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Análise: Undermine (Switch) é uma joia rara em meio a um mar de roguelikes

O título não traz um mundo de novidades, mas faz uma série de boas escolhas sem deixar de surpreender.

No escopo atual dos jogos indie, um gênero parece reinar absoluto já há algum tempo: o roguelike. A verdade é que elementos como a morte permanente e os espaços gerados de forma procedural criam um certo "esqueleto", em que não é tão difícil adicionar os seus próprios gráficos retrô e já chamar a atenção de um bom número de entusiastas. O problema é que, em meio à verdadeira enxurrada de lançamentos roguelike, o público geral já está ficando um tanto esgotado dessa mesma fórmula de gameplay, sempre presente na maioria dos lançamentos indie.

Com certeza muitos títulos que decidem seguir o caminho dos roguelikes não trazem absolutamente nada de novo à mesa e, além disso, falham em replicar com sucesso os elementos já bem estabelecidos de grandes jogos do gênero. Por outro lado, alguns jogos conseguem chamar atenção por reinventar certos aspectos dos roguelikes e criar algo realmente novo e excitante. 

No entanto, existe mais uma opção. E se eu falar que há um roguelike recentemente lançado para o Switch, que não necessariamente reinventa a roda, mas consegue reproduzir com maestria tudo o que faz a gente amar o gênero? Undermine remete a vários bons momentos introduzidos por roguelikes clássicos e nunca deixa de oferecer uma série de surpresas e uma boa quantidade de conteúdo para se explorar.

A eterna busca pelo ouro

Undermine já começa resolvendo uma questão complicada para o gênero roguelike: como, afinal, o protagonista volta da morte tantas vezes para tentar novamente? É fácil dispensar a pergunta com o argumento de que talvez isso não importe tanto em um jogo de videogame. Desde o começo da história da mídia, é normal contar com um número gigante de vidas e não pensar tanto na explicação filosófica para os vários retornos do herói.

Considero sempre um ponto curioso, no entanto, quando um roguelike tenta explicar a permadeath de alguma forma criativa. Em Undermine, por mais triste que seja a resolução, a resposta é que você nunca controla exatamente o mesmo personagem. Após a sua morte, um novo peasant (ou camponês) sempre está pronto para aceitar uma chance de explorar a mina de ouro, mesmo que ele precise arriscar a sua própria vida no processo.


As mudanças entre os protagonistas são sutis e estão limitadas à cor das vestes, ao sexo e ao nome do camponês, mas esses pequenos detalhes já criam um certo senso de identificação com aquele personagem. Realmente parece que você está controlando indivíduos diferentes e é sempre decepcionante perder mais um amigo para a cruel mina de ouro — e pode ter certeza que você terá que se despedir de diversos protagonistas nesse caminho até o fundo da mina.

Roguelikes costumam ser bastante desafiadores, só que nem sempre pelos motivos corretos. É difícil conseguir balancear a dificuldade de um jogo, e sinto que Undermine alcança um ótimo equilíbrio entre o alto nível de desafio e a curva de progressão agradável. Tudo ao seu redor tenta matar você desde o primeiro nível, como ataques teleguiados de pequenos inimigos, minas explosivas e armadilhas ativadas por botões no chão. Mas, com atenção redobrada e paciência, eventualmente não só você irá entender melhor como se locomover pela mina, como também irá poder comprar uma série de upgrades permanentes com o ouro coletado. 

Basicamente, você precisa estar sempre prestando atenção em 100% do que acontece ao seu redor durante a campanha. Esse não é um jogo que você pode jogar distraído ou sem muito compromisso. A barra de vida é o pilar central do seu sucesso, e pequenos erros, como cair em um buraco ou pisar na água depois de utilizar um ataque elétrico, podem acabar com a sua run em instantes.


