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Análise: Rune Factory 4 Special (Switch) é um aconchegante híbrido de RPG e simulação rural

Embora seja uma remasterização competente, alguns dos problemas presentes no original do 3DS continuaram nessa nova versão.

Rune Factory 4 Special chegou ao Nintendo Switch como uma forma de reaquecer a franquia e pavimentar o caminho para o já confirmado quinto título. Lançada originalmente em julho de 2019 no Japão, essa edição especial é uma revisitação de uma série que surgiu como um spin-off de Story of Seasons. Somando elementos de exploração, simulação e combate, a IP, com o tempo, conseguiu se desenvolver como uma propriedade intelectual individualizada e dotada de luz própria.

Apelando para os clichês narrativos

A história de Rune Factory 4 não poderia ter mais elementos comuns de um JRPG. Ela começa com o personagem principal (garoto ou garota, dependendo da escolha do jogador) viajando em um dirigível. A aeronave logo é atacada e isso faz com que o protagonista acabe caindo da embarcação voadora diretamente no reino de Selphia, mas sem qualquer memória de sua vida anterior.

Ele logo é recepcionado por um dragão chamado Ventuswill, que o confunde com o príncipe daquelas terras e, assim, confere toda Selphia ao protagonista. A questão é que o verdadeiro príncipe logo chega e, por não estar muito a fim de governar, decide manter o herói com o título enquanto ele segue com seus afazeres particulares.



Com isso, logo nos encontramos realizando várias tarefas de administração e gerenciamento. Como governantes, precisamos sanar os problemas que os reinos apresentam — e isso envolve solucionar o mistério em volta de uma força misteriosa que está afetando as redondezas do local e é responsável por transformar certos monstros que foram derrotados em humanos, algo incomum até para aquele mundo de fantasia.

Tornando-se um cidadão-governante de Selphia, somos estimulados a estabelecer laços com os habitantes, sejam eles de amizade, sejam eles românticos. Há, ao todo, doze possíveis pretendentes com os quais é possível contrair matrimônio (seis moças para o personagem masculino, seis garotos para a personagem feminina). Esses relacionamentos podem ser construídos simplesmente interagindo com seus súditos ou dando-lhes presentes. Também é possível fortalecê-los ao tornar-se um integrante ativo do cotidiano daquele povoado, como participando de festivais e abraçando uma nova vida em Selphia.

Por conta dessa necessidade de convívio com os moradores do local, o enredo de Rune Factory 4 se baseia e se desenvolve através dos diálogos de uma maneira muito intensiva. Ressalta-se, contudo, que a história não foi concebida no intuito de ser o maior apelo do jogo — que reside, na verdade, em sua jogabilidade. Portanto, mostra-se uma particularidade bastante incômoda atrelar uma quantidade tão exagerada de conversa a um enredo banal como esse.


Entre a enxada e a espada

A realidade é que muitos desses diálogos e situações de roteiro servem para apresentar, aos poucos, as mecânicas de Rune Factory 4. Na prática, há dois momentos distintos de jogabilidade. O primeiro deles diz respeito ao estilo de vida naquele lugarejo, cujo miolo se dá nas atividades agrárias, uma herança originária do passado da IP como um spin-off de Story of Seasons. Assim, precisamos plantar, regar e cultivar nossas plantações no intuito de vendê-las, uma vez que tal prática é a principal forma de conseguir recursos financeiros no game.

Outro aspecto se refere à possibilidade de realizar quests propostas pelos habitantes. Cumprir tais missões paralelas melhoram nossa relação com o requerente e rendem pontos que servem para promover festivais ou construir  novos prédios, expandindo as potencialidades de Selphia. As comparações com Animal Crossing, portanto, são inevitáveis. Mesmo Story of Seasons já apresentou um sistema de revitalização urbana em Harvest Moon: A New Beginning (3DS).



O lado oposto da moeda dessa vida pacata está nos momentos de exploração e aventura, ao qual a história está mais atrelada. Em determinadas situações, precisamos sair do vilarejo e desbravar dungeons recheadas de inimigos. O sistema de combate é bem simples e se resume a apertar um botão para atacar com a arma que estiver equipada. Nesses segmentos, é possível pedir ajuda para os cidadãos, que nos acompanharão e auxiliarão em nossas excursões.

Também é extremamente importante dominar a mecânica de aprimoramento de itens. Utilizando uma mesa de forja, é possível aumentar o nível e atributos das armas e vestimentas. Entender esse sistema é crucial para continuar acompanhando a curva de dificuldade que, de tempos em tempos, decide dar um salto desproporcional, o que nos segura um pouco em nosso progresso. Isso acaba estimulando o grind para aumentar os níveis de personagem e melhorar nosso equipamento, como é esperado de um JRPG que segue uma linha mais tradicional.

