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Análise: Monark (Switch) é um RPG tático com conceitos interessantes e problemático level design

O novo título da Lancarse em parceria com a FuRyu entrega uma estética e narrativa de tom sombrio e pop com elementos que lembram títulos de SMT.




Desenvolvido pela Lancarse em parceria com a FuRyu e publicado pela NIS America, Monark (Switch) é um RPG tático japonês com uma ambientação neo-fantástica, sombria e escolar que tematiza tópicos sociais, psicológicos e demonológicos em uma narrativa ramificada e sobreposta. O título, dirigido por Fuyuki Hayashi e Mitsuhiro Hoshino, de Lost Dimension (Multi), conta com notáveis desenvolvedores da franquia Shin Megami Tensei, como trilha sonora de Tsukasa Masuko, que trabalhou em vários jogos clássicos da série, e Ryutaro Ito, o escritor dos primeiros SMTs e do livro que originou a franquia Megami Tensei.


Juntando tendências de Lost Dimension e de Shin Megami Tensei, Monark tem uma proposta interessante de conectar algumas premissas da trama com mecânicas únicas abordadas durante a exploração e, principalmente, durante batalhas de RPG tático. Além disso, os desenvolvedores se propuseram a criar uma atmosfera ao mesmo tempo sombria e pop, um level design que cria pressão psicológica para a resolução de puzzles e um roteiro que explora problemas pessoais de diferentes personagens, relacionando-os a ideais filosóficos, bem como a conceitos da psicologia e da mitologia judaico-cristã.



Uma narrativa interessante e com personalidade, mas com clichês e algumas execuções questionáveis

A história de Monark se passa no Japão contemporâneo, em um colégio fictício chamado Shin Mikado Academy. A premissa é introduzida rapidamente, envolvendo uma barreira mágica em forma de domo que cobre a escola e a separa do mundo exterior, conectando-a a outro mundo, o Otherworld. Isso acontece por meio de uma névoa (Myst) que perturba a consciência e a sanidade dos humanos que estejam por perto, além de causar ligações misteriosas que, quando atendidas, podem levar ao perigoso Otherworld.

Essa premissa permite também pactos entre humanos e entidades do outro mundo ao se tornarem Pactbearers, possibilitando que caminhem livremente pela névoa e transitem pelos dois mundos, além de transformarem as particularidades do Ego e a intensidade de seus pecados capitais (soberba, avareza, inveja, ira, luxúria, gula e preguiça) em poderes demoníacos e atributos. No caso do personagem principal, conecta-se com aquele que foi considerado por São Tomás de Aquino o pecado mais grave e originário dos demais, o pecado de Lúcifer, a vaidade.

Após um pacto com Vanitas, o protagonista adquire a Autoridade da Vaidade como um reflexo das propriedades de seu Ego. O Ego refere-se à essência da consciência do personagem, podendo ser representada por um Monarca do Otherworld. Há uma centralidade aqui do conceito de vaidade frente aos demais pecados, provavelmente por influência da obra A Divina Comédia (referenciada no jogo), de Dante Alighieri, e também pelo termo em inglês (Vanity) também carregar o sentido de algo vão (vain), vazio.






Com o andar da carruagem, a premissa se complexifica, havendo também o conceito de Alter Ego e o de Ideal. O Alter Ego diz respeito à concretização real de um ideal em alguém externo ao Eu, o que condiz com o conceito de origem, cunhado por Cícero. Por sua vez, um Ideal nada mais é do que a cristalização no Otherworld de uma ideia central na mente de um humano, que o possui, mas que pode ser quebrada no Otherworld, assim descobrindo o pensamento que orienta a vontade daquela pessoa. Essa descoberta, no jogo, aparece em forma de monólogo no final das batalhas contra chefes pactbearers.

Todos esses conceitos e relações servem como instrumentos visuais e de gameplay para abordar problemas pessoais dos estudantes e, principalmente, do protagonista e mais quatro estudantes que tentam dissolver o poder que aprisiona a escola e induz os humanos ali presos à loucura (há um índice no jogo que marca o nível de loucura dos personagens quando dentro da névoa). Os problemas primordiais abordados na narrativa dos dois grandes atos são o do Egocentrismo e o da Idealização, respectivamente e de forma antagônica, em torno dos quais orbitam casos particulares de pecados cometidos pelos personagens.







