Durante o Pokémon World Championships 2025, fomos surpreendidos com uma mudança histórica no cenário competitivo da franquia: a substituição da série core como base do VGC (Videogame Championships). O jogo que assumirá o protagonismo será Pokémon Champions, previsto para 2026, um título pensado especificamente para batalhas em turnos no formato competitivo tradicional.
O anúncio dividiu opiniões. De um lado, jogadores empolgados com a possibilidade de um game dedicado apenas ao competitivo; do outro, fãs preocupados com o impacto que essa decisão pode ter na franquia principal. Afinal, o que significa para Pokémon a criação de um título totalmente voltado ao combate e a saída dos jogos principais desse papel?
O fim da fórmula clássica?
Pokémon Champions representa, na prática, o rompimento com a “receita única” da franquia. Até aqui, os jogos principais precisavam carregar o peso do competitivo — ao mesmo tempo em que eram aventuras de RPG, colecionismo e exploração.
A mudança coloca em dúvida a necessidade de os jogos core manterem o mesmo foco em batalhas competitivas de alto nível. Até agora, precisavam equilibrar campanha, exploração e narrativa com sistemas de batalha que serviam como base para o VGC. Com o Pokémon Champions assumindo esse papel, as produções principais podem se sentir mais livres para experimentar.
Com o competitivo migrando para Champions, a Game Freak ganha liberdade para inovar. Só que isso também significa que os jogos principais podem perder relevância dentro da comunidade competitiva. Pela primeira vez, um fã da franquia pode ignorar totalmente o jogo da geração e, ainda assim, estar plenamente integrado ao cenário global de batalhas. Isso muda a hierarquia de importância dentro da própria marca Pokémon.
Um exemplo claro disso é o retorno das Mega Evoluções ao competitivo; não nos jogos core, mas em Pokémon Legends: Z-A. Esse detalhe mostra que as mecânicas podem ser reinterpretadas ou até mesmo permanecer exclusivas a determinados títulos, sem a obrigação de estarem todas reunidas em uma geração principal. É um indicativo de que o competitivo e a aventura single-player seguirão caminhos distintos.
Se, por um lado, essa separação pode significar o fim de uma “fórmula clássica” em que tudo precisava caber em um mesmo produto, por outro, abre espaço para maior diversidade de experiências. Os jogos principais podem inovar sem medo de prejudicar o cenário competitivo, enquanto Champions garante a continuidade das batalhas em turnos tradicionais. Estamos, talvez, diante de uma ruptura histórica na maneira como a franquia organiza seu próprio ecossistema.
Maior tempo de desenvolvimento dos jogos da série principal
É inegável que a pressão para lançar jogos com regularidade anual afetou a qualidade da série core. Basta olhar para os erros de Scarlet e Violet: bugs, quedas de performance e mundos abertos que pareciam ambiciosos demais para o tempo de produção. A The Pokémon Company claramente sacrificou polimento em nome da agenda.
A chegada de Champions muda esse cenário. Se a série core não precisa mais se alinhar obrigatoriamente às necessidades do competitivo, não há desculpa para que os próximos títulos saiam apressados e quebrados. A Game Freak tem agora a chance de provar que ainda sabe criar experiências de RPG memoráveis, sem a sombra do VGC ditando ritmo e mecânicas.
Em um cenário ideal, essa transição permite que a franquia volte a lançar jogos que não apenas sustentem o apelo competitivo, mas também se destaquem como experiências completas de RPG. Se o foco em torneios for retirado da equação, a Game Freak pode ousar mais, tanto em mecânicas quanto em ambientação.
Todas as mecânicas de volta: o Omni Ring
Uma das grandes novidades de Pokémon Champions é o Omni Ring, item revelado durante o Mundial de 2025 como peça-chave para o retorno de mecânicas antigas. Ele permitirá o uso de sistemas clássicos como as Mega Evoluções e, possivelmente, Dynamax, Z-Moves e Terastal em um mesmo ambiente competitivo.
No lançamento, apenas as Mega Evoluções foram confirmadas, porém a expectativa é que outras mecânicas sejam reintroduzidas gradualmente ao longo das temporadas ranqueadas. A ideia de coexistirem em um mesmo título é algo que, até pouco tempo, parecia inviável.
