Análise: The Edge of Allegoria é uma sátira que se perde em sua própria ironia

A obra da Button Factory Games é um claro exemplo de que toda piada precisa ser bem-contada.

em 24/09/2025
Desenvolvido pela Button Factory Games, The Edge of Allegoria é um RPG de turno inspirado nos “títulos clássicos da era de ouro dos portáteis”. Após uma estreia bem-sucedida no PC em 2024, o título chega ao Switch trazendo uma aventura que, apesar da estética amigável e familiar a quem passou horas com os jogos de Game Boy, passa longe de ser voltada para o público infantil como as obras que a inspiraram.

Ei, você falou em aventura?

Há muito tempo, quando o mundo mágico de Allegoria ainda estava em sua infância, muitas coisas ruins aconteceram, e todos que as viram ficaram bastante impressionados. Porém, tais eventos catastróficos não duraram muito e, eventualmente, as pessoas esqueceram e começaram a cuidar das suas próprias vidas, fazendo com que tudo ficasse chato e entediante… até você surgir.

Não que você tenha grandes poderes ou algo do tipo — na verdade, aqui você é só um ser humano qualquer. Mas, um belo dia, cansado da mesmice da rotina e de ser taxado como desocupado pelos seus vizinhos, você decide fazer algo diferente ao lado de seu fiel cachorro. E é aí que as coisas começarão a ficar um pouco mais interessantes… ou “nem tanto assim”, como o próprio jogo antecipa na sequência de abertura.

Sim, caso você não tenha percebido ainda, The Edge of Allegoria é uma grande sátira dos RPGs portáteis da era 8-bits, como Pokémon e Dragon Quest. Sem se levar a sério em momento algum, aqui está um jogo marcado por características como ironia e humor ácido, que permeiam desde a narrativa em si até vários aspectos da jogabilidade.

Porém, o que era para ser o seu grande diferencial acaba se provando uma faca de dois gumes, com piadas e sacadas que, em vez de divertir e entreter dentro da proposta para um público mais adulto, perdem o fôlego cedo demais. O resultado é uma obra um tanto quanto forçada que, ao chutar os limites para bem longe, frequentemente se perde na própria brincadeira.

Temos que pegar matar todos!

Uma prova disso é a hostilidade generalizada: em The Edge of Allegoria, os NPCs te xingam gratuitamente, as descrições de itens são frequentemente grosseiras e até simples interações com itens do cenário podem resultar em ofensas. Sendo sincero, nessas circunstâncias, eu até compreendo o protagonista querer fugir para a floresta mais próxima, matando tudo o que encontra pelo caminho — é preciso extravasar de alguma forma, afinal.

E essa escapada nos leva ao cerne da jogabilidade: The Edge of Allegoria é um RPG de turnos cuja construção é muito próxima dos Pokémon clássicos (Red & Blue e Gold & Silver). Aqui, você explorará os ambientes ao seu redor, coletará itens variados e enfrentará, sozinho, criaturas variadas de dificuldade (e perversão) progressiva. 

Da construção dos menus à movimentação do personagem (passando pela estética 8-bits esverdeada, que tenta simular a tela do primeiro Game Boy), tudo é extremamente parecido com as primeiras entradas da série de monstrinhos da Nintendo. Por um lado, isso é positivo, pois há bastante nostalgia envolvida e os veteranos (com certeza, o grande público-alvo deste lançamento) não terão problema algum para aprender a jogar.

Porém, ao seguir fielmente uma execução manjada e superada há quase três décadas, vêm os problemas, como os encontros aleatórios excessivos para os padrões atuais, a irritante necessidade de grinding e uma falta de identidade crônica, que contamina todo o pacote e desvaloriza a experiência.

No fim, quando um jogo parece mais uma rom hack amadora do que algo concebido do zero, é difícil não pensar que há algo errado — e, infelizmente, não é a inclusão de um minigame de enrolar baseados (sim, isso existe no game) ou tiradas sexuais constantes que retirarão essa impressão.

Não gostou? Vem na mão.

Mas, para ser bem justo, há bons momentos em The Edge of Allegoria. O caráter absurdo da aventura, por exemplo, combina com a proposta de ser o próprio caos encarnado, que enfrenta de esquilos e corvos a fadas e demônios com seus punhos enquanto reforça que a violência é sempre a resposta mais prática em um mundo corrompido.

Com mais de uma centena de inimigos únicos, 80 golpes e dezenas de equipamentos para encontrar, também há bastante flexibilidade na composição do protagonista; se você gosta de RPGs antigos e de customizar builds, a obra da Button Factory Games tem bastante potencial nesse sentido — e ver um humano usando quake (uma paródia do lendário TM26 dos jogos de Pokémon) sempre será divertido.

Também não há problema algum de performance no Switch; algo esperável, dada a simplicidade dos gráficos, mas sempre bom de constatar. Infelizmente, porém, o game não está localizado em português brasileiro, o que demanda um certo domínio de outro idioma para entender a narrativa e as piadas, por piores que sejam.

Inclusive, por seu bom desempenho técnico, a versão nintendista seria a ideal, na minha opinião, para jogar The Edge of Allegoria. RPGs de turno se adaptam bem a plataformas portáteis ou híbridas, como é o console da Big N, então, caso você tenha interesse na proposta e não ligue para piadas de qualidade discutível, vale a pena conferir o game no Switch.

Uma piada que poderia ser melhor contada

The Edge of Allegoria é uma interessante homenagem aos RPGs 8-bits que marcaram época e o coração de muitos fãs. Porém, a sua vertente satírica e abordagem adulta — em tese, os seus maiores diferenciais — se saem como questionáveis, especialmente quando notamos um humor de qualidade inconstante e uma postura blasé generalizada que mais atrapalha do que ajuda a experiência.

No fim, os jogadores saudosistas que apreciam doses estranhas de humor ácido podem encontrar algum divertimento neste mundo distorcido; para todos os outros, a realidade é que há universos melhores para visitar em nome da nostalgia por uma época que não volta mais.

Prós

  • A apresentação nostálgica, que simula a tela do primeiro Game Boy, assim como a jogabilidade importada dos primeiros Pokémon, agradará os fãs saudosistas de um tempo que não volta;
  • O caráter absurdo da aventura combina com a proposta de ser um agente do caos e pode render bons momentos;
  • Boa quantidade de itens e golpes agradará quem gosta de customizar o protagonista em RPGs;
  • Sem problemas de performance no Switch.

Contras

  • O emprego de humor ácido e ironia é excessivo e de qualidade questionável, fazendo com que o jogo frequentemente pareça mais uma obra para adolescentes revoltados do que para adultos propriamente ditos, como proposto inicialmente;
  • Ao seguir cegamente as convenções de RPGs lançados há quase três décadas, ressuscita sistemas antiquados como encontros aleatórios e necessidade de grinding para superar os desafios mais intensos;
  • Por vezes, parece mais uma rom hack do que um jogo novo;
  • Carece de localização em PT-BR.
The Edge of Allegoria — PC/Switch — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela CobraTekku Games
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Alan Murilo
é publicitário e copywriter que aprecia um bom jogo tanto quanto um bom café. Gamer desde que segurou um controle de Super Nintendo pela primeira vez, tem um apreço especial pelos títulos independentes e pelas diversas franquias da Big N.
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