Dessa forma, sendo encarado como um representante de tal gênero, Rune Factory 4 é longo. O problema é que durante toda a sua duração — umas 40 ou 50 horas — não há nenhuma mudança substancial em sua estrutura. São atividades repetitivas e reféns de sistema de jogo consideravelmente precário. Dividindo-se entre a parte de exploração e a parte urbana, chega a ser perceptível que nenhuma delas se sustentaria caso estivessem sozinhas. Quando o game parece começar a se aprofundar em uma jogabilidade mais complexa, ele para e fica por aí. Isso é bom para um público iniciante no gênero, mas é capaz de não ser suficiente para saciar os anseios de alguém calejado.

De fato, especial, mas não mais do que um jogo proveniente do 3DS pode oferecer

A primeira coisa a ser ressaltada na comparação direta com seu antecessor no 3DS é que essa edição especial, embora tenha se esforçado para trazer uma melhoria gráfica, ela continua a desejar. Seus gráficos não chegam a ser objetivamente feios, só que os modelos mereciam passar por um arredondamento de arestas, uma vez que se trata de um revés já notado no 3DS e que dava para ter sido sanado no Switch.

Tal deficiência não chega a ser ruim a ponto de incomodar a experiência do jogador, principalmente depois de imerso. A direção de arte colabora positivamente nesse ponto: ainda que se apegue a uma estética genérica de anime de fantasia, ela não deixa de ser agradável.

A versão tirou proveito da tão esquecida tela de toque do Switch, uma vez que é possível utilizá-la para navegar pelos menus e avançar os diálogos. O problema é que a jogabilidade poderia ter sido um pouco melhor refinada no sentido de trazer alguns atalhos — encontrar um item específico dentre tantos na mochila é bem incômodo. Além disso, os textos descritivos são minúsculos e dificultam a legibilidade no modo portátil. Há uma forma de aumentar o tamanho da fonte, a questão é que o correto seria otimizar tal aspecto para que isso não fosse necessário.


Outra característica cuja falta foi sentida é a capacidade de realizar soft reset. Explica-se: todas as vezes em que um personagem é derrotado, uma quantidade considerável de dinheiro vai direto para o médico de Selphia como um custo para o tratamento de primeiros socorros. Considerando que há um ponto de save antes de cada chefe, no intuito de evitar maiores perdas não só financeiras, mas de tempo também (que tem na passagem de tempo e nos ciclos de dia e noite uma importante peculiaridade), a dedução mais lógica é que o título seja simplesmente reiniciado. Sem uma opção de retorno rápido para a tela inicial, o jogador se vê na necessidade rebootar a aplicação do menu do próprio Switch.

Um pormenor interessante e que chamou atenção no mapeamento dos controles é que é possível movimentar o personagem utilizando o direcional digital. Apesar de parecer algo simplório, jogos como Rune Factory, que utilizam um sistema de movimento em grade, se beneficiam demais desse modelo de movimentação, que se mostra preciso tanto no cultivo de hortaliças quanto nos combates contra diversos inimigos.



Por fim, essa edição especial do Switch trouxe algumas novidades que aumentam um pouco seu aproveitamento, especialmente para os veteranos. A adição de um modo de dificuldade elevada contribui bastante na sensação de desafio oferecido. O Newlywed Mode é um conteúdo adicional referente ao sistema de casamento que ajuda a expandir a simplista narrativa, mesmo que ele dificilmente sirva para aqueles que não se arriscaram na aventura por conta da sua metade urbana e social.

Diante de tudo isso, essa transição do portátil para o console deixa claro o abismo que existe entre o 3DS e o Switch. Rune Factory 4 é claramente um game de 3DS portado e, portanto, fica estranho vê-lo no Switch, um aparelho capaz de rodar toda a grandiosidade de The Legend of Zelda: Breath of the Wild (Switch), por exemplo. Trata-se de um produto bem-feito, só que dificilmente iria além do que o seu console original era capaz, no fim das contas.


Uma aconchegante aventura

Ainda que não consiga concorrer em complexidade com outros títulos de maior renome, como Animal Crossing: New Horizons (Switch) ou até Stardew Valley (Multi), também presentes na mesma plataforma, Rune Factory 4 Special é um relançamento muito bem-vindo, cujo esmero da equipe de produção dessa remasterização é claramente perceptível, a despeito de seus problemas técnicos pontuais que mais aparentam ser de ordem de precariedade técnica do que de atenção ou preguiça.

A verdade é que esse jogo pode não ser tão memorável para os veteranos dos RPGs japoneses por não trazer a mesma magnitude de demais representantes do gênero, mas ainda há a chance de ele acabar agradando justamente por isso. Afinal, falamos aqui de uma experiência extremamente aconchegante, uma espécie de fuga de tantas provações épicas que muitas vezes acabam por sobrecarregar os jogadores que, de tempos em tempos, precisam de um reduto aconchegante, embora dentro de um estilo ainda familiar.

Prós:

  • Viciante e imersivo por sua jogabilidade;
  • Identidade visual bem agradável;
  • Acessível para os não-iniciados em JRPGs.

Contras

  • Carece de profundidade em alguns sistemas;
  • Levemente repetitivo durante a campanha;
  • História clichê.
Rune Factory 4 Special — Switch — Nota: 7.5
Revisão: Jorge Neto
Rune Factory 4 Special está disponível na Loja Nintendo
Análise produzida com cópia digital cedida pela XSeed

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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