Blast from Japan

Seiken Densetsu 3 (SNES), um dos pontos altos da série de RPGs Mana

O terceiro jogo da franquia é um dos títulos mais notáveis do console, mas só apareceu oficialmente no Ocidente muitos anos após o lançamento original.


O Super Nintendo é lembrado até hoje como um console que tinha incríveis RPGs, muitos deles exclusivos do Japão. Um destes títulos notáveis é Seiken Densetsu 3 (聖剣伝説3), terceiro episódio da série que ficou conhecida como Mana no Ocidente. O jogo expandiu e melhorou vários conceitos de Secret of Mana, mas ficou restrito ao Japão por causa de várias questões, para a decepção dos fãs ocidentais. Surpreendentemente ele foi lançado oficialmente no resto do mundo 24 anos depois, mas mesmo assim ainda é interessante conhecer suas origens.

Espadas, deusas e árvores em uma série mágica

A série Seiken Densetsu (“A Lenda da Espada Sagrada”, em tradução livre) nasceu como um spin-off de Final Fantasy e foi concebida por Koichi Ishii, que trabalhou nos três primeiros títulos Final Fantasy. Conhecida como Mana no Ocidente, a franquia explora um universo de fantasia com alguns temas recorrentes, como a presença de uma imensa árvore mágica, a espada sagrada e vilões que são capazes de destruir o mundo para conseguir poder. Os jogos da série costumam apresentar histórias distintas, mas sempre apresentando elementos característicos, como o menu em anel, criaturas e a direção de arte.

O primeiro jogo, Final Fantasy Adventure (Seiken Densetsu: Final Fantasy Gaiden no Japão), lançado para Game Boy em 1991, era um RPG de ação simples bastante similar a Zelda. Foi somente a partir de Secret of Mana no SNES (Seiken Densetsu 2) em 1993 que a franquia passou a ser independente. O título definiu conceitos-chaves da série e até hoje é considerado um dos marcos do console. O nome “Mana” foi escolhido para representar a série no Ocidente a partir de então.


Por causa da recepção positiva de Secret of Mana, um novo jogo da franquia foi produzido. Seiken Densetsu 3 chegou ao SNES em solo nipônico no segundo semestre de 1995, expandindo e consolidando conceitos explorados no título anterior. Mesmo com as altas expectativas dos fãs do mundo todo, o jogo não foi lançado oficialmente no Ocidente na ocasião. Em 2019 ele recebeu uma localização oficial na forma de Trials of Mana em uma coleção para Switch, e um remake 3D em 2020.

Seis heróis em uma jornada para salvar o mundo

Em um passado distante, o mundo estava tomado pela escuridão por causa da ação de terríveis bestas conhecidas como Benevodons. A Mana Goddess, insatisfeita com a situação, usou uma espada sagrada para derrotar essas criaturas, selando-as em Mana Stones. Exausta depois do combate, a deusa se transformou em uma árvore e adormeceu, protegendo o equilíbrio do mundo com seu poder.

Muitos anos depois, a força da Mana Tree começa a desvanecer, pois os humanos estão abusando da magia para promover guerras. E, para piorar, alguns indivíduos desejam acordar os Benevodons para usar seus poderes e dominar o mundo. Por causa disso, as fadas do Santuário de Mana, responsáveis por cuidar da Árvore, decidem sair em busca de ajuda. Somente uma delas consegue sobreviver a jornada e, mesmo assim, encontra-se em um estado de quase morte. Por sorte, a fada consegue se hospedar dentro de um herói e juntos eles vão tentar impedir que a catástrofe caia sobre o mundo.


Seis diferentes personagens podem ser os heróis em Seiken Densetsu 3. Duran é um espadachim que deseja se vingar de Crimson Wizard, que invadiu e atacou o castelo de Valsena. Angela, a princesa do reino mágico de Altena, é forçada a fugir de sua terra natal quando sua própria mãe decide sacrificá-la para ativar uma das Mana Stones. Charlotte é uma meio-elfo que sai em uma jornada para tentar salvar um amigo raptado. Kevin, um rapaz capaz de se transformar em besta, promete vingança a seu reino depois que seu pai mata seu melhor amigo. Já a amazona Riesz foge de sua terra natal e busca aconselhamento depois que invasores matam o rei. Por fim, Hawkeye é um ladrão acusado injustamente de um crime que viaja pelo mundo a fim de encontrar uma maneira de salvar uma amiga.

