Análise: Stray Children é uma jornada bizarra e memorável, mas sofre com escolhas frustrantes

Novo jogo do criador de Moon acerta em cheio em vários momentos, mas peca em elementos fundamentais de design.

em 23/11/2025
Stray Children é o mais novo jogo da desenvolvedora Onion Games, uma desenvolvedora japonesa independente com uma equipe de veteranos na indústria. O jogo é a mais nova criação de Yoshiro Kimura, que participou de jogos como Moon, Rule of Rose e Shadows of the Damned. O jogo foi lançado no Japão em dezembro de 2024, mas sua versão ocidental foi lançada no dia 30 de outubro de 2025.

Um RPG que desafia convenções

O jogo pertence ao subgênero de RPGs mais conhecido como “anti-RPG”, marcado por mecânicas que invertem as expectativas tradicionais do gênero. Moon, também criado por Kimura, é frequentemente citado como pioneiro desse estilo, enquanto Undertale o popularizou mundialmente.

Essa desconstrução começa logo nos primeiros segundos. Não há menu inicial, abertura ou qualquer preparação. O jogador é lançado diretamente no mundo do jogo, sem cerimônia, o que acaba intrigando e favorecendo a imersão.
Nas batalhas, o título não chega a reinventar a roda, mas incorpora elementos já vistos em outros anti-RPGs, como a possibilidade de dialogar com o inimigo em vez de enfrentá-lo. Detalharei mais essa mecânica ao longo da análise.

Dito isso, embora o jogo apresente mecânicas dignas de um anti-RPG, ele também carrega forte inspiração dos RPGs tradicionais, algo que acaba reduzindo o impacto de seus elementos desconstrutivos e impede que Stray Children alcance o mesmo patamar de suas inspirações.

Embarcando em um mundo diferente do nosso

Aqui, busco explicar o mínimo possível sobre o universo de Stray Children para evitar spoilers, ao mesmo tempo em que tento explicar o suficiente para que vocês entendam do que o jogo se trata. Em Stray Children, o protagonista é uma criança que acorda em uma casa completamente sozinha. Logo em seguida, ele conhece um personagem que afirma saber o paradeiro de seu pai. Essa investigação leva os dois até a base secreta do pai do protagonista, que teria se perdido dentro do jogo que estava criando. Ao ligar o protótipo, o protagonista é sugado para um mundo completamente novo.
Em termos de estrutura narrativa, o jogo remete ao realismo mágico e a jogos como Earthbound. Fazendo uma comparação com a literatura, posso dizer que me lembra os livros de Haruki Murakami, também. O que essas obras têm em comum é a mistura de elementos fantásticos com a realidade. A cada nova questão ou evento sobrenatural, o jogo parece testar os limites do real e nos lançar em um espaço estranho e imprevisível, mas ainda assim familiar.
Stray Children reforça essa sensação não apenas pela história, mas também por sua estética. Desde o protagonista com focinho de cachorro até o design dos inimigos — em sua maioria versões corrompidas de adultos — e o uso de cores e filtros para construir uma atmosfera onírica. Explorar o mundo do jogo é como ver um reflexo distorcido da nossa própria realidade. É um lugar estranho, mas, ao mesmo tempo, também podemos nos identificar e traçar paralelos entre os dois universos.
A história também apresenta diversas camadas. Para quem preferir encará-la apenas como um conto de fadas em um mundo digital, isso é possível. Porém, as formas como o jogo retrata tanto adultos quanto crianças demonstram um olhar crítico e por vezes irônico sobre a sociedade. Não irei elaborar mais para evitar spoilers, mas há momentos surpreendentemente profundos, sempre tratados com um toque de humor e até mesmo com certo cinismo.

Nada que uma boa conversa não resolva

Se o conceito do jogo é sólido e, em grande parte, bem executado, são nas suas mecânicas e decisões de design que Stray Children começa a mostrar seus problemas.

