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Análise: Golden Force (Switch): um plataforma que une tradição aos tempos modernos

Esse plataforma da No Gravity Games tem dificuldade old school, mas não impossível.

Atualmente, há discussões sobre a dificuldade frustrante de alguns jogos, como Super Meat Boy, Cuphead ou Dark Souls. Todos os três estão presentes no Switch e são excelentes, mas não são para todos. Apesar desses exemplos recentes, games "impossíveis" são pedras no sapato dos jogadores há tempos. Contra e Battletoads são títulos clássicos do NES sempre lembrados quando o assunto é dificuldade acentuada. 


Golden Force foi lançado em janeiro de 2021 com o visual pixelado dos áureos anos 80/90 e a proposta de trazer essa dificuldade old school, mas de uma forma que fosse acessível. Acompanhe nossa análise para ver se o lançamento da No Gravity Games atinge seu objetivo ou se, assim como os títulos citados na introdução fazem os jogadores se sentir, falha miseravelmente.

Hasteando as velas

O arquipélago das Muscle Islands é um lugar paradisíaco, onde a vida era perfeita. Porém, tudo muda com a chegada do Demon King, uma figura que só quem chegar ao final do game vai conhecer. Seu exército domina a ilha em busca de ouro.

Aos moradores, só resta uma opção: contratar os serviços da Golden Force, um grupo de mercenários que estava de férias. A equipe curtia os prazeres numa taberna quando recebeu a missão. De olho no ouro que podem ganhar pelo caminho, aceitam lutar contra a horda de demônios que atualmente infesta o lugar.

Com essa motivação, o jogo estabelece a ambientação para a pancadaria livre contra os estranhos seres que aparecem na tela e para o clima de pirataria contido na música. Contudo, talvez um jogador menos paciente não tenha contato com essas informações.

Isso porque a história é contada através de um texto que aparece numa tela estática e com uma qualidade gráfica inferior à que o jogo apresenta. Muitos podem passar por essa tela menos atraente e partir logo para a jogatina, o que provavelmente não prejudicará a experiência. Não que seja um roteiro digno de Oscar, mas poderia ter sido tratado com um pouco mais de carinho.

A tripulação do navio

É possível jogar com os quatro membros da Golden Force: Gutz é um hábil espadachim, enquanto Spina usa duas espadas; Drago, como o nome indica, é um dragão humanoide que usa um machado; e por fim, temos Elder, um forte idoso com braços mecânicos.

Cada um tem o seu carisma, e ainda é possível trocar as cores das roupas e dos cabelos na tela de seleção. Alternar entre eles é um jeito simples de trazer um respiro ao gameplay após empacar em alguma fase. Na prática, porém, não há diferença de jogabilidade entre os personagens. A diversidade cosmética é interessante, mas o jogo ganharia mais variedade se houvesse especificidades na jogabilidade de cada mercenário.

Terra à vista

Golden Force conta com quatro mundos, representados no mapa por quatro ilhas. Cada uma possui quatro fases e um chefe, além de um estágio extra. Por algum motivo, cada ilha possui o nome de uma comida mexicana, como nacho ou tortilla. É um detalhe engraçadinho, adicionando um pouco de humor à jornada deste grupo de piratas.

Há uma boa variedade temática entre as 20 fases, o que evita a repetição, mas nada que não seja comum em games side scrolling, como neve, montanha e as fases na água. Pelo menos os trechos aquáticos são bem-feitos, sem causar a clássica irritação de outras eras.

Os cenários, por sua vez, são simples, sem muito destaque. Essa decisão acaba por enaltecer o design de personagens: todos os inimigos foram bem trabalhados e possuem movimentação bem agradável.

O modo cooperativo local para duas pessoas funciona, mas com uma ressalva: a câmera acompanha o primeiro player, deixando o segundo jogador em maus lençóis. Para um jogo em que a morte é uma constante inevitável, essa é uma situação desagradável.

O que vale é a jornada

O jogo começa com uma fase tutorial, a bordo do navio da trupe. Ali, em alto-mar, aprende-se duas coisas importantes para a jornada.

Primeiro, os controles. O pulo é ativado pelo botão B, e o Y é o botão de ataque. Segurá-lo aciona um ataque mais forte, capaz de derrubar os escudos de alguns zumbis, por exemplo. Por sua vez, o botão A dá um ataque enquanto seu personagem desliza, o que é útil para passar por alguns inimigos.

Já o X é o botão do dash, o movimento que terá que ser melhor dominado para ter sucesso. Seja para sobreviver quando houver muitos inimigos na tela, seja para alcançar plataformas inatingíveis com o pulo padrão, ou ainda para passar por determinados trechos que exigem precisão e velocidade.

A princípio, a movimentação dos personagens pode parecer lenta ou meio presa, principalmente em comparação aos games de plataforma side scrolling mais atuais, mas aqui isso funciona bem, além de combinar com a proposta old school do título.

