É hora do Battle Train!
Battle Train é o nome de um programa de auditório sobre colidir trens contra coisas. Apresentado pelo carismático Hank — que também é o diretor do espetáculo —, a atração consiste em selecionar um membro da plateia (você, o jogador), presenteá-lo com um baralho de construção tática e um tapinha nas costas, e enviá-lo para a campanha, que envolve sucessivos duelos 1x1 nos quais o objetivo é destruir os postos inimigos antes que os seus sejam explodidos.
Se a ideia parece simples na teoria, a execução já é um pouco mais complexa: para conseguir alcançar os postos inimigos com o seu trem (e assim poder enviar uma carga capaz de explodi-los), é necessário primeiro construir trilhos pelo mapa. No entanto, com um número limitado de ações por turno e o fato de o seu oponente poder usar as suas linhas se as alcançar, é imprescindível pensar bem antes de agir para ter chances de vencer.
Assim, misturando elementos de estratégia em turnos, construção e deckbuilding (já que os trilhos estão atrelados às cartas do seu baralho), começa mais uma explosiva edição de Battle Train, para o delírio da audiência. Será que, de todos os participantes, você será capaz de chegar ao inédito desafio final e derrotar o lendário Aalvado, duque da demolição e presidente maquinista? A resposta está em suas mãos!
Vem pra cá, vai pra lá!
Uma coisa precisa ser dita. Battle Train possui em abundância dois fatores que são cada vez mais raros na indústria de games atual: personalidade e carisma. Seria bem cômodo para a Terrible Posture Games e os Nerd Ninjas simplesmente aplicarem a ideia do programa de auditório de maneira rasa para conduzir a narrativa, mas não foi o caso aqui: há uma imensa quantidade de cutscenes com os personagens do programa que, graças ao humor agudo e refinado, dão a impressão de estarmos assistindo a algo importado diretamente dos anos de ouro do Cartoon Network.
Como alguém que cresceu vendo os desenhos do canal norte-americano, como “Coragem, o Cão Covarde”, “Du, Dudu e Edu” e “Johnny Bravo”, não demorou muito para Battle Train me conquistar nesse sentido. Do pirata Crossbones ao lunático e (aparentemente) vilão Aalvado, a cada nova animação desbloqueada fica mais claro que os personagens do game sustentariam um show à parte, o que ratifica a qualidade da história e eleva o valor do game como um todo.
Mas, voltando à jogabilidade: Battle Train segue a fórmula padrão do gênero deckbuilder, com divertidas campanhas formadas por duelos 1x1 em sequência. Vencer tais desafios significa poder coletar melhorias — para o trem e para o baralho —, enquanto a geração procedural dos elementos, característica dos roguelites, garante que nenhuma partida será exatamente igual à anterior, aumentando consideravelmente o fator replay da jornada.
Assim como em Slay the Spire e Monster Train (para citar dois clássicos do gênero), em Battle Train também há eventuais bifurcações no mapa, permitindo que o jogador tenha um certo nível de decisão sobre o caminho a seguir durante a campanha. Em algumas rotas, por exemplo, é possível encontrar minigames com bônus, animações (em que observamos os bastidores dos responsáveis pelo programa, progredindo com a história geral) e lojas que vendem melhorias capazes de aumentar a chance de sucesso da partida.
Invariavelmente, tais caminhos desembocam em confrontos com chefes, que, assim como o elenco principal, também esbanjam carisma em seu tempo de tela. Infelizmente, porém, falar dos bosses do jogo significa tocar naquele que é o grande ponto negativo de Battle Train: o balanceamento das mecânicas e a sua inconstante dificuldade.
Big Bang Boom
Indo direto ao ponto: por mais divertido que seja (afinal, trens explosivos têm todo um charme próprio), Battle Train não é um jogo fácil de dominar. Particularmente, também achei que o seu tutorial poderia ser mais completo, pois algumas particularidades importantes da jogabilidade, como a possibilidade de dar zoom na arena, não são bem explicadas durante a introdução.
Mas vamos lá: de modo geral, a grande complexidade do game está na construção dos trilhos — como mencionado anteriormente, é preciso construir uma ferrovia até o posto inimigo para só então poder atacá-lo. Porém, como a quantidade de ações disponíveis em cada turno é limitada, essa não é uma tarefa muito simples, e erros básicos (comuns durante o processo de aprendizado) podem inclusive chegar a travar uma partida.
Por exemplo, ao conectar as pontas de dois trilhos quando se está começando a jogar, não é incomum criar curvas para a água ou fechar uma estrada sem querer. O problema ocorre quando se aprende por conta própria (olha o tutorial fraco aí) que esses erros não são facilmente reversíveis — é preciso aguardar uma carta de bomba para literalmente destruir o problema e poder voltar a construir sua estrada. Sem cartas de explosivos suficientes no baralho? Boa sorte para sacar a próxima enquanto vê a CPU progredir, sem poder fazer nada.
