Entrevista

Brasil no Switch: entrevistamos Marivaldo Cabral da QUByte Interactive

O desenvolvedor brasileiro falou sobre os projetos do estúdio, da relação da QUByte com a Nintendo, sobre os desafios de produzir games no Brasil e mais.

A QUByte Interactive é mais um case de sucesso na indústria de games brasileira. Situada na cidade de São Paulo, a empresa tem em seu portfólio uma vasta gama de jogos para as mais diferentes plataformas — incluindo iOS, Android, PC, PS4, Xbox One e PS Vita. E mais: desde novembro do ano passado, com o lançamento do beat'em up 99Vidas: Definitive Edition, a QUByte entrou para um seleto grupo de estúdios brasileiros que têm jogos disponíveis para o Nintendo Switch.


No entanto, a história da QUByte com a Nintendo não começou agora! Em um bate-papo com o Nintendo Blast, Marivaldo Cabral, sócio e produtor no estúdio, contou pra gente como começou essa relação e, mais ainda, mostrou uma perspectiva relevante sobre os enormes desafios dos desenvolvedores de games no Brasil.

Além disso, Cabral contou detalhes interessantíssimos sobre Vasara Collection, o novo projeto do estúdio — incluindo o complicado processo de negociação para conseguir os direitos sobre a franquia de shoot'em ups dos japoneses da Visco Corporation. Confira:

Nintendo Blast: Qual sua função hoje na empresa? Ainda tem participação ativa no desenvolvimento dos jogos ou dedica-se mais à produção?

Marivaldo Cabral: Meu papel hoje na QUByte é de produtor, porém, sempre acabo fazendo outras funções, desde administrativas até mais técnicas como programação, que é a minha área de formação. Com o Vasara a minha participação começou antes mesmo da produção, basicamente lá na aquisição da IP, quando comecei a negociação com a VISCO Corp. Foram mais de 2 anos negociando com eles até chegar no modelo atual. Na parte de produção eu estou ajudando também na programação e no level design. Mesmo o jogo estando pronto, pois temos a versão original, estamos preparando uma surpresa para os jogadores e queremos entregar uma versão "nova" também.

NB: Como surgiu a ideia de buscar os direitos da série Vasara e como foi o contato com a Visco Corporation?

Cabral: Eu como jogador curto o genero shoot'em up. Na época que estava buscando jogos para fazer acordos, não conhecia o Vasara. Coloquei como meta buscar shmups japoneses e comecei a analisar o que as comunidades estavam buscando. Obviamente vi muitas pessoas falando do Ikaruga, o grande ícone do genero, assim como também vi pessoas comentando do Vasara. Inclusive fizemos pesquisas com jogadores e nelas sempre apareceram o Vasara. Então resolvi jogar e gostei muito da proposta do gameplay, que tentava sair do estilo de apenas sair atirando. Ele tem um elemento de estratégia muito interessante que é o ataque Melee (curta distância), super importante para o jogo, e o jogador precisa saber usar na hora certa, pois, como em todo bullet hell, o Vasara tem momentos em que você nem consegue ver sua nave de tanto tiro na tela. Por isso, dominar o ataque Melee é muito importante.


Uma vez que parecia promissor o jogo, eu fiz o pitch interno na QUByte com os sócios. Todos gostaram e Iniciamos as negociações. Como a Visco é uma empresa que não existe mais, no início tivemos muitas dificuldades para saber se estávamos falando com a pessoa certa e se esta pessoa realmente tinha os direitos sobre o IP. Chegamos ao ponto de contratar uma empresa lá no Japão para nos ajudar nesta "investigação". Felizmente deu tudo certo e depois de mais de 2 anos de negociações conseguimos acertar um valor para adquirir os direitos e produzir o jogo.


NB: Shoot’em Ups são jogos de um nicho muito apaixonado de jogadores, especialmente nos arcades. Qual a expectativa nessa reapresentação da série Vasara para um novo público, incluindo o da Nintendo?

Cabral:  Até por ser um nicho temos que ter muito carinho com a franquia. Mesmo sendo um jogo que foi lançado apenas no Japão, muitas pessoas jogaram no emulador e estão esperando muito do jogo. Acreditamos que o público hardcore de shmups vai gostar muito, especialmente a galera que curte bullet hell, mas sabemos que o grande público pode ter alguma dificuldade com o jogo por conta justamente disto, da dificuldade. Saber que tem que dominar o ataque melee para ter sucesso no jogo.

