Pelas estradas da vida
Como o título implica, a obra do Moral Anxiety Studio dá ao seu jogador a tarefa de ser um Roadwarden — termo usado no universo do game para definir aqueles que trabalham como patrulheiros das estradas, protegendo comerciantes, entregando mensagens e também derrotando monstros e outras ameaças, quando necessário (e possível).
O serviço, porém, não é fácil: a maioria das pessoas sabe que as rotas e terras que não foram totalmente colonizadas escondem muitos perigos. Logo, ser um Roadwarden é abraçar uma jornada marcada pela solidão; apesar do bom salário (e do respeito alheio), aqueles que escolhem a profissão sabem que ou se aposentarão cedo ou morrerão em serviço.
Ciente de tudo isso, sua missão é, em tese, simples: você deverá mapear uma península pouco explorada, conhecendo os seus habitantes e descobrindo se existem boas oportunidades de negócio no processo. Para isso, você passará 40 dias no local em questão.
Após esse período, você deverá retornar a Hovlavan — uma das maiores cidades e centros portuários do continente — para reportar suas descobertas. Com o antigo Roadwarden (chamado de Asterion) desaparecido (e provavelmente morto), tudo indica que os habitantes apreciarão sua presença na península. Mas, como em um bom RPG, são suas escolhas que definirão como a história se desenrolará.
Uma caçada selvagem… ou quase isso
É preciso deixar algo muito claro nesta análise: Roadwarden é um RPG de texto, o que significa que, de modo bem similar a uma Visual Novel, sua jogabilidade se resume em analisar e escolher opções na tela. Logo, se você não gosta muito de ler ou prefere jogos caracterizados pelas sequências de ação, provavelmente não se encantará com o que é oferecido aqui.
O que é uma pena, pois Roadwarden é extremamente bem-escrito e bem-elaborado, com uma narrativa cativante e um universo instigante que me lembrou bastante jogos como The Witcher 3: Wild Hunt. A península onde o jogo se passa é bastante hostil e repleta de mistérios e criaturas fantásticas como goblins e grifos, o que, desde o início, exige atenção nas escolhas feitas para evitar um game over precoce.
Além da liberdade nas escolhas, Roadwarden também conta com outros elementos de RPG, como classes e inventário. No caso, para minha aventura, escolhi ser um lutador, perfil que me deu vantagens em interações marcadas pela necessidade de força física. Se eu tivesse optado pela vida acadêmica, como o meu colega de redação Vítor fez ao analisar o jogo para o GameBlast, boa parte das quests poderiam ser realizadas de outra forma.
Comuns a todas as classes, porém, são os stats, indicadores que definem aspectos como vitalidade, saciedade, armadura e aparência. Uma vitalidade baixa, por exemplo, aumenta a chance de morrer em combate e impede a realização de atividades exaustivas; já uma aparência ruim pode prejudicar sua capacidade de influência sobre os NPCs e até mesmo aumentar o preço dos itens em algumas lojas.
Como no início da história recursos básicos como dinheiro e comida são escassos, explorar e conhecer novas pessoas e lugares é a única chance de sobreviver aos 40 dias e cumprir a missão designada. Com um mapa extenso, cheio de bifurcações, e vários finais possíveis tanto para quests menores quanto para a principal, o fator replay está garantido: sem entrar no território dos spoilers, provavelmente você vai querer criar um novo personagem mais de uma vez para explorar outros caminhos e ver tudo que Roadwarden tem a oferecer.
Uma quaresma particular
Jogos baseados em texto dependem quase que 100% da qualidade da sua escrita para serem ou não recomendados. Felizmente, Roadwarden se sai muito bem nesse quesito, dando um show de worldbuilding e usando de recursos narrativos como suspense e mistério para prender a atenção do jogador por toda a sua duração.
Um claro exemplo desses recursos na prática é a condução da questão do antigo patrulheiro da península, Asterion. Aparentemente, ele desapareceu durante uma missão para um vilarejo — o que indicaria uma possível morte na estrada, afinal, monstros são abundantes em rotas de chão. Mas e se houver um outro motivo para seu sumiço, como acordos financeiros extraoficiais?
São esses pequenos mistérios — como um altar mágico abandonado no meio de um pântano ou uma árvore derrubada com corpos ao redor — que conduzem a narrativa e ampliam o impacto do storytelling. Não é preciso muito tempo de jogo para se ver imerso neste mundo, e as belas ilustrações em pixel art que acompanham os textos, assim como a trilha sonora, completam a ambientação, criando uma experiência digna, a meu ver, de ser considerada arte interativa (jogar Roadwarden é como ler um bom livro, mas você dita a ordem e o conteúdo das páginas).