No começo da aventura, precisamos montar um grupo de três personagens, e o antagonista e detalhes da trama mudam de acordo com o primeiro herói escolhido, que é considerado o protagonista. Duran e Angela se opõem ao Dragon Lord, Charlotte e Kevin enfrentam o Masked Mage, já Riesz e Hawkeye confrontam Dark Majesty. Interações e diálogos adicionais aparecem ao ter o outro personagem da dupla na equipe.


Um elaborado mundo para explorar

Assim como Secret of Mana e vários outros jogos da franquia, Seiken Densetsu 3 é um RPG de ação. No título, controlamos o grupo de heróis, que viajam pelo mundo a fim de impedir a libertação das bestas seladas pela Deusa. Como é de praxe da era 16-bits, a progressão é bem tradicional, com momentos de exploração, conversa com NPCs nas cidades e combate. Os mapas são elaborados e contam com caminhos alternativos e conteúdo opcional. Em um primeiro momento os heróis precisam atravessar a pé as localidades ou viajar de barco, mas opções de viagem rápida aparecem no decorrer da aventura.

O mundo de Seiken Densetsu 3 conta com passagem de tempo, o que traz um pouco de variedade à aventura. Inimigos diferentes aparecem de acordo com o horário, certos eventos e locais só podem ser acessados durante períodos específicos, lojas oferecem serviços gratuitos no dia da deusa, e o personagem Kevin se transforma em uma poderosa besta durante a noite. Há também dias da semana dedicados aos diferentes espíritos elementais, o que influencia o poder dos feitiços — uma magia de fogo, por exemplo, fica mais forte no dia de Salamander, o elemental do fogo.


Entre a ação e a estratégia no combate

Quando os heróis encontram inimigos, entra em ação o sistema de batalha. O combate no jogo é em tempo real com um botão dedicado para ataques básicos. Após acertar alguns golpes, é possível ativar uma técnica especial um pouco mais poderosa. Além dos movimentos básicos, os heróis aprendem técnicas especiais e feitiços, que podem ser selecionados no tradicional menu em anel. Itens de recuperação, suporte e ataque também estão disponíveis no mesmo menu para acesso rápido. Controlamos diretamente um dos heróis e os demais são regidos pela IA. O jogo conta com multiplayer para até dois jogadores simultâneos.

Várias características impedem que o combate de Seiken 3 seja simplesmente apertar botões. Após atacar, o personagem fica um curto período de tempo sem poder golpear de novo, como se estivesse recuperando o fôlego. Certos feitiços e ataques especiais têm períodos de carregamento em que o herói fica parado e completamente vulnerável fazendo o encantamento. Por fim, o posicionamento é importante para escapar de investidas dos inimigos. O resultado são batalhas intensas, mas cadenciadas, em que as ações precisam ser pensadas com cuidado — essas mudanças foram motivo de controvérsia e muitos jogadores não gostaram das várias pausas durante o combate.


Uma grande novidade em relação ao antecessor é a presença de seis protagonistas, cada um deles representando um estereótipo diferente de herói. Duran é o espadachim com ataque e defesa balanceados; Angela é capaz de desferir poderosos feitiços ofensivos; Hawkeye ataca com rapidez, mas não é muito resistente; Kevin se transforma em uma besta poderosa durante a noite; Charlotte se especializa em magias de cura e Riesz tem bom alcance com sua lança. A composição do grupo afeta as possibilidades estratégicas e a dificuldade do combate.

Além da diversidade de tipos de personagens, Seiken 3 conta com um sistema de alteração de classes. Após alcançar certas condições, um herói pode ser promovido para uma nova classe, alterando significativamente seus atributos físicos e habilidades. Há dois alinhamentos: “luz” foca em técnicas de suporte e cura, enquanto “sombras” provê movimentos e feitiços ofensivos. Uma segunda promoção de classe pode ser executada em pontos avançados da história e oferece mais duas possibilidades de mudança, permitindo misturar características de luz e sombras. No total cada personagem tem à disposição sete classes, o que incentiva jogar várias vezes para testar as possibilidades.

Todas essas mecânicas e detalhes precisam ser levadas em conta na aventura, pois o Seiken 3 tem algumas lutas bem complicadas, especialmente contra algum dos vários chefes. Nestes momentos, é essencial usar da estratégia e abusar das fraquezas do inimigo, além de levar muitos itens de cura e suporte. Dependendo da configuração do grupo, a jornada pode ficar mais difícil, principalmente se você não tiver um personagem especializado em curar o grupo, mas as diferentes classes permitem mitigar esse detalhe. Mesmo assim, há espaço para experimentação em Seiken 3.