Esse é o ponto que mais me impressiona em Undermine, a fluidez da interação entre você, os inimigos e o ambiente. Ao contrário de muitos outros jogos, os monstros da dungeon são igualmente suscetíveis ao dano das armadilhas pelo caminho. Se um chão com espinhos ou uma armadilha giratória representam uma grande ameaça para você, o mesmo vale para os monstros. As salas das dungeons não são muito grandes e, de relance, parecem similares entre si, mas é incrível como tudo é tão vivo.

Elementos interagem entre si com muita facilidade. Por exemplo, uma flecha atirada por uma armadilha pode atravessar o caminho de uma bola de fogo ativada por um obstáculo e eventualmente queimar você e todo o solo com petróleo. Não só os inimigos recebem dano das várias armadilhas, mas eles podem até mesmo ativá-las. Uma das principais mecânicas do jogo é coletar bombas e utilizá-las tanto para ataque quanto para quebrar pedras que obstruem o caminho — e é claro que também é possível se livrar desses obstáculos usando os próprios golpes dos monstros. 



Além desse ecossistema extremamente funcional, simplesmente há muito para se ver, interagir e coletar. Saídas secretas, salas fechadas por chaves, relíquias com habilidades passivas, maldições, bênçãos e até NPCs para se recrutar e destravar novas funcionalidades. Até o simples ato de coletar dinheiro (nesse caso, ouro) se torna um pouco mais interessante do que o comum. Toda vez que você bater em uma pedra pra minerar ouro, por exemplo, pequenas criaturinhas no estilo slime tentarão roubar o seu dinheiro — e isso realmente acontece 100% das vezes. O game pede por atenção redobrada a todo momento, até mesmo nas tarefas mais banais.

Esse ouro serve para você comprar itens pelas lojas da mina de ouro, além de poder adquirir upgrades permanentes de todos os tipos quando estiver do lado de fora. Habilidades normais do camponês, como o ataque físico com a picareta e seu arremesso no estilo bumerangue podem ser melhorados, além da sua vida máxima e até da quantidade de ouro que permanece com você após a morte. É possível coletar receitas e fazer novas relíquias para se encontrar pela dungeon e dá para melhorar sua interação com os vários tipos de poções ou até aumentar as opções dentro das lojas que aparecem durante a campanha.


Basicamente, toda mecânica realmente funcional de qualquer roguelike está presente e é tratada com respeito. Todo monstro enfrentado, item coletado ou animalzinho companheiro encontrado — criaturinhas que o acompanham e ajudam de várias formas, como coletando o seu ouro no caminho — fica marcado em um vasto menu que reúne uma enorme quantidade de informações, além de achievements e dados numéricos sobre praticamente tudo que você já fez no jogo. Undermine é um paraíso para a galera que gosta de "platinar", e ainda é um game legitimamente divertido no processo.

Explorar a mina pode ser muito tenso, mas nunca deixa de surpreender, além de ser algo fluido e sem frescuras. É fácil olhar para o mapa e aumentar o seu tamanho sem nem ao menos ir para outra tela ou menu, como também é muito simples escolher como seguir em frente na sua campanha. Cada nível da mina é composto por um número não tão grande de salas, porém cada lugar conta sua própria história e pede pelo seu tempo e atenção de forma adequada. Isso sem falar na quantidade impressionante de segredos, como salas secretas, itens escondidos e até baús que se voltam contra você (os tradicionais mimics).


A exploração é leve e dinâmica a um ponto que você nem ao menos é obrigado a enfrentar os chefões, podendo procurar um caminho alternativo. Assim como todo o resto, as boss battles são bastante complicadas, no entanto você pode escolher o momento exato para lidar com isso. Undermine com certeza acerta em cheio nos aspectos de exploração e no ritmo geral de sua jogabilidade, como poucos roguelikes nos últimos tempos.

