Desenvolver jogos spin-off de uma série pode ser uma tentativa arriscada, ainda mais considerando o número de mudanças que podem ser feitas no processo. E quando trocam a protagonista? Ou a jogabilidade? E se for um roguelite? E se fizerem todas essas mudanças ao mesmo tempo? Essa foi a ousada abordagem da Stormteller Games com Lost in Random: The Eternal Die, mas que foi muito bem aplicada e que respeitou os aspectos únicos do primeiro jogo.
Lutando contra o Tormento
Mesmo sendo um spin-off, The Eternal Die leva em conta a história de Lost in Random e acontece após os eventos do primeiro jogo. Desta vez, o jogador assume o controle da Rainha Aleksandra, a antagonista da aventura anterior.
Ela e sua fiel companheira Fortuna — um dado mágico — tentaram confrontar Maldado, uma criatura maligna que as absorveu e as enviou para um reino sombrio e cheio de pesadelos. Lá, ela perdeu todas as habilidades e precisa recuperar suas forças para voltar ao Reino do Aleatório.
Porém, para conseguir sair, Aleksandra precisa derrotar Tormento, o Cavaleiro, uma versão encarnada do Maldado nessa realidade sombria. Portanto, não há outro jeito de se salvar a menos que a vingança contra o Maldado esteja completa.
Enquanto a dupla permanece presa nessa realidade, serão obrigadas a participar de um “jogo”, onde terão que derrotar uma série de criaturas e servos do Maldado ao longo de quatro regiões distintas conectadas por portais criados por Tormento.
E nessa busca para conseguir recuperar seu trono, Aleksandra será obrigada a se reencontrar com aspectos do seu passado que a farão refletir sobre que tipo de rainha ela é.
Personagens e visuais com estilo único
Nessa nova aventura, o visual de Lost in Random continua com seu estilo gótico juvenil, bem inspirado em clássicos do Tim Burton, com personagens esquisitos e cativantes. O trabalho de voz é bem feito e faz com que todas as criaturas que você ajuda e enfrenta durante a jornada despertem o interesse do jogador em saber mais sobre elas.
Os personagens também servem como recurso narrativo para trazer informações do passado da rainha, bem como acontecimentos do primeiro jogo. Mesmo assim, quem não conhece a fundo a história do Lost in Random original vai se sentir perdido com certas referências e diálogos. Porém, não acho que seja um aspecto que atrapalhe a experiência, já que o foco do jogo é muito maior no combate.
Nesses momentos, o glossário será uma ferramenta útil. É uma forma de trazer todas as informações necessárias para quem se empolgou em conhecer o universo, sem ter que criar diálogos longos e expositivos que travariam a jogatina.
Novos personagens gradualmente se juntam ao santuário, que serve de refúgio para Aleksandra, conforme são resgatados por ela e cada um contribui tanto com a história quanto com a superação desse desafio criado pelo Tormento.
Dados, cartas e armas
Falando sobre gameplay em si, aplicar elementos roguelite ao combate de Lost in Random foi um acerto bem grande. Para explicar melhor, antes vou resumir como o combate funcionava no primeiro jogo. Basicamente, era um plataforma e ação 3D com sistema de deckbuilding e arremesso de dados que geravam os poderes das armas de Even.
Em The Eternal Die, tanto o deckbuilding quanto o arremesso de dados voltam com mais opções e variando a cada tentativa, como pede o gênero. Sem contar a mudança de câmera, que deixa de ser uma câmera por cima do ombro e passa para uma visão isométrica ao melhor estilo Hades.
No início, Aleksandra conta apenas com sua espada, mas o jogo te deixa livre para escolher entre quatro armas, todas com variedades de ataques normais e carregados, sendo:
- Espada de Seistopia: dano normal, velocidade normal;
- Agressor de Setendipidade (Arco): dano baixo e velocidade normal, porém ataca à distância;
- Lança da Senhora Sorte: dano baixo, velocidade alta;
- Martelo de Onzenferno: dano alto, velocidade baixa.
Além das armas, também é possível combater inimigos com as cartas e as rolagens de dado da Fortuna.
As cartas aqui serão as magias de Aleksandra. O jogador só pode carregar uma carta no inventário, e cada uma tem um tipo de ataque ou aplicação de condição, como congelamento ou envenenamento. Achei que o baralho não era muito variado, então esse foi o ponto onde as repetições de recursos ficaram nítidas para mim mais rápido.
Já no caso da Fortuna, ela funciona como um item arremessável. Ao jogar Fortuna em uma área, ela cai com uma das faces para cima. Quanto mais alto for o número, maior o dano nos inimigos que estão em volta dela. Mas esse dano também pode mudar conforme os recursos que você coleta durante cada tentativa, pois existem melhorias para determinadas rolagens, como dano maior em números ímpares ou pares.
