: Catch a Ride tentou replicar a loucura arcade de ser taxista num mundo aberto, contudo, contava com uma taxa de quadros sofrível e um draw distance que prejudicava a ideia de achar os passageiros por aí. E, para piorar, nada de The Offspring durante a jogatina, o que tirava parte do charme original.
Need for Speed foi bem presente no GBA, contando com quatro jogos desenvolvidos pela Pocketeers. Apesar dos cinco jogos (Underground, Underground 2, Porsche Unleashed, Most Wanted e Carbon) serem todos muito parecidos entre si, conseguiram representar bem o espírito de cada título individualmente, incluindo a mecânica de tunagem presente nas versões principais.
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Need for Speed Underground 2 |
Velez & Dubail
Dentre tantas desenvolvedoras que tentaram arriscar nos gráficos 3D, a dupla de devs Velez & Dubail apresentou o melhor que dava para extrair no console. Eles estrearam com V-Rally 3 e apresentaram cenários complexos, com vários elementos diferentes ao mesmo tempo em tela, jogabilidade excelente e taxas de quadros estáveis e mais altas que qualquer outro título de corrida do mesmo período.
Outra produção veicular foi Stuntman, que trocava as corridas por treino de dublês em diversas provas. A novidade técnica estava nos alguns obstáculos no meio da pista, como rampas e caixas e suas devidas interações. Até arriscaram alguns modelos humanos em cutscenes, mesmo sendo assustadoramente horrendos.
Entretanto, acredito que os dois maiores jogos da dupla francesa foram Astérix & Obelix XXL e Driver 3. O primeiro era uma plataforma 3D com cenários relativamente amplos, vários inimigos em sprites na tela e objetos para coletar. Facilmente se passaria por um jogo de início de geração de PlayStation e Sega Saturn.
O segundo chega a ser ainda mais impressionante. Driver 3 é um jogo de mundo aberto detalhado, que vai além dos momentos de carro dos títulos de PS1 e apresenta até sistema de tiro. Tudo isso foi passado para o modesto GBA, com um mapa fiel à versão de mesa, mantendo a mesma história e vários momentos-chave ainda presentes.
Mesmo que tenha alguns problemas de jogabilidade relacionados à dirigibilidade dos carros, Driver 3 no GBA é estonteante de ver e é até um choque compará-lo à Driver 2 no mesmo console. Certamente tem seu lugar entre as maiores provas do poder do pequeno 32 bits da Nintendo.
Um curto e impactante legado
Com pouco mais de 60 títulos que usam algum tipo de técnica tridimensional no Game Boy Advance, pudemos ver muito do que o console conseguia fazer por conta própria. Até hoje há uma ideia equivocada de que o videogame era mais fraco que o Super Nintendo, e a prova de que ele podia ir além estava justamente nessas maravilhas técnicas.
Claro, nem tudo era tão bom de jogar — na verdade, creio que a maioria não ia muito além de uma demonstração técnica — mas representam uma época de evolução técnica muito acelerada nos anos 2000. Mesmo com uma curta vida útil como portátil principal da Nintendo, seu legado 3D ainda é admirável atualmente.
Revisão: Beatriz Castro