Gambás, morcegos, esquilos e até um certo lince infame foram candidatos para emplacar como um novo ícone dos jogos. E, timidamente, a companhia 3DO (fundada pelo criador da Activision) lançou seu console com o irreverente calango Gex como seu mascote. 30 anos depois, o lagarto viciado em TV retorna com a Gex Trilogy, coletânea de suas três aventuras para uma nova geração e cujo anúncio foi minha primeira notícia pro Nintendo Blast. Venha comigo, vamos assistir alguns programas malucos.
Programação interrompida
Como o nome diz, a Gex Trilogy é dividida nas três incursões do calango pelos canais da chamada Media Dimension. Gex (1995) conta a história de como, em um belo dia, nosso lagartinho estava assistindo TV em sua mansão no Havaí quando comeu uma mosca aparentemente inofensiva. Aparentemente porque, na verdade, o inseto era um drone de Rez, um ciborgue megalomaníaco e tirano da Media Dimension, onde todos os canais de TV se encontram. Interessado em transformar Gex em seu novo mascote para conquistar o mundo (não pergunte os detalhes), ele arrastou o calango para dentro da TV, com nosso lagarto determinado em escapar da armadilha mortal.Gex: Enter the Gecko (1998) se passa dois anos após o primeiro jogo. Depois de ter salvado o mundo e enquanto vive a boa vida, Gex nota o retorno de Rez por meio da estática na TV, porém pouco se importa com a ameaça do tirano. Assim, ele é pego por agentes do governo, que lhe oferecem uma maleta cheia de dinheiro para dar um jeito no vilão louco. O lagarto prontamente aceita a proposta. Por fim, em Gex 3: Deep Cover Gecko (1999), Gex é chamado para a aventura quando sua parceira e namorada, a sedutora Agent Xtra, é sequestrada por Rez. Cabe apenas ao calango salvar sua amada e, mais uma vez, o mundo.
Como está mais que óbvio, a ‘jornada’ de Gex é levada na brincadeira e simplicidade, sendo carregada pelo charme do lagarto, dublado muito bem pelo comediante Dana Gould (na Europa, ele foi feito por Danny John-Jules, cuja versão chegará no futuro próximo, como prometido pela Limited Run), disparando frases de efeito e referências datadas praticamente a cada segundo. O que poderia ser irritante, no entanto, dá uma volta completa em qualidade e oferece um protagonista legal e extremamente confiante, efetivamente uma paródia viva, mas sem ser forçado.
Sessão da tarde
Em questão da qualidade em geral dos jogos, Gex é um prato misto, daqueles que você coloca um monte de salgadinhos numa tigela para comer enquanto vê uma maratona de filmes, variando de sabor e característica. O primeiro jogo se destaca por ser o único em 2D, com gráficos muito bem feitos que se parecem com 3D, semelhantes aos da série Donkey Kong Country (cujo primeiro título foi lançado no ano anterior, em 1994), enquanto os outros dois são mundos 3D, bastante inspirados em Super Mario 64, contendo mundos HUB para explorar e chegar nas próximas fases.Sendo um calango, Gex pode se grudar nas paredes e escalá-las (livremente no primeiro jogo, em texturas específicas nos outros dois), dando uma sensação de liberdade, especialmente no primeiro, quando tem paredes no fundo da tela e dá uma sensação de profundidade bem legal e ousada para a época. Esse é um dos aspectos mais pertinentes da saga de Gex: exploração. Para progredir, é necessário encontrar controles remotos espalhados pelos campos, aumentar de vida com coletáveis e, ainda, encontrar passagens secretas para áreas específicas, atalhos ou até minigames. Parece ser muita coisa e até um tanto frustrante, mas logo se pega o jeito e a experiência fica bastante divertida.
Outras coisas bastante legais em Gex são sua variedade e sua evolução. Além dos níveis serem baseados em típicos gêneros e formatos midiáticos (como desenho animado, terror e kung fu), a partir do segundo jogo, o calango usa roupas que se encaixam nas fases, como um kimono vermelho, um cospodre de Pernalonga e traje de agente secreto. Não apenas isso, mas é notável a evolução da franquia, refinando os gráficos, universo e exploração das fases, adicionando mais formatos de jogo para melhor acomodar a temática das fases (como usar um snowboarding em um nível de neve no terceiro jogo) e desbloquear novos desafios, tudo com uma trilha sonora bem legal e cativante.
