Nintendo há 35 anos: do nascimento do Famicom ao primeiro título da série Mario Bros.

Voltamos no tempo para explorar o ano que foi um divisor de águas na indústria dos games.

O ano de 1983 foi um divisor de águas para a história dos videogames. Nos Estados Unidos, a indústria do entretenimento eletrônico se auto-destruía com o lançamento de dezenas de cartuchos de baixíssima qualidade para o Atari 2600. Fato que acabou causando uma tremenda saturação no mercado e culminou no famoso "crash de 1983". Do outro lado do mundo a história era bem diferente. Com um cenário muito favorável nos arcades e nos computadores pessoais, os gamers japoneses estavam prestes a conhecer o console doméstico que iria revolucionar a indústria para sempre: o Family Computer, da Nintendo.


Mas o Famicom, como o Family Computer ficou conhecido, não foi o único destaque da Nintendo há 35 anos atrás, a gigante japonesa também lançou franquias que fazem sucesso até hoje e outros jogos marcantes para seu console 8-bits. Além disso, o ano em questão marcou em definitivo a passagem da empresa de uma fabricante de brinquedos com alguns jogos eletrônicos nos arcades, para uma grande produtora de jogos e consoles que ocasionalmente lança brinquedos e máquinas coin-op.


Também em 83, outras duas marcas importantes davam seus primeiros passos para fortalecer ainda mais o concorrido mercado dos jogos eletrônicos: a SEGA lançava seu primeiro console, o SG-1000, e o popular computador pessoal MSX chegava às lojas do Japão.

Viaje com a gente para o Japão dos anos 80 e confira os grandes destaques da Nintendo no importantíssimo ano de 1983. Sem esquecer, é claro, de espiar o que os parceiros (e a concorrência) da Big N andavam aprontando no mesmo período.

Famicom: a Nintendo estreia no mercado de consoles domésticos


Lançado no Japão no dia 15 de julho de 1983, o Famicom foi um marco importante para toda a indústria. Graças ao seu sucesso na terra do sol nascente e, posteriormente, com o lançamento de sua versão americana (NES), o console 8-bits da Nintendo foi o combustível necessário para o renascimento do mercado ocidental de videogames — com grande ajuda de um certo encanador italiano, é verdade.

Planejado inicialmente para ser um console 16-bits, com funcionalidades que seriam semelhantes às de um computador pessoal — inclusive com teclado e mouse —, o projeto logo foi alterado a pedido do todo-poderoso presidente da Nintendo, Hiroshi Yamauchi, que rejeitou a ideia em favor de um produto mais barato e prático para o consumidor final. Mas a estreia do console esteve longe de ser um sucesso absoluto.


O Family Computer teve um início promissor, vendendo 500 mil unidades em suas primeiras semanas no mercado. Alguns meses depois, porém, um problema bastante desagradável e dispendioso surgiu: todo o primeiro lote do produto apresentou um defeito nos circuitos, gerando uma instabilidade na placa mãe que fazia o sistema congelar no meio da jogatina. Yamauchi, temendo que isso pudesse ferir a imagem da empresa, prontamente exigiu um recall total.

Naturalmente, esse fato custou muitos milhões de ienes à Nintendo. Entretanto, a ação rápida e eficiente da empresa ao tirar todos os consoles das lojas, suspender a produção e consertar os que já haviam sido vendidos, garantiu à Big N muita credibilidade perante seu novo público. No final das contas o esforço valeu a pena: a placa mãe do modelo defeituoso foi trocada por outra mais confiável e o Famicom venceu tranquilamente a concorrência em seu ano de lançamento.
A criançada japonesa se apaixonou pelo Family Computer (fonte)
Ao perceber o tremendo potencial de vendas (e também de licenciamento) do Famicom, a Nintendo lançou apenas mais algumas máquinas de arcade antes de focar todos os seus esforços no promissor mercado doméstico. Em 1984, com o lançamento de diversos novos jogos que agradaram o público — e com a chegada dos primeiros jogos de third-parties —, o Famicom se tornou um sucesso estrondoso. Ao final daquele ano, mais de 2,5 milhões de aparelhos estavam espalhados pelos lares japoneses.

Enquanto isso, nos bastidores da empresa, Shigeru Miyamoto e o jovem designer Takashi Tezuka preparavam o título que transformaria a companhia em um titã da indústria: Super Mario Bros.
A decisão por um hardware mais simples e barato se provou acertada (fonte)

Os títulos de lançamento do Famicom no Japão

O Famicom desembarcou no Japão com um line-up bem limitado: apenas três jogos estavam disponíveis no dia de lançamento do sistema, os ports dos arcades Donkey Kong, Donkey Kong Jr. e Popeye. Este último, licenciado da franquia de sucesso do marinheiro comedor de espinafre. Não por acaso, os três títulos foram originalmente projetados por Shigeru Miyamoto para os fliperamas, antes de receberem versões domésticas.

