Ter a experiência dos jogos de console na palma das mãos sempre foi um sonho. Muito antes do Nintendo Switch e de outros aparelhos portáteis atuais, algumas desenvolvedoras faziam ports para Game Boy ou Game Gear, e até tentavam adaptar a experiência para dispositivos ainda mais simples, como os infames videogames LCD como os da Tiger Electronics e Game & Watch — ou o nosso 9999 in 1 de camelô.
Quando o Game Boy Advance chegou em 2001, um de seus maiores triunfos foi conseguir reproduzir os títulos de Super Nintendo sem comprometer tanto a qualidade técnica, como acontecia com o Game Boy.
Apesar de isso ser, em grande parte, verdade, ainda hoje há discussões se esses ports foram bem-sucedidos frente aos jogos originais, seja por peculiaridades de hardware de cada sistema ou decisões artísticas das produtoras por diversas razões.
Afinal, qual console é melhor? Por que certos jogos são “brilhantes”? Antes de falarmos sobre os detalhes, segue uma tabela com as especificações técnicas:
Uma powerhouse 2D 32-bits para uma antiga powerhouse 2D 16-bits
O Super Nintendo foi lançado originalmente em 1990 e era um console tecnicamente avançado para seu tempo. Ainda que sua CPU fosse apenas uma evolução natural do que a Nintendo fez no NES, o console tinha o poder de reproduzir 256 cores simultâneas de uma paleta de 32.768 cores.
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| Disney's Magical Quest |
Para efeito de comparação, o Mega Drive e o PC Engine, seus concorrentes, estavam limitados a exibir apenas 64 cores ao mesmo tempo, com o console da NEC oferecendo mais opções de paleta que o da Sega. Não apenas isso, a plataforma foi uma das raras daquele período capazes de exibir efeitos de transparência real e escalonamento de pixels, embora limitado a apenas uma camada de fundo — o popular Mode 7.
O Game Boy Advance foi lançado em 2001, e apresenta uma arquitetura totalmente diferente, baseada em ARM. Sendo um hardware mais moderno em uma época em que a tecnologia estava evoluindo absurdamente ano a ano, o videogame contava com uma CPU rápida que conseguia alocar seu poder para diversas funções, efeito de escalonamento em sprites, maior liberdade para uso de transparência, além de poder usar 511 cores de uma paleta de 32.768 ou todas as cores em modo bitmap.
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| R-Type III: The Third Lightning |
Contudo, há um problema de decisão de construção do GBA que gerou algumas discussões em tópicos de comparação: a ausência de backlight ou qualquer outro sistema de iluminação própria da tela.
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| Rock 'N Roll Racing |
Entre o bip e o sofisticado
No aspecto gráfico, é uma vitória incontestável do Game Boy Advance perante o Super Nintendo, mas creio que o tópico mais interessante para debate no campo de comparação entre eles é a vertente de áudio.
O Super Nintendo apresentava uma arquitetura dedicada ao áudio, com um chip de 16-bits que trabalhava com amostras sonoras, criado pela Sony. Embora limitado pela memória RAM de 64 KB, o SPC700 conseguia contornar isso com uma série de recursos de pós-processamento em seus oito canais, como reverb, controle de tom e modulação de volume.
Por outro lado, o Game Boy Advance era praticamente uma solução improvisada em seu lado sonoro. Além de contar com o hardware legado do Game Boy original, a Nintendo colocou um tocador de samples de dois canais para dar uma capacidade mais sofisticada ao console.
Astro Man (Rockman & Forte, SNES)
Astro Man (Mega Man & Bass, GBA)
Parece pouco perto dos oito canais do SNES, mas a CPU ARM7 era tão poderosa que conseguia lidar com a mixagem das amostras e permitir mais do que duas delas por vez. O lado negativo é que o tocador de samples era limitado em frequência e por seu barramento de 8-bits, prejudicando tons mais agudos e dando aquele efeito de “chiado sujo” tão característico.
Underground (Super Mario World 2: Yoshi's Island, SNES)
Underground (Super Mario Advance 3: Yoshi's Island, GBA)
O hardware PSG legado do Game Boy era bem utilizado como acompanhamento nas músicas, e particularmente acho bem interessante a mescla de som 8-bits com instrumentos digitais ao mesmo tempo. Entretanto, os programadores precisavam conhecer bem o sistema para criar melodias que soassem agradáveis.
É mais fácil para os títulos de Super Nintendo soarem mais agradáveis pela maneira como ele trabalhava com as amostras, mas a limitação de memória de 64 KB limitava bastante seu poder. O GBA perdia na fidelidade, mas conseguia não só reproduzir vários samples, como trabalhar com vozes ao mesmo tempo.
Os ports
Após todo esse lado técnico entre os dois consoles, vale lembrar dos ports do Super Nintendo para o GBA. Foram cerca de 50 lançamentos adaptados para o portátil, cada um com suas vantagens e desvantagens. Vamos dar uma olhada em alguns destaques:
Quadrilogia Super Mario Advance: embora dois deles sejam jogos originalmente de NES, as versões da quadrilogia Advance são baseadas nos remakes de Super Mario All-Stars. Considero Super Mario Advance a forma definitiva de jogar Super Mario Bros. 2 devido ao ganho gráfico com diversos detalhes adicionados, adaptações bem-vindas no level design, jogabilidade refinada, além de conteúdo extra.
Super Mario World e Yoshi's Island são bem mais próximos de suas contrapartes de 16-bits. A aventura do Yoshi, em específico, é interessante por não precisar de um chip adicional como no SNES, tendo todos os efeitos poligonais e de escalonamento rodando nativamente.
