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Análise: Sludge Life (Switch) e o nonsense da vida

Uma experiência psicodélica que se confunde com um jogo.

Quando o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) começou a incluir jogos como parte de sua coleção, um grande alvoroço foi criado em torno da possibilidade de se pensar os videogames como arte. Parte da discussão se relaciona com o fato de que a arte, como pensava Marcel Duchamp, deseja muitas vezes garantir o seu espaço de inutilidade. Dito de outra forma, a arte não serve (ou não precisa servir) a um propósito específico. Os games, por outro lado, tem como foco primeiro o entretenimento, com objetivos específicos dentro da jogabilidade que garantem suas metas. Mas, e quando essa estrutura não é tão clara assim?

Sludge Life, publicado pela Devolver Digital e desenvolvido pelo brasileiro Terri Vellmann, explora essas possibilidades ao abrir mão de uma narrativa linear e de objetivos bem definidos. O resultado é intrigante e autêntico, apesar de não ser fácil de assimilar.



O mundo do “pixo”

O único objetivo direto de Sludge Life é grafitar pontos específicos de uma ilha com diversos ambientes cercados por lama. Não é possível, por outro lado, deixar grafites em qualquer local, mas apenas em espaços que são marcados durante o caminho. Isso faz com que o jogo seja, em primeiro lugar, uma tentativa de encontrar esses pontos para cumprir a tarefa.

Contudo, conforme vamos seguindo pelos diversos espaços, encontramos trabalhadores em greve, policiais, ciclopes, animais deformados, pessoas estranhas e outros objetivos. É nessas interações que o jogo cresce, ampliando as possibilidades de construção de uma ambiência em torno de Ghost, o protagonista.

À medida em que mais grafites são colocados, mais famoso o personagem fica e a interação com esses seres se torna aos poucos mais complexa. Além disso, depois de certa quantidade de grafites feitos é possível ter contato com outros grafiteiros, o que nos encaminha também para diferentes finais, dependendo da quantidade de missões secundárias (coletar apps ou lesmas pelo caminho, por exemplo) que você realizar. Não que o mundo reaja a tudo o que fazemos, até porque a liberdade de movimentação existe e não há uma sequência correta de ações.

No entanto, esse mecanismo de interação com os lugares e pessoas é muito bem feito, de modo que parece natural para o jogador que suas escolhas representem o único percurso que se deveria seguir.



Pop art e psicodelia

Visualmente, Sludge Life nos coloca em um ambiente extremamente colorido e atraente. Contudo, a baixa resolução e a movimentação em primeira pessoa pouco fluida, tiram qualquer senso de realidade.

Sendo ou não proposital, fato é que esse mundo colorido e, ao mesmo tempo, imperfeito, cria uma sensação de fantasia que é intensificada com o encontro com personagens bizarros e com a possibilidade de manipular artificialmente a percepção do personagem. Em alguns lugares, por exemplo, é possível encontrar cogumelos que, se consumidos, geram uma distorção da visão e permitem a Ghost voar pelo cenário.

Em termos de elementos de jogo, Ghost encontra objetos que o auxiliam durante o caminho: um computador (que é a própria tela de seleção e permite ainda jogar um jogo dentro do jogo), uma câmera fotográfica, um planador que lhe permite saltar do alto de um prédio para locais mais distantes etc. Mas não é evidente que esses objetos existem até que você os encontre, o que oferece uma sensação gratificante a quase tudo o que acontece.



Vandalismo visual

Sludge Life é um jogo curto que foge à normalidade, oferecendo um ambiente de exploração com diversos elementos despretensiosos, mas ainda assim divertidos. Ainda que nem sempre pareça um game, porque demanda muito pouco do jogador, a proposta é interessante por si só. Voltando ao tema inicial, vejo Sludge Life muito mais como uma experiência estética do que um jogo que queira entreter. E, sim, isso é muito bom.

Prós

  • Proposta simples e bem executada;
  • Personagens estranhos e intrigantes;
  • Sensação de liberdade e interação com muitos elementos do cenário.

Contras

  • Jogo muito curto;
  • Movimentação travada e desagradável em alguns momentos.

Sludge Life — PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Felipe Fina Franco
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital


Pesquisador nas áreas de estética e cibercultura com Mestrado em Cultura e Sociedade (UFMA) e Doutorado em Comunicação (UnB). Além de escrever sobre jogos, produz o Podcast Ficções e tem um blog sobre literatura, filosofia e cotidiano.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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