Até o final do ano, mais cinco títulos estavam disponíveis para o consumidor japonês: em agosto chegaram Gomoku Narabe Renju e Mahjong — ambos baseados nos populares jogos de tabuleiro/mesa —, em setembro foi a vez de Mario Bros. (também do mestre Miyamoto e provindo dos arcades) e em dezembro chegavam Donkey Kong Jr. Math e Baseball (outra obra de Miyamoto-san).
Popeye e Mahjong foram alguns dos primeiros jogos de Famicom
Mesmo com poucos jogos — a maioria ports dos fliperamas — e contando apenas com as próprias forças, a Nintendo conseguiu manter uma regularidade nos lançamentos enquanto preparava o terreno para o ano seguinte, quando conseguiu levar ao mercado a impressionante marca de onze títulos exclusivos para o Family Computer. Tudo isso sem contarmos a chegada das third-parties Namco e Hudson Soft, também em 1984.

Com a exceção de Gomoku Narabe Renju e Mahjong, todos os demais títulos foram lançados nos anos seguintes para o NES, fora do território nipônico. Donkey Kong, Mario Bros. e Baseball são figuras constantes nos Virtual Console dos sistemas da Nintendo, além de fazerem parte dos jogos de NES disponíveis no plano online do Switch.
Baseball e Donkey Kong se destacaram na primeira leva de títulos para o console

Mario Bros.: o protagonismo dos irmãos Mario

Quando foi lançado nos arcades, no dia 14 de julho de 1983, Mario Bros. era apenas um jogo de plataforma rudimentar com aquele personagem bigodudo que recém começava a ganhar destaque para além da franquia Donkey Kong. Ninguém podia imaginar, à época, que um jogo com mecânicas tão simples acabaria se tornando um marco para a empresa. Afinal, Mario Bros. marcou a primeira vez que os irmãos encanadores foram título de um jogo da Nintendo.

O rótulo de mascote só veio dois anos depois, com Super Mario Bros., mas este pequeno game em tela única foi fundamental para cravar as fundações que seriam base para o amado side-scroller dos irmãos Mario: a estreia de Luigi, o estilo dos sprites e animações, os pulos de qualquer altura sem danos aos protagonistas, etc. Estas são só algumas das características que se mantiveram nos jogos seguintes.
A arte do cartucho de Mario Bros. destacava os irmãos do título
Cria da parceria entre Shigeru Miyamoto e Gunpei Yokoi, Mario Bros. não foi um sucesso esmagador, mas rendeu frutos à Nintendo. No Famicom, o jogo vendeu cerca de 1,6 milhão de cópias desde seu lançamento, em setembro de 83. Nos arcades o sucesso foi bem menor, porém a Nintendo — ainda pouco apegada às suas franquias — conseguiu lucrar ao licenciar o jogo para diversas outras plataformas.

Computadores como Commodore 64, ZX Spectrum, Amstrad CPC, Apple II e a família 8-bits da Atari receberam versões do game, além dos consoles Atari 2600, Atari 5200 e Atari 7800. Claro que a qualidade dos ports variava muito conforme o sistema e a desenvolvedora responsável, o que rendeu algumas versões bem bizarras.
Qualidade duvidosa: Atari 2600 (esquerda) e ZX Spectrum (direita)
O título também foi relançado em diversas outras plataformas da própria Nintendo. Pode-se achar versões de Mario Bros. como bônus nos jogos da série Super Mario Advance (GBA), em Mario & Luigi: Superstar Saga (GBA) e como um mini-game em Super Mario Bros. 3 (NES).

E não para por aí! O título também marcou presença no Virtual Console de Wii, Wii U e 3DS. Até mesmo um mini-game portátil da série Game & Watch recebeu um modelo exclusivo baseado nos irmãos encanadores — mas bem diferente do game original. Por fim, Mario Bros. pode ser encontrado hoje em sua versão de arcade na eShop do Switch e, como mencionado anteriormente, em sua versão NES no sistema online do console híbrido da Nintendo.
Versão arcade chegou ao Switch em 2017

A batalha dos gorilas gigantes

O monstruoso sucesso de Donkey Kong nos arcades não gerou apenas bons olhares para a Big N. Em 1982 o presidente da Universal Studios, Sid Sheinberg, ouviu falar sobre Donkey Kong, um jogo que supostamente violava os direitos autorais de King Kong, uma propriedade intelectual de seu estúdio. Sheinberg não teve dúvidas: processou a Nintendo of America no mesmo ano por essa violação. A batalha judicial dos gorilas do entretenimento demoraria dois anos para terminar.

A história teve início, mais precisamente, quando os representantes da Universal descobriram uma negociação entre Nintendo e Coleco para lançar uma versão de Donkey Kong no console ColecoVision. A companhia americana tinha interesse em investir na Coleco, mas achou ainda mais interessante litigar a propriedade dos jogos e exigir compensação financeira por quebra dos direitos autorais.
Donkey Kong de ColecoVision
Não demorou para a Coleco fazer um acordo com a Universal Studios, garantindo à companhia uma porcentagem dos lucros da versão ColecoVision de Donkey Kong. Mas do outro lado estava a resiliência de Minoru Arakawa, presidente da Nintendo of America, e do firme advogado Howard Lincoln, que resistiram à investida do estúdio americano.