Por falar na proposta de Golden Force, o segundo ponto que esse trecho inicial nos ensina tem relação à dificuldade. O marketing do game aposta em propagandear sobre como o desafio se assemelha ao do século passado, porém de uma forma mais acessível. E o tutorial deixa claro como funciona essa proposta na prática.

Do seu navio pirata, é preciso enfrentar um polvo gigante, usando os tentáculos do molusco como plataformas para não cair no mar. Essa batalha possui algumas etapas e o normal será morrer diversas tentando, até aprender o esquema de movimentação e as brechas para atacar a criatura.

É um tutorial, portanto, que não se furta em matar o jogador diversas vezes. A cada nova tentativa, você volta exatamente ao ponto inicial, tendo que refazer todo o processo para tentar morrer num trecho mais distante até, enfim, derrotar o polvo.

Se Golden Force tivesse sido lançado na década de 1980, fatalmente você gastaria suas três ou cinco vidas iniciais, alguns continues, e finalmente encararia uma tela de game over. E isso aconteceria com tanta frequência que chegar ao final do jogo seria um desafio para poucos.

Como aquele período é apenas uma referência, aqui não há vidas ou continues. É possível tentar quantas vezes for preciso, o que estimula o jogador a não desistir. E recomeçar tantas vezes no tutorial também valoriza os checkpoints, bem distantes um do outro. Depois de algumas mortes, alcançar a caveira amarrada no tronco causa um sentimento de vitória e alívio, recompensando por insistir na fase e estimulando a continuar.

O baú do tesouro

Para quem gosta de um desafio a mais, Golden Force conta com colecionáveis secretos. Cada fase esconde três moedas e uma concha, e encontrá-las não é difícil no começo. Conforme se avança na jornada, porém, é comum terminar um estágio sem ter ideia da localização das peças, aumentando assim o fator replay do game.

A recompensa para quem coleta as muitas moedas espalhadas ao longo do caminho e encontra um bom número de itens escondidos é trocá-los por melhorias no barco-loja do mapa. É possível, por exemplo, adquirir permanentemente um coração extra, estendendo assim sua vida, ou aumentar a potência do seu golpe, essencial para diminuir mais rápido a barra de energia dos chefes.

A cereja do bolo de Golden Force são as batalhas contra os chefes, que são o que o jogo apresenta de mais desafiador e divertido, e onde se passa mais tempo. E os desenvolvedores têm consciência disso, pois são quatro mundos e seis bosses (contando o polvo gigante do tutorial e o Demon King do final).

Arrisco dizer que o jogo existe em função dessas batalhas. A sensação que ele passa é de que as fases poderiam ser mais curtas, para que pudéssemos chegar logo nos chefes. Cada um possui uma dinâmica e uma variação que entretém bem mais do que o caminho para chegar até eles.

Em nenhum momento a luta parece impossível ou injusta. Quando você falha, o sentimento sempre é de que o erro foi seu, o que te incentiva a levantar e tentar novamente. O design dos chefes é sempre interessante: são seres monstruosos ocupando a tela inteira, alguns com mudanças de forma na parte final da batalha.

Destaco um exemplo singelo de como os personagens têm carisma e de como o jogo te impulsiona a continuar: um determinado chefe ri ao vê-lo se apresentar para a batalha. Meu filho de 4 anos, que me via jogar, reagiu a isso furioso, torcendo para eu quebrar a cara daquele folgado.

A pilhagem valeu a pena?

No fim das contas, Golden Force abraça a estética e o espírito da época do NES e SNES, mas sem os empecilhos que estragavam a diversão. Não ter um contador de vidas ou de tempo nos permite curtir o jogo e os seus desafios sem a preocupação de encarar uma tela de game over que jogaria horas de jogatina no ralo.

O título é competente no que se propõe e é um bom entretenimento por toda a sua duração. Porém, alguma dedicação e atenção a detalhes como variação no gameplay e tela de apresentação trariam mais elementos para Golden Force ir além do "bem-feitinho" e se destacar no meio do oceano.

Prós

  • Dificuldade desafiadora e bem-equilibrada;
  • Animação e design de personagens cativantes;
  • Excelentes batalhas contra os chefes.

Contras

  • Não há diferença de jogabilidade entre os personagens;
  • Apresentação pouco caprichada;
  • Modo cooperativo injusto com o segundo jogador.
Golden Force - Switch/PS4/XBO - Nota: 6.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela No Gravity Games



Nascido no mesmo dia que Manoel Bandeira (mas com alguns anos de distância), perdido em Angra dos Reis (dos pobres e dos bobos da corte também), sob a influência da MPB, do rock e de coisas esquisitas como a Björk. Professor de história, acostumado a estar à margem de tudo e de todos por ser fora de moda. Gamer velho de guerra, comecei no Atari e até hoje não largo os mascotes - antes rivais - Mario e Sonic.
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