Outra área de destaque é a parte visual, que se encaixa com maestria na fluidez da exploração e na vivacidade desse mundo em geral. Em vez de seguir pela linha dos gráficos retrô totalmente pixelados, naquele estilo Super Nintendo que todo mundo adora, Undermine opta por um visual um pouco mais vibrante do que isso, com pixels lisos e suaves que remetem a um desenho animado antigo. A trilha sonora segue o mesmo caminho, cumprindo seu papel e agindo como mais uma camada leve e solta nessa combinação de detalhes cheios de vida e personalidade.

Uma aventura menos eficiente no Nintendo Switch

Realmente existe um vasto número de ótimos motivos para se jogar Undermine; isso se você estiver disposto a encarar um bom desafio, é claro. Há alguns pontos negativos, no entanto, principalmente no Nintendo Switch. Sim, existem alguns problemas de performance até mesmo no modo docked. Mas antes de falar sobre essa questão, gostaria de pincelar o único aspecto da jogabilidade quase perfeita do título que não me caiu tão bem. 

Talvez a escolha mais divergente de Undermine, em relação ao típico roguelike, seja a falta de um dash, ou um roll, também conhecido como a velha "roladinha". O movimento, muito utilizado em jogos de ação e dungeon crawlers em geral, não só permite que o combate seja dinâmico como ainda oferece um algo a mais na movimentação durante as partes de exploração. Durante as várias horas que eu passei com Undermine, nunca consegui realmente me acostumar com a falta desse tradicional movimento do gênero.


Entretanto, há sim uma alternativa bastante similar na jogabilidade do título, só que a opção não consegue ingressar na mescla de suavidade e fluidez do resto do jogo. Em vez de rolar ou correr, você pode saltar. Undermine espera que você pule toda vez que quiser escapar de um dos inúmeros ataques inimigos que vierem em sua direção. Pular é bastante perigoso, porque é sempre muito fácil aterrissar no local errado durante o frenético combate. Eu entendo que os desenvolvedores provavelmente tomaram essa decisão para manter o senso de perigo constante das salas, mas, no final, o pulo nunca me pareceu algo realmente funcional e agradável.

Quanto ao nosso console híbrido, infelizmente ele sofre para manter o status quo de alta fluidez do game, tanto em modo portátil quanto na dock. O jogo definitivamente não parece ser tão pesado, mas ainda assim o Switch apresenta as já tradicionais quedas de fps e loadings super longos entre os estágios. Além disso, eu presenciei até mesmo um crash do jogo que me obrigou a resetar o aplicativo após o final de uma campanha. Os problemas de performance não atrapalham tanto assim o gameplay, mas é uma pena que o Switch mais uma vez tenha se dado mal na otimização de um ótimo jogo. 


Undermine é, ao contrário de vários dos seus contemporâneos, um roguelike memorável e digno de respeito. O título reproduz com maestria vários elementos clássicos do gênero sem deixar de surpreender e trazer seu próprio espírito para uma fórmula um tanto quanto batida. Entusiastas de roguelikes, dungeon crawlers, de jogos cheios de conteúdo e bastante desafiadores irão adorar se aventurar por essa perigosa mina de ouro cheia de personalidade. Infelizmente, donos do Switch novamente precisam aceitar uma experiência não muito bem otimizada, mas que pelo menos não atrapalha tanto assim.

Prós

  • Um jogo cheio de personalidade, algo que transparece em todos os seus aspectos;
  • Ótima interação entre o personagem, o ambiente e os inimigos, assim como todos os aspectos da exploração das dungeons;
  • Um bom equilíbrio entre o nível de desafio e a curva de progressão;
  • Muito conteúdo para explorar e segredos para desvendar.

Contras

  • Dificuldade bastante alta pode frustrar alguns jogadores;
  • Problemas de otimização no Switch, como quedas de fps, longos períodos de carregamento e até alguns crashes.
Undermine - Switch/PC/PS4/XBO - Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch 
Revisão: José Carlos Alves
Análise produzida com cópia digital cedida pela Thorium Entertainment

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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