Por fim, Super Mario Bros. 3 não só recebeu as mudanças costumeiras, como adicionou ainda mais conteúdo com o e-Reader, cartões vendidos apenas no Japão que contavam com fases extras. Hoje, dá para acessar essas fases no relançamento de Wii U e no catálogo Nintendo Switch Online.
Contudo, tem um detalhe curioso em todos esses ports: vozes. Pegar um power-up ou item, ou tomar dano… alguns chefes contam com algumas falas, algo que irrita alguns pela repetitividade, enquanto outros acham apenas um detalhe adicional dessas versões. A mim, realmente não incomoda.
Mega Man & Bass: lançado no Japão para SNES em 1998, Rockman & Forte ganhou sua versão internacional apenas no portátil avançado. Todo o conteúdo e jogabilidade foram portados perfeitamente, mas o encurtamento de tela de fato atrapalha a jogabilidade de um título mais ágil e com foco em tiros e plataforma. As músicas também puxam bem mais para o uso do PSG do que de samples, com resultados de qualidade variada.
Trilogia Donkey Kong Country: esses são altamente polêmicos, por motivos justificáveis. Os três clássicos foram modernizados para o GBA com novos menus, modos, adição de introduções, uma trilha completamente nova para Donkey Kong Country 3 com autoria de David Wise, assim como algumas adaptações nas fases para melhorar a experiência.
O lado negativo disso tudo fica tanto para o áudio quanto para os gráficos. As músicas de DKC foram feitas pensando nas características do SPC700, e precisaram de adaptações severas para o GBA. A Rare tentou o que pôde para adaptar as belíssimas melodias para o portátil, mas algumas faixas perderam muito de seu impacto no port — especialmente algumas de DKC2 —, enquanto outras ficaram interessantes com a sonoridade diferente.
Quanto à direção de arte como um todo, creio que, de todos os ports, esse é o que mais sofreu no GBA. Não exatamente pelo console não conseguir fazer o que o Super Nintendo fez, mas sim pela tentativa de compensar a ausência de backlight do videogame. Tudo é extremamente estourado, desde ambientes até personagens, chegando a mudar até mesmo as fases noturnas para diurnas na tentativa de deixar tudo mais visível.
Final Fantasy IV, V e VI: a trilogia do Super Nintendo também chegou ao GBA. Apesar de bem fiéis, houve mudanças de balanceamento, gráficos — especialmente com Final Fantasy IV, que foi muito melhorado — e interface, além de som. O texto foi totalmente refeito para se assemelhar mais ao script original, sendo as melhores versões para maior fidelidade com os jogos japoneses.
A qualidade das músicas foi melhorando conforme lançavam-se os títulos, com a trilha do Final Fantasy VI bem próxima à do Super Nintendo. Particularmente, adoro como soam no GBA, mas aqueles mais puristas com as composições de Nobuo Uematsu tocadas no SNES ficam bem incomodados com os baixos destacados e toques do chip PSG do GBA.
Contra Advance: The Alien Wars EX: em um caso mais problemático, Contra III foi mal adaptado para o portátil. Além de cortarem as fases com visão de cima por duas de Contra: Hard Corps, não dá para segurar duas armas diferentes, o sistema de bombas foi removido, e uma das armas simplesmente sumiu. Mesmo com a mecânica de fixar tiros, não é uma versão que valha a pena.
The Legend of Zelda: A Link to the Past: a aventura de Link no SNES também foi para o GBA, num excelente port, adicionando melhorias de qualidade de vida, jogabilidade mais refinada e textos da história mais alinhados ao que Ocarina of Time estabeleceu. O visual é extremamente fiel ao original, enquanto a trilha sonora tenta ao máximo soar igual ao SNES, mesmo com o chiado natural do chip do GBA.
Como conteúdo adicional, ainda foi adicionada uma dungeon extra e Four Swords, um jogo cooperativo para até quatro jogadores totalmente inédito, pegando o que a Capcom criou em The Minish Cap como base.
Final Fight One: um caso bem interessante de como consertar um jogo. Apesar de ser um título de fliperama, Final Fight One é feito em cima do port decepcionante de Super Nintendo, restaurando os conteúdos cortados e adicionando multiplayer com o uso de Link Cable. Como se não bastasse, agora há diálogos antes de batalhas contra chefes, e versões de Street Fighter Alpha de Cody e Guy são desbloqueáveis.
Enquanto visualmente é praticamente idêntico ao trabalho da Capcom no Super Nintendo — com o característico brilho a mais nas cores —, o áudio é um ponto estranho. Não que as músicas sejam exatamente boas no Super Nintendo, mas abusaram do uso do PSG nas melodias, ficando um tanto irritantes. Ao menos as vozes estão todas presentes e fiéis ao do fliperama.
Uma “nova” forma de jogar
Apesar de todas as comparações técnicas entre os dois consoles, o mais interessante de observar nos ports de Super Nintendo para Game Boy Advance é como cada título reflete uma escolha de adaptação — algumas muito bem-sucedidas, outras bastante comprometidas.
O GBA, com todo seu potencial portátil, permitiu a uma nova geração revisitar ou conhecer clássicos com uma nova roupagem, o que deu às produtoras a oportunidade de revisarem seus catálogos, adicionando conteúdo ou corrigindo problemas. Mesmo que prefiramos o Super Nintendo na maioria dos exemplos, às vezes é bom dar uma variada no que nos é familiar.
Revisão: Vitor Tibério