Back in the 90s…
No entanto, Gex mostra suas rugas do tempo, como uma velha revista Monet que já viu dias melhores. Para atacar, o calango usa sua cauda em um ataque giratório (ou em forma de trampolim, quando acerta no ar), cuja hitbox é temperamental, especialmente nos títulos em 3D, onde apenas um único momento de contato causa dano nos inimigos. Além disso, ele ainda pode usar a língua para coletar melhorias, como invencibilidade e mais velocidade, mas fica a dúvida do porquê isso não é um ataque também, já que é mais direto e rápido que a cauda.Nos dois jogos em 3D, a câmera é temperamental, como na maioria dos títulos pós Mario 64, onde ela pode rodar de forma errática e não dar uma precisão exata da profundidade do nível. Comparado com o lançamento original, onde ela era controlada com os botões L1 e R1, aqui pode ser controlada também com o analógico direito, dando um melhor controle, mesmo com seus perrengues.
Em análises passadas, eu disse que todo relançamento que se preze deve incluir rascunhos e desenvolvimento de seus jogos para fins de preservação e curiosidade. Esse meu pensamento se estende inclusive para ports de remakes, e Gex Trilogy é um exemplo complicado. Por um lado, os jogos estão muito bem emulados, com pouco tempo de carregamento graças à milagrosa engine Carbon Engine, possibilitando a fidelidade dos títulos originais, com direito, inclusive, aos códigos de trapaça (lembram de quando jogos tinham eles? Saudades…).
Além disso, foram adicionados alguns bônus, como os manuais originais, algumas artes conceituais, trailers, entrevista com Dana Gould e um toca-discos para escutar as músicas do jogo. Por fim, foi acrescentado um sistema de rewind para corrigir erros (similar ao do NSO, mas voltando por quadro e não por segundo, podendo ser um problema caso o jogador queira voltar pouco. Ainda assim, bastante bem-vindo e deixa a experiência muito mais divertida) e um sistema de salvamento por meio de um menu especial ao clicar o R3 (com tema claramente inspirado em Persona 5 Royal), um alívio considerando que, para salvar no jogo original, era preciso usar um rudimentar sistema de código. Sem autosave, no entanto.
Então onde jaz o problema? Bom, primeiramente, a coletânea não tem opção para legendas para ver o que Gex está falando, muito menos em português brasileiro. Segundo, a trilogia conta apenas com as versões de PS1 dos jogos, omitindo as de N64, Sega Saturn, o port para Game Boy Color e, inclusive, a versão original de 3DO, deixando de lado boa parte do legado de Gex, considerando as leves diferenças entre versões. Mas a maior incógnita é: por que relançar sem polimentos visuais? Os jogos foram meramente portados, sem melhorias nos gráficos, na iluminação ou até mesmo nas cutscenes, apresentando um certo descaso e preguiça no desenvolvimento, em comparação com outra coletânea recente da Eidos, a Legacy of Kain.
Ao final do dia, Gex Trilogy é uma coletânea magra e despretensiosa, frustrante na falta de grandes adições, porém que cumpre seu papel de trazer o calango irreverente de volta aos holofotes. A falta de polimento visual, versões alternativas e a câmera temperamental se equilibram com uma performance boa, fidelidade aos produtos originais e adições muito bem vindas como rewind e salvamento reformulado.
Talvez uma esperança para ressuscitar a franquia? Não iria tão longe, mas é legal ver ele de volta.
Prós
- Três jogos divertidos muito bem portados, sem bugs e rodando muito bem;
- Gex é um protagonista legal e divertido de controlar;
- Grande variedade de níveis;
- Level design bem feito, focado na exploração;
- Adições como rewind e salvamento muito bem-vindas;
- Conteúdo bônus de relançamento, como artes e entrevista, são bem legais.
Contras
- Sem legendas PTBR;
- Câmera melhor do que no lançamento original, mas ainda temperamental;
- Ausência das outras versões dos jogos;
- Falta de polimentos visuais.
Gex Trilogy — PC/PS5/Switch/XSX — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise feita com cópia digital cedida pela Limited Run Games