Jogamos

Análise: Cross The Moon (Switch) une vampiros, mistérios e Lovecraft em uma história linear intrigante

Contado pela visão de três protagonistas, a visual novel agrada pela história, mas peca pela falta de interatividade.


Visual Novels são bastante populares na Ásia e têm uma certa adesão no ocidente. Geralmente focadas em narrativas com múltiplos finais, personagens com visual de animes e uma pitada de romance e erotismo, esse gênero está repleto de títulos que seguem a fórmula clichê e não oferecem uma experiência marcante.

Felizmente, Cross The Moon é um suspiro agradável, que apesar de fazer certos tributos, parece rejeitar algumas convenções de suas origens. Criado por Patrick Rainville e distribuído pela Ratalaika Games, Cross The Moon conta a história de uma cidade fictícia chamada de L'Amour, habitada por vampiros e diversos mistérios, pela ótica de seus três protagonistas Lux, Aurore e Ryouku.

Seguindo os trilhos



O primeiro ponto a se partir sobre Cross The Moon é que não existe gameplay. Nem o mínimo de interação como em outras VNs que possibilitam a escolha de diálogos, caminhos e finais distintos. 

Neste título o máximo que o jogador tem que fazer é apertar o botão A repetidamente até o fim da história. É ainda possível apenas colocar no automático e assistir tudo sem ao menos pegar nos controles. Pessoalmente, achei mais confortável colocar no modo portátil do Switch e apenas clicar na tela para passar os diálogos.

Existem certos momentos nos quais se pode apertar B para acessar documentos extras, mas é possível terminar a história sem nem ter lido nenhum deles.
Infelizmente isso cria uma jornada linear sem nenhum fator replay, o que pode desencorajar os jogadores mais ávidos por uma experiência mais tradicional em games.

A Lua olha de volta...



A história que é contada e todos os aspectos técnicos tornam a obra uma ótima viagem para a vampiresca (e um tanto quanto estranha) cidade de L'Amour. É louvável como o trabalho de Patrick Rainville pôde trazer um mundo tão vivo e um texto tão rico em assuntos. Ele que é criador, escritor e compositor do game. Contou também com as ilustrações de Stephanie Singleton e diversas fotografias feitas por quatro fotógrafos diferentes.

O game usa uma estética única de cores para pontuar cada um de seus protagonistas, utilizando fotos reais que trazem uma realidade enriquecedora para os ambientes. O design quase oitentista de suas cores dita uma personalidade marcante para o game. Para entender o que torna Cross The Moon tão único, vamos abordar um pouco de seus três pilares fundamentais: narrativa, estética e trilha sonora.

Quando Crepúsculo encontra True Detective e Lovecraft

A história central parte do assassinato de um advogado em circunstâncias estranhas. O cadáver se encontrava sem os olhos, com uma ferida na barriga e marcas de mordidas no pescoço. Logo, uma caçada começa em busca do humano ou vampiro responsável.
Vale ressaltar que no mundo de Cross The Moon, os vampiros são parte da sociedade e não vivem nas sombras, existem até máquinas de sangue artificial enlatado à venda na cidade, feitas pela megacorporação bloodFLOW, responsável pelo abastecimento de sangue sintético.

Alternando entre a visão de Lux Amanite, um jovem vampiro adolescente na flor da idade curtindo com suas presas, sua irmã Aurore, que tenta viver uma vida normal com os humanos e conquistar sua independência e, por fim, a detetive que veio com intercâmbio do Japão, Ryouko Otsuki.




Com essa troca narrativa entre os protagonistas, o game consegue ter um ótimo fôlego de história e manter bem a atenção do jogador. Fugindo do clichê do gênero, o roteiro abusa de verdades veladas na sociedade vampira, e aos poucos vai entregando as peças que faltam para montar esse grande quebra cabeças que é a cidade de L'Amour e seus segredos.

Conforme a história avança, o tamanho da ameaça e a complexidade de suas subtramas cresce, o que antes era um assassinato acaba entregando viagens astrais, visitas interplanetárias e até um ser ancestral quase celestial no melhor estilo lovcraftiano de terror cósmico.




Apesar de sua atmosfera fantástica e sobrenatural, a história sabe onde quer chegar, além de usar sua trajetória para falar de problemas reais do nosso mundo, como a desigualdade social, discriminação racial e o problema do capitalismo e das megacorporações corruptas.

A psicologia da arte visual



A direção artística do game acertou em contrastar os personagens em preto e branco com fundos reais regados de cores vivas e marcantes. O amarelo para Lux, simbolizando todo o otimismo e juventude do garoto. O azul para Aurore, demonstrando sua infelicidade e apreensão com o futuro e o verde de Ryouko que em certo momento do jogo muda para um rosa avermelhado, mas no caso específico dessa personagem é melhor não analisar suas cores, pois pode entregar um ótimo plot twist da história.

As fotografias tiradas para o game são belíssimas e trazem um sentimento de familiaridade para quem joga, como se tudo aquilo fosse palpável e pudesse estar acontecendo em algum lugar no norte da França. Foram mais de 1000 fotos tiradas especialmente para o desenvolvimento de Cross The Moon, de diversas comunas na França, e também da cidade de Paris e Toronto.

O mistério na melodia

Em seu blog, Patrick Rainville conta que teve a inspiração na abertura da Visual Novel de Steins;Gate quando criou o título tema do jogo. Ele queria que fosse uma ótima impressão inicial tocada logo no menu inicial. 

Ao longo de todas as suas 25 faixas, todas compostas por Patrick, as músicas são parte da narrativa contada no enredo, elas quase complementam o texto e trazem uma atmosfera hora soturna, outras animadas e em alguns casos quase depressivas. 

Neste momento escrevo esta análise ouvindo a trilha sonora original, que provavelmente ficará marcada comigo por muito tempo. Com batidas de jazz, pop e até um pouco de rock, a criação e seleção de músicas é um brilho à parte em Cross The Moon, que por si só já valeria a compra do game.

Carne feita da lua



Apesar da falta de escolhas e interatividade, Cross The Moon é uma ótima porta de entrada para quem quer se aventurar no mundo das Visual Novels. Os mistérios de L'Amour, o carisma dos protagonistas, sua trilha impecável e estética única são fatores suficientes para convidar jogadores a entrarem nessa jornada. Alguns erros no texto e falta de polimento na edição podem causar certo desconforto, mas nada que interrompa a experiência geral desta pérola escondida na Eshop do Switch.

Prós

  • Roteiro bem escrito com nuances de camadas em sua subtrama;
  • Trilha sonora original que transforma a experiência por completo;
  • Direção de arte competente com visual único.

Contras

  • Falta de interatividade;
  • Polimento da edição de áudio e texto.
Cross The Moon — Switch/PC/PS5/PS4/XBX/XBO — Nota 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Felipe Fina Franco
Análise produzida com cópia digital cedida pela Ratalaika Games

Redator publicitário em tempo integral e amante de games nas horas vagas. Provavelmente aprendi a segurar um controle mais rápido do que uma mamadeira. Cresci com os maiores clássicos da Big N como Zelda, Mario e Pokémon. Hoje aproveito os pequenos momentos de descanso da vida corrida para me perder em Hyrule, em uma Tóquio pós-apocalíptica ou em um mundo de encanadores e cogumelos.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google