A confiança de Lincoln provinha da certeza de que nem mesmo a Universal era detentora dos direitos autorais de King Kong. Para ele, a marca já era de domínio público, e todos os holofotes trazidos por um processo com uma gigante do cinema acabaria impulsionando a Nintendo a outro patamar no mundo do entretenimento.
Filme King Kong (1933) da Universal Studios
A maior parte do processo teve andamento no ano de 1983, período em que Howard Lincoln e sua equipe desvendaram a estranha relação da Universal Studios com os direitos sobre King Kong. Nas audiências, os advogados da Nintendo alegaram que a Universal não apenas não possuía mais os diretos sobre a marca, como sabia muito bem disso: no passado o próprio estúdio havia vencido um processo para garantir que King Kong era de domínio público. Ou seja, um grande tiro no próprio pé.

Howard Lincoln e Minoru Arakawa
O caso foi encerrado e a Universal foi obrigada a pagar uma multa no valor de 1,8 milhão de dólares por danos causados à Nintendo durante o litígio. Com o sucesso da empreitada, Minoru Arakawa percebeu o valor incalculável de Howard Lincoln, convidando-o para ser seu braço direito, como vice-presidente da Nintendo of America. Mais tarde, em 1994, Lincoln foi nomeado presidente do conselho da Nintendo nos Estados Unidos, onde ficou até 1999.

Enquanto isso: concorrentes de peso também faziam suas estreias

O mesmo verão japonês que viu a chegada do primeiro console da Nintendo, também testemunhou a estreia de outros dois nomes de peso para a história dos games domésticos: SEGA e MSX.
Famicom e SG-1000 foram lançados no mesmo dia (fonte)
Exatamente no mesmo dia do lançamento do Famicom, a SEGA lançava o seu SG-1000. Mas, como sabemos bem, a concorrência era simplesmente pesada demais e o sucesso para a empresa japonesa só chegou bem depois, com o lançamento do Master System em 1985 e, principalmente, do Mega Drive em 1988. De qualquer forma, o SG-1000 garantiu à SEGA a confiança necessária para continuar tentando conquistar seu espaço no mercado dos consoles.

Por outro lado, o computador pessoal MSX foi um sucesso estrondoso no Japão e em várias partes do mundo, inclusive no difícil mercado brasileiro. O sistema gerou uma vasta biblioteca de jogos. Entre os mais famosos, estão a estreia de Bomberman (1983, Hudson) e o primeiro jogo da carreira de Hideo Kojima, Penguin Adventure (1986, Konami). Alguns anos depois, Kojima desenvolveria o primeiro episódio de sua mais famosa série, Metal Gear, no sucessor do MSX, o MSX 2.

Bomberman fez sua estreia no MSX em 83
Entre os outros destaques do mundo dos games em 1983, ignorando o já mencionado "crash", está o lançamento de Jetpac para ZX Spectrum, primeiro jogo da Ultimate Play the Game — que posteriormente trocaria seu nome para Rare.

Uma espiada em 1984: Nintendo no topo

1983 foi o primeiro passo da Nintendo para se tornar uma gigante, mas o ano seguinte foi fundamental para pavimentar este caminho. Em 84, vimos lançamentos de peso para o Famicom provindos das equipes internas da Big N, como Donkey Kong 3, Clu Clu Land, Devil World, Duck Hunt, Excitebike, Golf, Hogan's Alley, Pinball, Tennis, Urban Champion e Wild Gunman.
Não faltaram jogos para Famicom em 1984
Mais do que isso, foi neste ano que a Nintendo conseguiu trazer para o seu novo console a força de parceiros externos, elemento que transformaria de forma definitiva o Famicom/NES no aparelho fenômeno da geração, com ports dos maiores sucessos da indústria. As primeiras empresas a arriscarem seus produtos no Family Computer foram Hudson Soft e Namco: a primeira com Lode Runner — que fez enorme sucesso no console da Nintendo — e a última com Mappy, Xevious e Pac-Man, port do mega-hit dos arcades.
Em 1984, Hudson Soft e Namco começam a publicar jogos no Famicom
Ao final de 1984, o Famicom tornava-se o console mais vendido do Japão, dando ainda mais confiança à Nintendo para o lançamento no Ocidente. O Nintendo Entertainment System (NES), como o Famicom ficou conhecido no resto do mundo, contou com a ajuda de um tal de Super Mario Bros. para conquistar o mercado e os corações de milhões de fãs nos anos seguintes.

Para completar, foi também em 1984 que Punch-Out!! fez sua estreia nos arcades, apresentando a mistura estranha de luta, quebra-cabeça e ritmo que deu muito certo e definiu o sucesso da franquia nos consoles da Nintendo.

Na próxima matéria, vamos viajar para 1988/1989, há trinta anos atrás. Período em que alguns dos maiores clássicos do NES foram lançados no Japão e no mundo. Fique ligado!

Comunicador e colecionador. Já foi Sega kid e Nintendo kid, agora é retro "kid". Está no Twitter em @carloscirne e faz vídeos no YouTube no canal CirneStuff.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google