Mesmo que possa parecer excessivo, ter todos esses recursos simultaneamente no combate não é difícil de assimilar. Na verdade, cada vez que eu progredia, percebi o quanto é necessário usar tudo que tiver à disposição, pois os confrontos são muito frenéticos, com vários inimigos ao redor e cada um com um padrão de ataque diferente.
Essa variação também ajuda nas possibilidades de builds para a personagem e maneiras de repensar como usar cada técnica combinada com determinada arma.
No início, foi complicado, especialmente em momentos onde deixei inimigos demais se juntarem ao meu redor, ficando impossível até de entender o que estava acontecendo. Mas é tudo questão de costume e um bom preparo para o que está por vir na próxima sala.
Andando por um tabuleiro
O primeiro desafio acontece em um castelo destruído, porém a base será a mesma para todos os mapas. É como andar pelas casas de um tabuleiro: existe uma série de salas em formato de losango geradas aleatoriamente e conectadas por pontes. Antes de chegar na sala, Aleksandra passa por uma névoa densa que esconde qual será o desafio que a aguarda lá dentro.
Podem ser salas com inimigos comuns, batalhas contra minichefes servos do Tormento, ou salas que consistem em um desafio de travessia com obstáculos.
Os trechos de travessia, particularmente, não achei interessantes. São momentos onde a esquiva da personagem é muito exigida, mas existe um tempo de espera entre cada movimento, segurando o jogador. Isso faz com que escapar das armadilhas fique mais difícil por conta de um aspecto que não se tem muito controle. Além disso, são trajetos sem muita criatividade.
No entanto, nem todas as salas serão perigosas. Em algumas delas, Aleksandra poderá trocar a carta atual no inventário, comprar melhorias e elixires de recuperação ou jogar dados para adquirir mais moedas, curas e pérolas.
Melhorias variadas e constantes a cada tentativa
O jogo possui dois sistemas de melhorias, sendo um fixo e outro que só funciona dentro dos mapas e gerado aleatoriamente a cada confronto vencido.
O sistema fixo se baseia em melhorias para Aleksandra e suas armas: possuem duas opções, e só uma de cada conjunto pode ficar ativa enquanto ela atravessa os mapas.
As armas também tem suas melhorias únicas, que adicionam novos poderes para cada uma delas, podendo aplicar status ou causar algum dano elemental. Ambos os sistemas são bem diretos, exigindo itens chamados brasa e pó de pontinho em uma determinada quantidade.
Já as melhorias aleatórias funcionam em um sistema de bingo com combinação de cores. Ao abrir baús no final de cada sala, o jogador recebe pérolas de determinada cor que podem ser posicionadas em uma cartela. Essas pérolas podem trazer efeitos adicionais por meio de amuletos que vêm junto delas ou apenas gerar uma porcentagem de bônus passivo às armas, conjurações, cartas, dado ou sorte (aplicação de status e ataques críticos).
No entanto, esses bônus só passam a valer caso o jogador consiga alinhar três pérolas de uma mesma cor, seja na horizontal, vertical ou diagonal. Aqui foi onde senti que mora o segredo de uma boa build, já que essas pérolas podem aumentar muito o dano que Aleksandra e Fortuna causam nos inimigos.
O uso das pérolas, além de criativo, é o ponto de equilíbrio para recompensar sem facilitar demais o jogo. Ao ser derrotado, você vai sempre voltar mais forte, melhorando suas armas e habilidades, mas ainda terá que contar com as recompensas pelo caminho. Dessa forma, explorar os mapas não fica cansativo ou sem propósito.
A rainha deve retornar ao seu trono
Em um gênero onde os jogos já estão parecendo cada vez mais genéricos, Lost in Random: The Eternal Die consegue mostrar qualidades próprias, sendo um roguelite com personagens carismáticos e com mecânicas de combate viciantes. Além disso, a maneira como a premissa se encaixa com esse formato de randomizar mapas e recompensas é muito satisfatória.
A jornada de redenção de Aleksandra mostra a qualidade do universo de Lost in Random, que pode se expandir para aventuras ainda maiores. Os próprios desenvolvedores já afirmaram que The Eternal Die não é uma sequência, e sim uma nova história com rostos conhecidos para uns, mas novos para outros. Sendo assim, que venham mais aventuras inesperadas tão interessantes quanto a Rainha do Aleatório.
Prós
- Mecânicas de roguelite que fazem sentido para o universo do jogo;
- As recompensas de cada tentativa são equilibradas, te incentivando a jogar de novo sem te frustrar demais pelas derrotas;
- Cada uma das quatro armas tem uma jogabilidade única e bem explorada;
- História interessante e sem diálogos exagerados que tiram o foco do gameplay.
Contras
- A narrativa pode ser confusa para quem não é familiar com o primeiro Lost in Random;
- Baixa variedade de cartas;
- Desafios em salas de armadilhas não são muito interessantes.
Lost in Random: The Eternal Die — Switch/PC/PS5/XSX — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise feita com cópia digital cedida pela Thunderful


