Até mesmo um deslize comum a RPGs complexos — a dificuldade — não é um problema aqui, visto que Roadwarden possui três opções principais nesse sentido. Para quem não gosta de limites de tempo nos jogos, é possível escolher o modo casual, que permite concluir a campanha livre das amarras dos 40 dias.
Já para quem já finalizou o jogo uma vez, há a opção de jogar novamente a campanha em uma dificuldade mais alta, com dano noturno mais elevado e limite de 30 dias. Por fim, se você quiser ainda mais liberdade, é possível personalizar parâmetros individuais, como a quantidade de dinheiro inicial e a complexidade geral das quests. Independentemente da intimidade com o estilo, então, todos os jogadores conseguirão ver um dos finais da campanha.
Tornando a missão mais difícil desnecessariamente
Agora, feitos todos os elogios, é necessário falar dos problemas que esta adaptação tem. Primeiramente, é fácil perceber que Roadwarden foi idealizado para computadores, e não para consoles: navegar entre as escolhas e menus do game usando botões é muito pouco prático em comparação com a velocidade de um mouse e, para piorar a situação, frequentemente há um atraso considerável entre o comando dado e a resposta na tela, o que pode tornar algumas situações desnecessariamente frustrantes.
É bem verdade que é possível contornar esse problema usando a tela de toque em vez dos botões físicos para jogar (inclusive, foi o que eu fiz), mas, além dessa não ser uma solução aplicável para quem prefere jogar no modo TV (o Switch é um dispositivo híbrido, afinal), há ainda a questão do input delay, que se torna mais perceptível quando jogamos dessa forma.
Junte a tudo isso os tempos de carregamento longos e o fato da tela inicial rodar em uma taxa aparentemente abaixo de 15 quadros por segundo, e fica claro que este port não recebeu a devida atenção. Roadwarden não é injogável no Switch — muito longe disso —, mas um pouco mais de polidez certamente elevaria seu patamar técnico e aproximaria esta versão da original no PC (inclusive, uma atualização para o Switch 2 que utilizasse o modo mouse dos novos Joy-Con certamente seria bem-vinda).
Por fim, também é preciso mencionar que o jogo infelizmente não possui suporte a PT-BR, estando disponível somente em inglês (o mesmo se nota na versão de PC). Dada a qualidade da narrativa, é uma pena que seja necessário praticamente dominar um segundo idioma para poder desfrutar dela; um lançamento nos consoles, a meu ver, seria a oportunidade perfeita para localizar a aventura para mais línguas. Porém, não foi desta vez.
Levante, patrulheiro, e assuma seu posto
Mesmo com os deslizes técnicos, Roadwarden conserva suas maiores qualidades na versão de Switch, provando-se um RPG essencial para quem gosta de narrativas envolventes e aventuras com liberdade de escolhas. No fim, a missão de ser patrulheiro das estradas não é fácil, porém certamente tem o potencial de ser memorável toda vez que a aceitamos.
Prós
- Com um universo e roteiro instigantes, dá uma aula de storytelling, capturando e prendendo a atenção do jogador do início ao fim da campanha;
- A narrativa com liberdade de escolha e múltiplos finais garante o fator replay;
- A inclusão de elementos de RPGs de mesa, como classes, é bem-vinda e agradará os fãs do gênero;
- A presença de múltiplas opções de dificuldade garantem que a conclusão poderá ser vista por todos os jogadores, independente da intimidade com o estilo;
- É um ótimo título para se jogar em uma plataforma portátil ou híbrida, como é o Switch (e a tela de toque ajuda na tarefa).
Contras
- Navegar pelos menus e escolhas usando botões se sai como pouco prático, ocasionalmente pondo em xeque a usabilidade da versão de Switch frente à de PC;
- O atraso entre o comando dado e a resposta na tela é perceptível e pode levar a frustrações desnecessárias quando há muitas opções disponíveis em uma cena;
- Os tempos de carregamento longos e a taxa de quadros da tela inicial são sinais claros de que a adaptação técnica poderia ter sido um pouco mais rigorosa;
- Sem localização em PT-BR.
Roadwarden — PC/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Assemble Entertainment