Tudo parece ter sido pensado para atrapalhar a vida do jogador. Como não há menu inicial, também não existe a opção de escolher um slot de save. Ficamos presos a um único arquivo, a menos que o apaguemos manualmente.

Ao enfrentar inimigos, há duas opções: atacar e conversar. Atacar funciona como o esperado, com a adição de um minigame em que é preciso apertar o botão no momento correto para causar dano crítico.

Já durante as conversas, o jogador recebe algumas opções de diálogo. Acertar as respostas corretas, na ordem certa, permite “salvar” o inimigo. Derrotá-lo com ataques não o remove permanentemente, a menos que seja um inimigo relevante para a história. Já vencê-lo pela via pacifista faz com que ele desapareça e não possa ser enfrentado novamente.
Embora muitos inimigos tenham uma lógica interna ou deixem pistas espalhadas pelo jogo, algumas soluções são completamente absurdas de deduzir sem um guia. Um exemplo é um inimigo na última área que só pode ser salvo pegando um item da primeira área. Somado ao save único, isso significa que, se o jogador avançar demais e não puder retornar, perde a chance de completar uma rota totalmente pacifista. Imagine descobrir após dez horas que seria necessário recomeçar tudo para salvar todos os inimigos. É esse tipo de frustração que o jogo provoca. Tentar fazer uma rota pacifista é equivalente a jogar no nível de dificuldade mais alto que o jogo tem a oferecer.

Outro detalhe importante são os ataques inimigos. O protagonista não se defende como em um RPG tradicional; é necessário movimentar o personagem para desviar dos inúmeros projéteis na tela. Em vários momentos, o jogo se aproxima de um bullet hell, com garfos, lanças e muitos outros itens voando na direção do personagem. Os ataques são, no geral, criativos e bem animados.
Por fim, o último calabouço me desanimou ao incluir algumas das mecânicas mais incômodas dos RPGs, como puzzles com teletransportes e outro com armadilhas no chão. Talvez a intenção tenha sido criticar clichês do gênero, mas isso não muda o fato de que o segmento final acaba sendo mais cansativo do que deveria.

Chegando à última estação

Stray Children é um jogo bonito e ambíguo, capaz de ser profundo e simples, prazeroso e frustrante ao mesmo tempo. Mesmo com falhas claras, não consegui parar de jogar antes de chegar ao final.

Para quem não quer decifrar sequências específicas de diálogo ou mapear calabouços de cabeça — algo comum em RPGs clássicos, diga-se — a experiência pode ser desgastante, embora ainda recompensadora. Já quem busca exatamente esse tipo de desafio encontrará aqui um prato cheio.

Prós

  • Gráficos bonitos. O estilo visual é único e o uso de cores e filtros cria uma atmosfera onírica que reforça o conceito do jogo e aprofunda a imersão;
  • Design de personagens criativo, especialmente dos inimigos, que representam bem a ideia de uma criança encarando versões distorcidas dos adultos;
  • História envolvente e criativa, que explora muito bem o absurdo e mantém o jogador curioso a cada novo acontecimento.

Contras

  • Escolhas de design questionáveis. A falta de seleção de slots de save e a lineariedade do jogo, que impossibilita retornar a áreas anteriores, podem impedir uma rota totalmente pacifista logo no início da história;
  • Mecânica de conversa frustrante, com opções de diálogo confusas e dependentes de uma ordem exata, o que, somado ao problema do save único, torna a rota pacifista bem mais cansativa do que deveria;
  • Puzzles frustrantes que, assim como a mecânica de conversa, às vezes reduzem o avanço a um exercício de tentativa e erro. Embora comum em RPGs antigos, é uma maneira artificial de aumentar a duração do jogo.
Stray Children — Switch/PC —  Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo próprio redator 
Siga o Blast nas Redes Sociais
Matheus Alexandre
Tradutor com mais de 10 anos de experiência e entusiasta de JRPGs. Acompanha de perto franquias como Shin Megami Tensei e Tales of, além de ter em Fire Emblem e Kirby suas séries favoritas entre os exclusivos da Nintendo.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 4.0).