Outra coisa: por mais que ofereça uma dinâmica de risco e recompensa bem interessante, a natureza complexa das mecânicas de construção do título também garante que duelos mais desafiadores podem demorar, sozinhos, 45 minutos ou até mais, arrastando a jogatina e criando um loop mentalmente cansativo para um gênero comumente associado a partidas mais rápidas.
É que como é possível tomar o controle dos trilhos inimigos quando eles se unem aos seus, com um pouco de experiência dá para tentar travar os oponentes, destruindo as estradas inimigas com curvas inapropriadas e rotas sem saída, por exemplo. Logicamente, porém, o adversário tentará fazer o mesmo, gerando uma briga à la Tom e Jerry que pode se arrastar por rodadas a fio sem uma conclusão à vista.
Por fim, vem a questão do balanceamento: tudo bem enfrentar partidas demoradas se o resultado final for justo. O problema é que não é incomum os chefes de Battle Train possuírem habilidades milagrosas e cartas capazes de contornar as melhores ações do jogador, todas ativáveis naqueles momentos que seriam exatamente os ideais da partida. Infelizmente, a frequência com que essas situações ocorrem suscitam questionamentos se a inteligência artificial do jogo realmente foi balanceada ou somente programada para reagir da melhor forma possível às ações do jogador.
Com o tempo, é plenamente possível guardar alguns padrões e agir de forma a combatê-los, mas a verdade é que esses saltos de dificuldade comprometem parte da experiência e podem desanimar quem não tem muita experiência com deckbuilders e busca uma experiência mais relaxante, condizente com a temática. Poder ajustar alguns parâmetros nesse sentido é algo que faz falta, e que ajudaria tanto os veteranos quanto os novatos, na minha opinião.
A edição portátil do fenômeno da televisão
Mesmo com os deslizes no que tange à dificuldade, posso afirmar que vale a pena conferir Battle Train se você aprecia deckbuilders e jogos de estratégia. Por mais que possa demorar, uma vez que se pega o jeito e se aprende a lidar com as estratégias dos chefes, fica claro que não há um só game similar no mercado, e esse feito criativo dos desenvolvedores por si só já valeria o ingresso. A grande quantidade de itens desbloqueáveis e o sistema de campanha diária, com desafios fixos e placar de líderes online, também garante longevidade ao título.
Dada a natureza das partidas, o console híbrido da Nintendo é uma ótima plataforma para jogar Battle Train. Felizmente, não encontrei problemas de performance, embora caiba notar que os desenvolvedores optaram pelo uso de resolução dinâmica, o que pode fazer com que algumas cenas pareçam mais borradas que o habitual tanto no modo TV quanto no modo portátil. Em partidas mais duradouras, os loadings entre turnos também podem se tornar um pouco mais longos, mas isso não chegou a se tornar um problema grave, na minha opinião.
Por fim, com exceção da dublagem, o título foi localizado para o nosso idioma, facilitando a leitura das cartas e objetivos e também a compreensão das piadas e interações entre personagens, que ocorrem entre uma partida e outra. A única coisa que ficou faltando foi um modo multiplayer 1x1, online ou local, para elevar o desafio ao máximo potencial — quem sabe na próxima?
Todos a bordo!
Battle Train é um título que esbanja carisma e personalidade. Embora a sua execução não esteja isenta de falhas em aspectos importantes como o tutorial e a curva de dificuldade, é impossível negar que este é um jogo ímpar, que merece ser conferido por fãs de deckbuilders e estratégia em turnos que apreciam obras fora da caixinha e bem-humoradas. No mais, entre explosões, cartas e piadas certeiras, a diversão está garantida: nós nos encontramos no show?
Prós
- Ao simular um programa de auditório sobre trens explosivos, destaca-se no mar de deckbuilders atuais, integrando com rara precisão narrativa e jogabilidade enquanto mostra autenticidade;
- De forma bastante positiva, o estilo de humor e as animações lembram as melhores obras da época de ouro do Cartoon Network;
- Jogabilidade divertida que, uma vez dominada, agradará tanto aos fãs de deckbuilders quanto aos de estratégia em turnos;
- As mecânicas roguelite e o sistema de campanha diária, completos com um placar de líderes online, conferem longevidade ao título;
- Localizado em português brasileiro.
Contras
- Tutorial raso e mecânicas naturalmente complexas podem causar certa frustração no começo da aventura;
- Saltos de dificuldade notáveis e movimentos aparentemente telegrafados levantam dúvidas sobre o equilíbrio do jogo e a qualidade da programação da inteligência artificial;
- Poderia contar com mais opções de dificuldade;
- Os loadings podem se tornar um pouco demorados no Switch.
Battle Train — PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Bandai Namco










