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Análise: The Sinking City (Switch) faz justiça ao universo criado por H.P. Lovecraft

The Sinking City chega no Switch trazendo fielmente para o mundo dos games o macabro e único universo do grande escritor H.P. Lovecraft.


Originalmente lançado para Xbox One, PC e PS4, The Sinking City é um jogo de terror e investigação em terceira pessoa ambientado no universo desenvolvido ao longo dos anos pelo famoso autor H.P. Lovecraft. Agora, alguns meses após o lançamento original, a aventura chega para aterrorizar os usuários do Switch.

Desastre (sobre)natural

A história se passa na cidade de Oakmont, nos EUA, recém inundada por um misterioso cataclisma que traz efeitos perturbadores além da aparente destruição local, e tem como foco principal o investigador particular Charles Reed. No começo do jogo, ele se dirige à cidade após passar algum tempo experimentando estranhas visões, buscando respostas em meio à crescente loucura dos habitantes. A partir daí, caberá ao jogador agir e pensar como o próprio detetive para conseguir juntar as peças deste complicado e sinistro quebra-cabeça.

O universo criado por Lovecraft já gerou vários jogos, filmes e referências ao longo dos anos na cultura popular, O falecido autor fez sua carreira no começo do século passado, sendo o pioneiro de um gênero peculiar de histórias de terror: o horror cósmico.

Suas obras desse gênero não tratam de fantasmas, demônios e afins. O verdadeiro terror vinha do universo e da nossa aparente insignificância perante o mesmo. Seus contos geralmente trazem como tema pessoas tendo contato com criaturas completamente fora da nossa compreensão, e a inabilidade dessas pessoas em lidar mentalmente com as implicações do que viram. Muitas vezes o protagonista enlouquece completamente ou até pior.

Outro tema comum abordado nos contos é a possibilidade de desvios ou distorções na evolução humana, gerando pessoas grotescas e de aparência perturbadora. Esses temas são explorados com maestria em The Sinking City, que logo de início já está recheado de boas referências aos contos. A atenção aos detalhes dá a sensação de que o jogo foi desenvolvido por grandes fãs do autor, o que da um toque importantíssimo de autenticidade na ambientação;

O horror cósmico

Para quem não conhece a obra de Lovecraft, aspectos importantes são os grandes deuses antigos, como o famoso Cthulhu, e também os habitantes de Innsmouth, uma cidade onde todos têm uma perturbadora aparência anfíbia e cultuam os deuses do mar. Um bom ponto para começar caso queira conhecer este universo é o conto Dagon, uma curta história que exemplifica bem do que se trata o horror cósmico.



Após desembarcar no porto de Oakmont, o jogador se encontra em um mapa aberto onde deve conversar com os habitantes e figuras locais para pegar missões, tanto da história principal como de quests secundárias. Uma surpresa agradável é que as missões secundárias são muito bem elaboradas. Cada uma possui uma história relevante por trás, com riqueza de detalhes e mistérios interessantes para Charles Reed solucionar.

A linha de missões principais também não deixa a desejar. Sem dar spoilers, é possível dizer que o mistério de Oakmont é muito mais profundo do que aparenta. As interações entre os personagens trazem a possibilidade de escolher as falas do protagonista, e tanto suas palavras quanto suas ações podem ter diferentes repercussões, geralmente com resultados interessantes. Os diálogos contam com atuação de voz a todo momento, e esta é feita com grande qualidade e profissionalismo, com certeza agregando à imersão na história.

Organização mental

Um aspecto interessante da gameplay é o Mind Palace de Charles Reed. Ao perambular por uma cena relevante a alguma investigação em andamento, o jogador coleta e examina várias evidências. Essas evidências geram observações que ficam armazenadas no Mind Palace, como “o garoto foi assassinado com uma faca de limpar peixes”, ou “o suspeito fugiu para a taverna da cidade”. Juntando essas duas observações, por exemplo, é possível gerar uma conclusão de que o assassino é um pescador local que está se escondendo no bar.

Diferentes combinações de pistas podem gerar diferentes conclusões. Seguindo o exemplo acima, vamos supor que a primeira pista seja combinada na verdade com uma terceira pista em vez da segunda, que diz que um habitante local tem uma rixa com um dos pescadores. Isso pode levar Charles a concluir que o assassino real é a pessoa com a rixa, buscando se safar ao incriminar o pescador. Esse sistema é muito interessante e leva o jogador a pensar bastante nas possibilidades do caso, evitando tirar conclusões precipitadas e realmente fazendo valer o aspecto de detetive do jogo.



Além desse recurso, Charles Reed também possui sentidos sobrenaturais. É possível ver uma distorção na realidade de uma cena de investigação após coletar evidências  suficientes. Através dessa distorção, Charles consegue enxergar uma série de eventos acontecidos no local, e após analisar cada um deles o jogador deve desvendar a ordem em que os acontecimentos se passaram. 

Oakmont é um ambiente muito mais hostil do que uma cidade portuária comum. Além dos vários assassinos e maníacos a solta, existem aberrações por toda parte. Ao adentrar uma casa abandonada, o jogador pode dar de cara com algum tipo de monstruosidade indescritível. Além da possibilidade de sofrer ataques físicos diretos, existe também o risco de trauma psicológico. Ao observar um inimigo grotesco ou alguma cena mais sobrenatural, a barra de sanidade de Charles lentamente cai, gerando alucinações visuais e auditivas, além de outras bizarrices. 

