Atari Shock: como a Nintendo evitou a crise de 1983 e mudou a indústria

Hoje os videogames são a maior indústria do entretenimento em termos de receita, mas quase sofreu um fim abrupto.

em 05/06/2025

Uma das maiores, senão a maior crise dos videogames aconteceu no início dos anos 1980 e ficou conhecido no Japão como Atari Shock. O excesso de jogos de baixa qualidade levaram a fracassos de venda desastrosos e a perda de confiança no mercado. Mas diante do caos que colocava em risco a indústria nos EUA, a Nintendo abraçou a oportunidade e fez que a tornaria o sinônimo de videogames de qualidade.

O colapso da Atari e a crise que abalou a indústria


Em 1983, a indústria de videogames nos Estados Unidos enfrentou um colapso que quase a condenou. A Atari, então líder de mercado, inundou as prateleiras com jogos de baixa qualidade, como o infame E.T. the Extra-Terrestrial, que se tornou o maior símbolo do fracasso já visto na indústria. A falta de controle de qualidade e a saturação de títulos genéricos mancharam a confiança dos consumidores, resultando em estoques encalhados e prejuízos bilionários.

A crise foi agravada pela ausência de regulamentação e pela facilidade com que qualquer empresa podia lançar jogos para consoles como o Atari 2600. Sem um padrão de qualidade, o mercado foi inundado por títulos mal desenvolvidos, levando os consumidores a perderem o interesse. A situação chegou a tal ponto que milhares de cartuchos foram enterrados em um aterro no Novo México, simbolizando o declínio da indústria.

Com a confiança abalada, muitos acreditavam que os videogames eram uma moda passageira que rumava para o declínio. O setor precisava de uma reestruturação profunda para reconquistar o público e restaurar sua credibilidade.

A entrada estratégica da Nintendo no mercado americano


Enquanto a indústria americana enfrentava dificuldades, a Nintendo, uma empresa japonesa, via uma oportunidade. Em 1985, lançou o Nintendo Entertainment System (NES) nos Estados Unidos, rebatizando o Famicom japonês e introduzindo uma abordagem inovadora para conquistar os consumidores.

Para evitar a associação com os consoles fracassados, a Nintendo posicionou o NES como um "sistema de entretenimento", incluindo acessórios como o Robotic Operating Buddy (R.O.B.) e a pistola Zapper. Essa estratégia visava diferenciar o produto e atrair a atenção do público.

Além disso, a Nintendo adotou políticas rigorosas de licenciamento, controlando quais jogos poderiam ser lançados para o NES. Essa medida garantiu a qualidade dos títulos disponíveis e impediu a repetição dos erros que levaram à crise de 1983.

O selo de qualidade Nintendo e o chip de bloqueio


Para garantir a qualidade dos jogos, a Nintendo implementou o "Nintendo Seal of Quality", um selo que indicava que o título havia passado por um rigoroso processo de aprovação. Essa iniciativa restaurou a confiança dos consumidores, que agora poderiam identificar facilmente os produtos de qualidade.

Complementando essa estratégia, a empresa desenvolveu o chip de bloqueio 10NES, focado em especial nas versões americana e europeia do console, que impedia o funcionamento de jogos não licenciados. Essa tecnologia, junto com regras de quantos games poderiam ser lançados por empresa, garantiu que apenas títulos aprovados pela Nintendo fossem compatíveis com o NES, mantendo o controle sobre o catálogo disponível.

É claro que as políticas da Big N não passariam despercebidas, sendo alvo de investigações, processos (inclusive por parte da Atari) e tentativas de engenharia reversa. Mas nada impediu que o NES tomasse conta de ao menos 80% do mercado.

Essas medidas foram fundamentais para evitar a proliferação de jogos de baixa qualidade e estabeleceram um novo padrão na indústria, em que a curadoria e o controle de qualidade se tornaram essenciais para o sucesso.

O NES e o renascimento da indústria 


Poderíamos argumentar que o lançamento do NES marcou o renascimento da indústria de videogames. Com títulos icônicos como Super Mario Bros., The Legend of Zelda e Metroid, a Nintendo não apenas recuperou a confiança dos consumidores, mas também redefiniu o que significava jogar videogame.

A popularidade desses jogos transformou personagens como Mario em ícones culturais, influenciando gerações e expandindo o alcance dos videogames além do público infantil. A Nintendo criou uma comunidade engajada, com revistas como a Nintendo Power e eventos que celebravam a cultura gamer. Assim os videogames deixavam de ser apenas um brinquedo ou passatempo, mas um movimento cultural vivo novamente.

O sucesso do NES estabeleceu a Nintendo como líder da indústria e serviu de modelo para futuras gerações de consoles, demonstrando que a combinação de inovação, controle de qualidade e compreensão do mercado é essencial para o sucesso sustentável.

O domínio quase absoluto da Nintendo e a chegada do PlayStation

Com o êxito comercial do NES e, depois, do Super Nintendo (SNES), a Nintendo passou de salvadora da indústria a senhora quase absoluta dela. A empresa dominava completamente o mercado de consoles domésticos na América do Norte, e suas práticas de licenciamento praticamente forçavam os estúdios a uma fidelidade praticamente exclusiva.

Uma das políticas mais emblemáticas era a regra dos cinco jogos, que limitava o número de títulos que uma third party podia lançar por ano no NES. Isso não apenas reforçava a qualidade percebida, mas também consolidava o poder da Nintendo, que escolhia com quem e como cada título seria distribuído. Para muitos consumidores, videogame era sinônimo direto de Nintendo.

Esse controle absoluto começou a ser desafiado com a entrada mais agressiva da Sega, mas foi apenas com o lançamento do Sony PlayStation, em 1994, que a hegemonia da Nintendo foi seriamente abalada. A Sony oferecia acordos menos restritivos, além de maior capacidade de armazenamento com mídia em CD. O “monopólio” da Nintendo chegava ao fim, mas isso é outra história.

Qualidade para evitar crises


A crise de 1983 foi um dos momentos definidores para a indústria de videogames, evidenciando a necessidade de mudanças estruturais. A Nintendo, com sua abordagem centrada na qualidade e inovação, não apenas salvou o setor do colapso, mas também estabeleceu as bases para o crescimento exponencial que se seguiria tanto para ela quanto para os concorrentes.

Ao introduzir práticas de controle rigoroso, investir em jogos de alta qualidade e entender as necessidades do mercado, a Nintendo transformou a percepção dos videogames, elevando-os a uma forma de entretenimento respeitada e amplamente aceita.

O papel da Big N é evidente até hoje, com a empresa continuando a influenciar e moldar a indústria. Sua capacidade de aprender com os erros do passado e inovar constantemente deve servir de inspiração para a indústria e para nós.

Revisão: Vitor Tibério

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Fernando Lorde
Fernando Paixão Rosa, normalmente referenciado por Lorde, está escrevendo pela internet afora há mais de dez anos e com alguns livros publicados. Escutando música 24h/dia, fã de cultura pop em suas muitas manifestações e mais fã ainda das IP's da Nintendo. Registrando as aventuras nos games no Instagram (@lordeverse) e Twitch (@lordeverso).
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