Pensando nisso, resolvemos fazer uma versão, que será lançado junto com as duas versões clássicas, que irá oferece um gameplay mais moderno e próximo dos shmups da geração atual. Essa sempre foi nossa ideia, trazer os jogos originais e trazer algo novo para a franquia. E, também, trazer algo novo para geração atual. Então em resumo queremos que o jogo agrade tanto o público mais nostálgico do Vasara e também dar a oportunidade para quem não jogou as versões originais, entrarem no jogo e, a medida que forem melhorando, podem jogar as versões clássicas do Vasara.

NB: Quando você fala em uma versão que será lançada junto com os jogos originais, quer dizer conteúdos inéditos ou modificações dos originais?

Cabral: Sim, existe conteúdo novo, mas basicamente estamos pegando o conteúdo original e recriando em 3D com texturas em HD. O essencial do gameplay está lá, porém com pequenos ajustes de balanceamento e, uma coisa que posso adiantar, é que vamos usar a tela toda neste conteúdo adicional. Então não haverá nesta versão em 3D aqueles cortes na lateral, vamos deixar a tela toda jogável.

NB: Estão usando uma nova engine gráfica?

Cabral: Confesso que o desafio do Vasara foi algo que nunca passamos antes. A Visco não tinha quase nada da versão original do jogo. Apenas do Vasara 2 eles tinham o código completo em Assembly (ASM) e nada, absolutamente nada, do Vasara 1. Nosso programador líder, o Fábio Attard, teve que investir muito tempo e conhecimento fazendo engenharia reversa e extraindo o máximo possível usado emuladores e ferramentas que ele teve que criar para obter o produto original. Foi um grande desafio, mas felizmente ele conseguiu. Para a camada gráfica usamos a engine Unity 3D, pois já temos um domínio sobre ela, e integramos com uma parte mais nativa que foi feita para rodar as versões originais do Vasara. Acho que só esta parte de reescrita do jogo daria uma nova entrevista com o nosso programador!

NB: Já estão em um estado bem avançado no desenvolvimento, certo? Já têm programada uma janela para o lançamento da coleção?

Cabral: Sim, nossa produção mesmo começou em fevereiro de 2018, porém o core da produção iniciou no meio do ano passado, mas estamos bem avançados no desenvolvimento. Ainda estamos trabalhando com a janela de T3 (entre janeiro e março), porém, como temos uma publicadora que vai nos ajudar com o jogo, temos que planejar isso da melhor forma possível.

NB: Modo de tela na vertical (retrato) e compatibilidade com o Flip Grip confirmados?

Cabral: Sim, confirmados. Testamos no Switch e ficou muito legal jogar assim, então está mais que confirmado isso!
Vasara 2 rodando em modo retrato com o acessório Flip Grip (Foto: QUByte)
NB: E depois do Vasara Collection, a QUbyte já tem algum projeto engatilhado?

Cabral: Temos projetos (sim, no plural) que serão lançados ainda este ano para Switch e outras plataformas. Nós na QUByte gostamos muito de fazer parcerias com outros desenvolvedores, nacionais e internacionais, e com isso fechamos dois contratos e novos projetos serão anunciados muito em breve. Projeto autoral existe um que está em fase de pré-produção, estamos captando investimentos para ele, mas é um projeto maior e só será lançado ano que vem. O que podemos adiantar é que estamos olhando com muito carinho o estilo Metroidvania. Enfim, por ser um processo mais demorado (a produção de IP's autorais) é que apostamos muito em parcerias com outros desenvolvedores que possam ter jogos com potencial e que, claro, queiram fazer parcerias.

NB: Esse não é o primeiro jogo que vocês lançam para o Switch, 99Vidas já está disponível no console da Nintendo. Como foi a interação com a Big N para fazer esses lançamentos? Como é essa relação?

Cabral: A QUByte já tem uma relação muito boa com a Nintendo há algum tempo. Nós já temos acesso às tecnologias deles desde a geração do Wii e DS, pois prestamos muitos serviços portando jogos para outras empresas de fora do Brasil. No ponto de vista de jogos autorais, nós iniciamos e cancelamos dois projetos, um para Wii e outro para 3DS, então estávamos meio frustrados por não ter lançado nada autoral nas plataformas da Nintendo. O 99Vidas foi a nossa primeira experiencia lançado algo nosso e foi tudo bem tranquilo, eu diria que o processo entre o desenvolvimento e lançamento foi até mais tranquilo que nas outras plataformas.
99Vidas: Definitive Edition já está disponível no Switch!
Felizmente, a Nintendo melhorou muito na parte de jogos digitais. Na época do Wii a parte de loja online era um tanto quanto caótica. Vender jogos pela WiiWare era um desafio e foi por isso que cancelamos o nosso jogo para Wii. Com o Wii U melhorou, mas devido aos problemas que a plataforma teve, decidimos não investir nela. Já com o Switch a coisa mudou totalmente de figura, o sistema de distribuição, tracking de vendas, envio de material para marketing, ficou tudo bem simples, fácil e amigável. A Nintendo aprendeu muito com as outras gerações e nós, desenvolvedores, agradecemos e estamos colhendo os frutos nesta geração.