O mais interessante são as possibilidades de balanceamento: usar uma mecânica por partida, forçando o jogador a escolher entre Mega, Dynamax ou Terastal, por exemplo. Isso não apenas preserva a diversidade estratégica como também mantém o espírito criativo das batalhas competitivas. O Omni Ring pode marcar uma nova era para o VGC, onde passado e futuro finalmente se encontram.
Sem todos os Pokémon?
Apesar do escopo ambicioso, nem todos os Pokémon estarão disponíveis em Champions no lançamento. A própria The Pokémon Company confirmou que a seleção inicial será limitada, provavelmente para manter o equilíbrio do competitivo.
Sim, há lógica em limitar a pool inicial de Pokémon para evitar desequilíbrios. Mas isso também reforça que Champions será um jogo moldado pelas regulations sazonais, e não por uma experiência completa desde o início.
Isso, no entanto, não significa que a limitação seja definitiva. Assim como ocorre nas regulations atuais, as temporadas competitivas devem determinar quais criaturas estarão elegíveis em cada etapa. A longo prazo, é possível que Champions incorpore gradualmente todo o catálogo da franquia, especialmente por meio de atualizações vinculadas ao Pokémon HOME. Contudo, quem sabe, no futuro, fora do ambiente de ranqueadas, haja um formato em que todos os Pokémon fiquem liberados.
Essa limitação inicial pode gerar desconforto em parte da comunidade, porém é uma solução prática para evitar desequilíbrios logo de saída. Afinal, com todas as mecânicas e Pokémon disponíveis, o risco de caos competitivo seria enorme.
Foco completo no combate
Ao contrário dos jogos core, Pokémon Champions não terá campanha ou exploração como prioridade. Seu foco será o combate direto, acessível tanto para veteranos do competitivo quanto para iniciantes curiosos. O anúncio de que será gratuito nos smartphones deixa isso ainda mais evidente: a The Pokémon Company não quer apenas servir ao competitivo hardcore, mas transformar Pokémon em um esport acessível e massificado, a exemplo do Pokémon Unite.
De certa forma, é uma jogada genial. O competitivo sempre foi nichado porque estava preso atrás de um paywall (os jogos principais) e de uma curva de aprendizado pouco amigável. Champions remove essas barreiras: qualquer um pode baixar, montar um time e jogar. O problema? Essa democratização pode vir ao custo de transformar Pokémon em algo mais próximo de um serviço de plataforma do que de um jogo tradicional.
Isso significa que qualquer jogador poderá baixar o game, montar uma equipe e começar a batalhar sem a necessidade de ter os títulos principais. Para aqueles que desejarem expandir o elenco de Pokémon disponíveis, a transferência via Pokémon HOME será a ponte natural entre Champions e os jogos core.
Essa estratégia não só facilita a entrada de novos jogadores no VGC como também fortalece a cena competitiva em escala global. Com um jogo acessível e totalmente focado em batalhas, o competitivo de Pokémon pode se tornar mais popular do que nunca — e finalmente conquistar o espaço que sempre mereceu dentro dos esports.
O que Pokémon ganha e o que perde
No fim das contas, Pokémon Champions é uma resposta pragmática da The Pokémon Company a dois problemas que vinham se arrastando: o desgaste da série principal e a dificuldade de consolidar o competitivo como um produto atraente. Ao separar as funções, a empresa tenta resolver os dois lados da equação — dar fôlego à série core e visibilidade ao VGC.
Mas essa solução tem um preço. Ao transferir o competitivo para Champions, a TPC corre o risco de transformar os jogos principais em experiências secundárias, quase “descartáveis” para quem só se importa com batalhas. O coração da franquia sempre foi a integração entre captura, exploração e combate; fragmentar esse tripé pode descaracterizar a identidade de Pokémon.
O que está em jogo é simples: se Champions conseguir equilibrar acessibilidade e profundidade, pode finalmente tornar o VGC relevante no cenário global de esports. Se falhar, pode deixar a série principal descolada de seu legado competitivo e, pior, criar um hiato na identidade de Pokémon como um todo. É uma aposta ousada — e talvez a mais arriscada que a franquia já fez em quase trinta anos.
Revisão: Alessandra Ribeiro