Beleza e música memoráveis em um universo de fantasia

Um dos aspectos mais marcantes de Seiken Densetsu 3 é a sua parte técnica. Lançado quase no final da vida do SNES, o jogo apresenta gráficos em pixel art impressionantes: os cenários e personagens são elaborados e repletos de detalhes e camadas.

O mundo conta com temas constantemente explorados em obras de fantasia, como florestas, cavernas com gelo, cidades medievais e desertos, mas a arte esbanja estilo com o uso de cores vibrantes e muitos elementos. A mudança da iluminação e paleta de cores dos cenários de acordo com a hora do dia consegue transmitir a sensação de passagem do tempo e mostra o esmero da equipe de desenvolvimento nos pequenos detalhes. No combate, o visual das magias chama a atenção: os feitiços costumam tomar toda a tela com belas animações. Os chefes também são notáveis, pois são imensos e criativos.


A trilha sonora ficou a cargo de Hiroki Kikuta, responsável pela música de Secret of Mana, Romancing SaGa, Soul Calibur V e mais. O compositor usou percussão, piano, sintetizadores, cordas e mais para criar uma trilha variada capaz de evocar aventura (Swivel), energia (Nuclear Fusion), serenidade (Powell), tristeza (Innocent Sea), seriedade (Intolerance), urgência (Obsession) e vários outros sentimentos, sem nunca deixar de ter um tom de fantasia. Para produzir a música, Kikuta construiu seus próprios samples MIDI para tirar o maior proveito possível do hardware do SNES, o que resultou em um áudio mais natural e rico. Até hoje a trilha sonora de Seiken 3 é considerada um dos pontos altos de sua carreira.


O longo caminho até o Ocidente 

Mesmo com tantos pontos notáveis, Seiken Densetsu 3 não foi lançado no Ocidente. Revistas especializadas da época davam como certa a localização, inclusive nomeando-o “Secret of Mana 2”, porém isso não se concretizou.

Não se sabe exatamente ao certo o que impediu a adaptação, mas várias questões tornavam a tarefa custosa. Segundo desenvolvedores e outros membros da então Squaresoft, o jogo tinha inúmeros bugs cuja correção seria muito trabalhosa, ainda mais levando em conta a rigidez do processo de certificação de qualidade da Nintendo naquela ocasião. Além disso, na mesma época, o PlayStation e o Saturn já tinham sido lançados, e o foco passou a ser estes novos consoles — por que gastar muito dinheiro para localizar um jogo teoricamente defasado?


Outra linha de raciocínio tem a ver com Secret of Evermore, RPG de ação para SNES muito similar a Secret of Mana lançado aproximadamente na mesma época de Seiken 3. Muitos especularam que a Squaresoft preferiu lançar esse jogo nas Américas no lugar do título da série Mana por causa de sua temática ocidental. Isso foi desmentido por Brian Fehdrau, programador de Evermore, em uma entrevista. Ele afirmou que os projetos eram independentes e que o motivo da não localização de Seiken 3 era a presença de problemas técnicos. Mesmo assim, uma tradução feita por fãs foi lançada em 2000 e foi a única maneira de aproveitar o jogo em inglês (e outras línguas) por anos.

Mas a situação mudou em 2019: sem aviso prévio, a Square Enix lançou no Ocidente Collection of Mana, uma coletânea para Switch com os três primeiros jogos da franquia. A grande novidade é a inclusão da localização oficial de Seiken Densetsu 3, que foi nomeado Trials of Mana. Em uma entrevista, Masaru Oyamada, produtor da coletânea, disse que a localização foi motivada pela alta popularidade da série no Ocidente. A adaptação levou por volta de um ano e contou com a ajuda da Nintendo para resolver questões técnicas do título original.


Junto com o lançamento da versão ocidental de Collection of Mana, foi anunciado também um remake de Seiken 3 para os sistemas modernos. O novo Trials of Mana conta com visuais 3D, dublagem, cenas expandidas, novos sistemas e várias outras novidades — são tantas alterações que é praticamente uma reimaginação do original.

Um dos RPGs mais notáveis do console

Seiken Densetsu 3 se destacou no SNES com seus visuais elaborados, música memorável e boas mecânicas de jogo. Montar um grupo de diferentes heróis distintos, com mudanças na história de acordo com a configuração escolhida, incentivava revisitar o título várias vezes para explorar todas as possibilidades. Mesmo com tantas qualidades, o lançamento original ficou restrito ao Japão, chegando ao Ocidente de forma oficial mais de vinte anos depois. No fim, Seiken Densetsu 3 é um dos pontos altos da série Mana e também um ótimo RPG.


Revisão: Ícaro Sousa

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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