Blast from the Past

Harvest Moon: Friends of Mineral Town: administre recursos nesse aconchegante título do GBA

O nono game da franquia criada por Yasuhiro Wada é considerado até hoje como um dos melhores não só da série, mas dos jogos do gênero de simulação da vida rural.


O primeiro Harvest Moon — série que hoje atende oficialmente pelo nome Story of Seasons — foi lançado para o SNES em 1996 no Japão, chegando ao mercado americano no ano seguinte. Nele, a premissa básica foi instituída e se mantém até hoje: o personagem principal acaba adquirindo, por qualquer que seja o motivo, uma fazenda em péssimas condições e recebe a tarefa de reconstruí-la, trazendo a prosperidade ao vilarejo onde ela se encontra.

Em pouco menos de uma década depois, a Nintendo chega com o Game Boy Advance, um novo aparelho que chegou inclusive a ser chamado cruamente de “SNES Portátil” em sua época por conta de sua capacidade técnica. Dessa forma, a Marvelous, principal responsável pelo desenvolvimento dos Bokujo Monogatari — como a franquia se chama no Japão —, decidiu produzir Harvest Moon: Friends of Mineral Town (GBA) para tal plataforma, o nono título de sua propriedade intelectual após incursões no Nintendo 64, PlayStation, PlayStation 2 e Game Boy.

Apesar de ser amplamente considerado pertencente a um gênero simulação rural, há um outro ponto de vista bastante incomum que o considera um jogo de estratégia, visto que o núcleo do gameplay envolve a administração de recursos no intuito de fazer com que a fazenda prospere. Também não é incomum vê-lo visto sendo considerado um RPG, o que chega a ser compreensível se juntarmos todos os fatores apresentados. Algo que também contribui com essa visão é o marcante world building, essencial para jogos do gênero.


Um vilarejo cheio de vida

Considerando que a história dos primeiros Harvest Moon era praticamente a mesma, o principal atrativo para cada um dos títulos era justamente o cenário onde cada um dos jogos se passava. Mineral Town, por sua vez, tem o grande mérito de combinar uma excelente construção de mundo com personagens realmente carismáticos. Juntos, esses dois fatores tornam a experiência de jogo verdadeiramente marcante.



Lembra-se da questão da administração de recursos citada anteriormente? Pois bem, em Harvest Moon, o tempo é certamente um deles, visto que o tempo do jogo roda de forma contínua e é preciso gerenciá-lo no intuito de realizar todas as tarefas diárias antes que o dia acabe. O level design de Mineral Town tem um grande mérito por levar isso em conta e, ao contrário do que acontece com alguns dos títulos da série, todas as construções comerciais essenciais ficam situadas bem próximas ao sítio do personagem, evitando que uma simples viagem para comprar ração de galinha leve o dia todo por uma necessidade estúpida de ter que cruzar todo um mapa.

Outro ponto muito interessante que torna o Vilarejo Mineral único é a forma como todos os ambientes foram esquematizados. Nada parece fora de lugar e a progressão do mundo aberto se dá de uma maneira muito orgânica, ao contrário do Forget-me-Not Valley de Harvest Moon: a Wonderful Life (GC), por exemplo, em que os diversos pontos de interesse aparentam ter sido simplesmente encaixados no mapa sem qualquer organização ou planejamento.



Considerando que a tradução literal do título é “Amigos do Vilarejo Mineral”, os cidadãos também têm uma importância fundamental na imersão da vida rural. As pretendentes, tradicionais da franquia, são memoráveis. É um dos poucos jogos da franquia cuja escolha é realmente difícil. Popuri, Karen, Elli, Mary e Ann são dotadas de um carisma incrível, cada uma do seu próprio jeitinho. Como se não bastasse, os outros personagens presentes também demarcam presença com qualidade.

Por fim, um dos grandes destaques foi na forma como eles lidaram com alguns dos festivais. Apesar de não se aplicar a todos, alguns deles foram atrelados a minigames específicos que irão depender do progresso do jogador ao longo da própria campanha. Por exemplo, se a afeição do cavalo estiver bem alta, será muito mais fácil se tornar o vencedor das corridas durante o festival correspondente. Considerando que tais efemérides acontecem uma vez a cada ano de jogo, cada uma delas acaba se tornando um grande evento que dão fôlego ao jogador em meio às atividades cíclicas do cotidiano.


Das conquistas aos defeitos técnicos

Visualmente, o game é realmente muito bonito, com destaque para os sprites bem definidos e utilização das cores, que contribuem para uma estética muito agradável ao olhar — afinal, não é um RPG de mapa grande. O jogador irá frequentar as mesmas localizações ao longo de dezenas de horas de forma repetitiva e extensiva. A única diversidade é a variação sazonal das paletas e de alguns elementos gráficos do cenário por conta das mudanças das estações.



Falando nelas, aliás, estão atrelada também ao aspecto auditivo, com melodias cativantes e pertinentes a cada uma das atmosferas referentes a tais passagens do ano. Elas acabam se tornando um exemplo notável de trilha sonora do Game Boy Advance, cuja fonte de som é conhecida por não ser lá grande coisa.

Ainda assim, naquele momento, era possível afirmar que aquele se tratava tranquilamente do Harvest Moon mais bem-produzido até a presente data. Apesar de contar com versões em consoles infinitamente mais potentes (como o PlayStation e o Nintendo 64), foi só aqui que um título da série chegou a alcançar a excelência técnica nesse aspecto. Essa ideia só se consolida se retomarmos a comparação entre o SNES e o GBA e colocarmos lado a lado as respectivas versões de cada título para cada uma dessas plataformas.

Por outro lado, enquanto a Marvelous fez um excelente trabalho a nível técnico, ressalta-se como a Natsume deixou a desejar no serviço de localização, visto que não é incomum encontrar erros de gramática e trechos completamente em japonês, não traduzidos, nos textos do game.


Conectividade e Versões Alternativas

Uma prática que foi se perdendo nas gerações atuais é a forma como a Nintendo promovia a integração entre o aparelho portátil vigente e seu console contemporâneo. Dessa forma, Friends of Mineral Town conseguia se conectar diretamente com A Wonderful Life, do GameCube. Essa integração entre os jogos liberava novos personagens que passariam a visitar o Vilarejo Mineral e permitia a construção de uma casa na praia.

Outro ponto curioso é que, embora os títulos atuais permitam a escolha entre um personagem feminino e masculino, é notável que os games antigos da série Harvest Moon não contassem com essa opção — algo que, vale ressaltar, se estendia por toda a indústria de games. Como uma forma de sanar essa problemática, Harvest Moon: More Friends of Mineral Town (GBA) nos coloca no controle de uma fazendeira que poderia se casar com os pretendentes das moças solteiras do jogo base.


Uma relação de simbiose

Harvest Moon: Friends of Mineral Town é tranquilamente um dos títulos mais enxutos e quintessenciais da série em questão. Esse game do GBA tem muitos méritos por conseguir criar uma aconchegante atmosfera campestre que, através de um competentíssimo level design aliado a uma excelente direção artística, consegue transmitir a principal ideia da franquia, que é a compreensão da relação simbiótica entre o homem e a natureza.

Assim, esse aparentemente simplório título do Game Boy acaba entrando no rol dos grandes clássicos para o console por sua proposta singular que conseguiu cativar os jogadores, que até hoje guardam boas lembranças das horas e mais horas investidas no título.

Revisão: Diego Franco Gonçales

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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