NB: Houve dificuldades em portar 99Vidas e o novo jogo para o Switch ou o sistema, por integrar Unity, é acessível para desenvolvedores independentes?

Cabral: Mesmo para jogos desenvolvidos em Unity existem algumas particularidades que precisam ser resolvidas para cada plataforma. No caso do Switch, os controles, pois existem diversas maneiras de jogar. Mas apesar desta particularidade, o porting caminhou bem e rápido.

NB: Que bacana saber que o estúdio está a todo vapor e cheio de projetos! Quantas pessoas fazem parte hoje da equipe QUByte?

Cabral: Esse é o segredo da QUByte, nossa equipe é super enxuta. Hoje, trabalhando diretamente no Vasara temos nove. Destes, quatro são freelancers. Outros três trabalham em porting e outros serviços da empresa. No passado tivemos uma equipe entre 15 a 20 pessoas e estávamos trabalhando em muitos projetos de outsourcing para empresas do Brasil e, principalmente, de fora daqui. Mas estava ficando uma loucura administrar e foi então que decidimos dar um passo para trás: organizar as coisas, focar melhor em quais mercados faziam ou fazem sentido para empresa. Enxugamos nossa equipe para melhorar nossos resultados e focarmos onde acreditamos.
HTR+, outro projeto da QUByte, chegou ao PS Vita e Steam
NB: Para fechar o nosso papo, como você vê os desafios de ser um desenvolvedor de games no Brasil hoje? Como é essa experiência estando distante dos centros mais badalados da indústria?

Cabral: Bom, aí entram alguns pontos importantes, que é a questão de administrar uma empresa no Brasil. E estou falando de qualquer setor. É um grande desafio empreender aqui, sei que estou chovendo no molhado, mas precisávamos de uma forma geral (mudar) desde a forma de tributar as empresas até a forma de contratação. Sei que isso é algo que não vem no curto prazo, e talvez nem venha, então o que temos que fazer é sermos criativos. Até por isso, muitas empresas acabam abrindo uma representação nos Estados Unidos ou em outros países para facilitar o recebimento de recursos externos. Nós fizemos isso também, hoje temos a QUByte Game Studio LLC para justamente ajudar na contratação e tentar de alguma forma reduzir cargas tributárias.

Bom, isso é no ponto de vista dos desafios de empreender, na parte técnica eu diria que hoje em dia não temos tantos problemas. Ok, sempre falta um profissional mais qualificado para nos ajudar, mas hoje é muito mais fácil você contratar pessoas para ajudar e trabalhar remotamente nos projetos. Além disso, o acesso a ferramentas, que antes eram exclusivas apenas de grandes empresas do setor, está bem mais tranquilo. Além disto, temos acesso a eventos, workshop, etc., que nos matem atualizados sobre o que o pessoal lá fora está fazendo.

Por último, nas não menos importante, é ser um pouco cara de pau. Ou seja, às vezes basta um bom e-mail para algumas pessoas de fora para te dar algumas dicas de como resolver problemas. Ou mesmo além, algumas delas até compartilham dados dos jogos, como vendas e etc., o que ajuda e muito na hora de fazermos nossas projeções.

NB: Por fim, quer deixar alguma mensagem para os desenvolvedores brasileiros e para os leitores do Nintendo Blast?

Cabral: Acreditem nos seus jogos, sejam ousados, inventem 'gameplays' diferentes, ou façam algo que curtem ou curtiram jogar no passado. Mas procurem sempre fazer um jogo pensando como um produto. Sim, eu sei, tem que ser algo que você goste, mas pense como uma empresa e aceite mudar algo para ter um retorno maior sobre o seu produto. Afinal de contas, é o mercado/público que vai decidir, com os respectivos bolsos, se vão investir no seu jogo ou não. Por isso estejam abertos a estas sugestões.

Para os leitores e  pessoal do Blast, agradeço muito a oportunidade de falar com vocês e espero realmente que curtam o nosso Vasara Collection e, claro, os nossos próximos jogos também!


Ainda não conhece o trabalho da QUByte? O beat'em up 99Vidas: Definitive Edition já está disponível para Nintendo Switch, PC, Xbox One, PS4 e PS Vita. E como você viu na entrevista, Vasara Collection chega muito em breve também em todas essas plataformas, fique ligado!

Comunicador e colecionador. Já foi Sega kid e Nintendo kid, agora é retro "kid". Está no Twitter em @carloscirne e faz vídeos no YouTube no canal CirneStuff.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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