Em 2005, o GameCube já se despedia do palco principal. O Wii batia à porta, e a Nintendo surpreendeu ao lançar algo que ninguém esperava: Geist, que passava longe dos terrenos “family friendly” pelo qual mais era conhecido pelo público.
Geist, um jogo sombrio, adulto e experimental. Produzido pela n-Space e publicado pela própria Nintendo, Geist ousava misturar tiro em primeira pessoa, suspense sobrenatural e uma mecânica de possessão inédita. Era uma tentativa clara de mostrar que o GameCube também tinha espaço para experiências mais maduras, mais experimentais, mais “fantasmagóricas”.
O game chegou tarde, mas Geist continua sendo uma daquelas pérolas estranhas que, mesmo com falhas, dizem muito sobre uma Nintendo curiosa e disposta a sair da zona de conforto.
Uma alma, muitos corpos
John Raimi, um cientista de uma unidade especial é chamado para investigar uma corporação sinistra, a Volks, que está, de alguma forma, transformando almas em armas fantasmagóricas. A missão dá errado, Raimi é traído e tem sua própria alma arrancada do corpo. A partir daí, o jogador controla apenas o seu espírito, invisível, intangível e determinado a entender o que aconteceu.
A narrativa se desenrola dentro das instalações da Volks, um labirinto de laboratórios e segredos onde Raimi precisa usar sua nova condição para sobreviver e progredir. Como fantasma, ele não luta com armas no início, luta com o ambiente. Objetos, animais, pessoas: tudo (ou nem tanto) pode ser manipulado ou possuído, desde que o jogador descubra como assustar o alvo certo, para então usar as armas do inimigo contra eles próprios.
É uma premissa simples, mas curiosa. A sensação de vulnerabilidade e o conceito de "usar o medo" como ferramenta de progressão dão ao jogo uma identidade única. Geist coloca a narrativa em movimento de forma diferente, você não deve apenas lutar contra o terror, mas também instrumentalizá-lo para atingir seus objetivos.
O estranho charme da possessão
Graficamente, Geist não reflete bem o final da era GameCube: é competente, mas não chega a impressionar, ainda mais após jogos como os Resident Evil e Metroid Prime, mas compensa com atmosfera. Luzes frias, sombras densas e ambientes metálicos reforçam a ideia de um mundo sem alma. A direção de arte é o que sustenta a imersão.
Mas o verdadeiro destaque está nas mecânicas. Possuir um cachorro para atravessar áreas bloqueadas, usar um soldado para abrir portas, ou assumir o controle de um objeto apenas para assustar alguém, tudo isso dá ritmo e criatividade à experiência. Cada ação tem um propósito e, em muitos casos, um toque de humor macabro.
O som ajuda a compor o clima: ecos distantes, murmúrios e uma trilha que equilibra o suspense com a ação. Mesmo com controles um pouco rígidos, consegue criar uma imersão, uma sensação de estar explorando algo que não deveria ser visto.
Entre o tiro e o terror
A tentativa de unir ação e mistério é o ponto mais ambicioso — e também o mais problemático — de Geist. Quando o jogo aposta na possessão e nos quebra-cabeças, ele se destaca. Mas quando força o jogador a enfrentar inimigos em tiroteios convencionais, a magia se perde um pouco. O ritmo cai, o controle parece travado, e o design de combate mostra suas limitações.
Ainda assim, há mérito na diversidade. Nenhum outro jogo do GameCube conseguiu unir tantos gêneros dentro de uma proposta coerente. Geist é parte shooter, parte puzzle, parte aventura sobrenatural. É o tipo de projeto que claramente queria ser mais do que um FPS, e, de certo modo, conseguiu.
Geist parece um grande poço de ótimas ideias, em especial a mecânica de possessão, mas que acaba muito limitado pela sua execução. A possessão em si é limitada pela linearidade e a forma, quase sempre única, de resolver certos objetivos com a habilidade, limitando a liberdade que o conceito parece exigir.
Mesmo com falhas técnicas, há algo cativante em ver a Nintendo publicar um jogo que fala sobre morte, alma e possessão. Era um território desconhecido, especialmente em um console marcado por mascotes e cores vibrantes.
Um espectro no catálogo da Nintendo
Lançado nos últimos meses de vida do GameCube, Geist acabou ofuscado por uma nova geração de consoles e pela transição de foco da própria Nintendo. Ainda assim, ele tem um papel histórico dentro do ecossistema da empresa.
É um dos raros jogos com selo Nintendo a ostentar uma classificação “M”, voltado explicitamente para adultos. Isso por si só já o torna uma anomalia curiosa. E mais do que isso: Geist tentava provar que o GameCube podia ir além do público tradicional da marca.
O jogo ainda oferecia um modo multiplayer local divertido, com arenas em que a possessão também fazia parte da estratégia. Caótico, imprevisível e criativo — uma extensão natural da campanha que reforçava o caráter experimental do projeto.
Um espírito inquieto
Revisitar Geist hoje é enxergar um lampejo de coragem em uma fase de transição da Nintendo. É um jogo imperfeito, mas memorável. Um projeto que arriscou, falhou em alguns pontos, mas deixou sua marca pela originalidade.
Mesmo com controles datados e gráficos modestos, Geist continua sendo uma experiência diferente, uma lembrança de quando a Nintendo ousou explorar o estranho, e, ao lado de outros jogos como Eternal Darkness, entregavam experiências maduras e sombrias únicas.
No fim, o verdadeiro espírito de Geist é o da experimentação. Não é um jogo imperdível do console, mas que vale a pena conhecer. Ele é o fantasma de uma época em que o GameCube abrigava ideias ousadas demais para caber em fórmulas seguras. E, por isso mesmo, continua assombrando — de forma inventiva — a memória de quem valoriza jogos que tentam algo novo. E quem sabe agora, com o GameCube, no Nintendo Switch Online, o jogo não retorne para que possa ser descoberto por novos jogadores.
Revisão: Johnnie Brian