Faça cada bala contar

O combate lembra jogos como Resident Evil, com uma movimentação um pouco travada e escassez de munição. O arsenal do jogador conta com algumas armas diferentes, além da confiável pá que serve como arma branca para Charles. A sensibilidade padrão do jogo é um pouco baixa demais, mas isso é facilmente resolvido com ajustes nas opções.

Como o funcionamento da cidade de Oakmont está anormal por conta dos acontecimentos recentes, a economia local se baseia em balas de arma. Como estas são a moeda de troca do jogo, os combates se tornam ainda mais tensos, pois cada bala é valiosíssima. 



Felizmente, é possível coletar recursos por todo o mapa explorando gavetas e baús alheios, como componentes para criar mais balas ou então kits de primeiros socorros. Esses componentes muitas vezes são recompensas de missões também, aliviando um pouco da escassez.

Com isso em mente, é importante que o jogador escolha bem as horas de lutar e as horas de fugir. Essa dualidade dá um tom interessante à jogabilidade, pois ela não te limita a apenas fugir como em jogos tipo Outlast, mas também não te força a massacrar um exército de inimigos de uma vez.

Vizinhança barra-pesada

O jogo é no estilo mundo aberto, permitindo  que o jogador transite livremente pela cidade de Oakmont, que é um lugar interessante de se explorar. As ruas são populadas por estranhos habitantes, ruínas e carros abandonados, reflexos do recente cataclisma local. Existem vários prédios abandonados a serem explorados, além dos pontos-chave da cidade, como a delegacia e o escritório do jornal local.

Algumas ruas e avenidas se encontram inundadas, fazendo com que seja necessário transitar por elas usando pequenos barcos individuais. Isso faz com que a movimentação pelo mapa se torne mais variada e quebra a monotonia. Um elemento interessante é que cabe ao jogador marcar no mapa os pontos de interesse das missões, visto que o protagonista é um detetive, dando uma profundidade a mais no aspecto investigativo do jogo.



Ao perambular por Oakmont e conversar com seus habitantes, é possível se deparar com várias missões secundárias. Além de complementarem bem a história principal, elas também servem para conseguir experiência para o personagem, que pode desenvolver algumas árvores de habilidade como em um RPG. Porém, além dos itens e experiência, essas missões também trazem um bônus inesperado: a possibilidade de liberar trajes alternativos para o personagem. Isso é um detalhe inesperado mas muito bem- vindo, e é divertido poder andar pelas sinistras ruas da cidade em grande estilo.

Performance medonha

Nos aspectos mais técnicos, The Sinking City no Switch deixa a desejar. Ao adentrar um edifício nunca antes visitado, o jogador é surpreendido por uma súbita tela de loading, que não acontece nas próximas vezes que o ambiente é visitado. Os gráficos na cidade sofrem de uma certa falta de polimento, onde algumas partes sofrem de uma escassez de detalhes, ou então texturas e vegetação se materializando junto com o jogador conforme ele corre pelas ruas. 

Em contrapartida, as animações faciais dos personagens são bem-feitas, dando maior imersão e conexão emocional ao jogador. O áudio do jogo também é muito bem construído, com trilhas sonoras que completam a atmosfera de tensão e vozes bem utilizadas.


O jogo não sofre de grande alteração entre o modo portátil e no dock, trazendo uma taxa de quadros um pouco baixa em ambos os modos. Porém, é um jogo que casa bem com a portabilidade do Switch. Jogar ele deitado com um bom fone de ouvido dá aquela sensação de estar lendo uma boa história de terror em um dia chuvoso.

Estranho e profundo

Ao todo, The Sinking City é uma experiência com qualidades variadas, que traz tanto pontos positivos quanto negativos. Apesar dos problemas técnicos, é uma ótima aventura investigativa, com um tipo de terror inovador (apesar de partir de influências da primeira metade do século passado) que levanta questões existenciais que vão muito além das histórias de fantasmas ou serial killers comumente encontradas no gênero. No que o jogo peca tecnicamente, ele compensa de sobra na imersão e fidelidade às obras que o deram origem.

Vale a pena conhecer

Trazendo uma história completa com diferentes possibilidades de desenvolvimento e repleta de reviravoltas, The Sinking City impressiona ao juntar vários contos em uma experiência que faz justiça ao homem que muitos consideram um grande mestre do terror. Para quem se interessou pelo jogo mas não conhece muito sobre este universo, recomendo ler alguns contos do autor, pois é uma visão única sobre o gênero que  merecidamente fez com que fãs no mundo inteiro buscassem explorá-la e expandi-la mesmo quase cem anos depois.

Para quem é fã do grande H.P. Lovecraft, The Sinking City é uma parada indispensável, fazendo com que o jogador realmente se sinta dentro do curioso e fantástico universo criado pelo autor. E para aqueles que não conhecem a obra mas se interessam pelo gênero, vale a pena conferir. Por trás da taxa de quadros prejudicada e de outras pequenas particularidades negativas, temos um jogo com uma ambientação fantástica, feito por pessoas que com certeza são fãs e se dedicaram para trazer ao mundo uma visão interativa da obra de lovecraftiana.

Prós

  • Extremamente fiel às obras em que se inspira;
  • Ambientação bem realizada e completamente imersiva;
  • Aspecto investigativo interessante e com vários possíveis desdobramentos.

Contras

  • Taxa de quadros engasga em certos momentos;
  • Texturas aparecem abruptamente durante a exploração na cidade.
The Sinking City - Switch/PS4/XBO/PC - Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Frogwares



Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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