Enquanto a trama no primeiro ato aborda problemas de aceitação e pressão externas (de natureza social) devido às tendências egocêntricas dos personagens e termina por uni-los como grupo, o desenvolvimento do segundo ato explora o problema de cada um para lidar com o ideal que criaram para si mesmos, gerando um problema de aceitação e pressão internas (de natureza psicológica). O roteiro, assim, mostra um design interessante e coerente com a mitologia, mas é recheado de cenas e falas clichês típicos de anime, JRPGs e VNs em ambiente estudantil, o que também se reflete na atuação do elenco.

A resposta para o egocentrismo e a idealização é sugerida no final da história junto de uma resolução para o problema da conexão entre os dois mundos e o aprisionamento da escola. O caminho até lá envolve um design narrativo que começa linear, havendo poucas escolhas que criam pequenas variações em seu progresso. No segundo ato, entretanto, a narrativa se ramifica para lidar com o ideal de cada personagem jogável, Nozomi Hinata, Shinya Yuda, Kokoro Surugadai e Ryotaro Date.





O término de uma rota não leva exatamente a um final possível do jogo, e sim ao começo de outra, à escolha do jogador. Quando todas são concluídas, há um encerramento um tanto apressado que ainda deixa muitas dúvidas sobre a consistência da mitologia daquele universo.

Os personagens em si oscilam entre motivações fracas, embora às vezes até plausíveis para a faixa etária, e outras mais sérias e um pouco mais interessantes. Diferente dos demais, o protagonista carece de uma identidade maior e há alguns mistérios em volta de seu passado, o que é explicado pelas conexões entre as rotas do segundo ato que culminam no seu destino real, finalizando a obra.

Um RPG tático com mecânicas diferenciadas, mas com level design muito limitado e problemas de balanceamento

Do ponto de vista de gameplay, o projeto de Monark tem três níveis de jogo. Primeiramente, momentos de exploração; em seguida, relacionado diretamente com essa exploração, momentos de puzzle investigativo; e, por fim, após a resolução desses puzzles, batalhas de RPG tático.

Em um nível básico, a exploração em Monark consiste em andar por diferentes locais da escola a fim de salvar os estudantes dos efeitos colaterais da névoa que acoberta os bosques e os edifícios do cenário. Durante essas caminhadas, é possível encontrar itens e documentos, além de conversar com pessoas sãs que podem lhe oferecer informações contextuais, dicas de puzzles, propor questões que lhe renderão atributos permanentes, ou esbarrar em pessoas enlouquecidas (no caso de cenários com névoa) que podem matar o protagonista instantaneamente com seu grito. E também é preciso se preocupar com o índice de MAD Gauge dos personagens do grupo.




Quanto aos puzzles, eles consistem basicamente em descobrir uma senha de quatro números para abrir cofres, lembrando jogos de estilo Escape Room, como os da série Zero Escape, mas em Monark eles aparecem de forma mais arbitrária. Ademais, a maioria deles tem um design bem semelhante e não são, em geral, muito difíceis de se resolver, com algumas poucas exceções. Os cofres guardam documentos, números de telefone para acesso a novos cenários de batalha e chaves de portas importantes para poder prosseguir na história.

A resolução dos puzzles não envolve tanto raciocínio dedutivo (lógico-matemático), mas mais raciocínio abdutivo, ou seja, aquele tipo de raciocínio investigativo com o qual o jogador, através de algumas pistas e dados dispersos, precisa inferir qual é a resposta “mais provável”. Puzzles desse tipo, se não forem bem arquitetados, podem ser difíceis de forma artificial, por terem pistas muito vagas ou ambíguas, o que algumas vezes ocorre em Monark, mas não com frequência.







Finalmente, há o gameplay das batalhas, que, em essência, lembra o de Lost Dimension, também desenvolvido pela Lancarse. Os confrontos se passam em um mundo alternativo com cenários delimitados e planos em pequena escala, geralmente em forma de corredor ou pequenas salas, podendo conter muros destrutíveis e alguns poucos tipos de armadilhas fixas de área circular que causam status negativos.

Durante os combates táticos, o jogador, em movimentação livre (não por contagem de células) e por turnos, utilizará um grupo de até seis unidades, contando com o protagonista cuja morte implica derrota imediata, assim como o rei em um jogo de xadrez. Apesar disso, a analogia de rei/monarca com o jogo de xadrez é assimétrica, pois não se vence uma partida em Monark ao derrotar um chefe ou o seu monarca controlados pela IA, mas só após derrotar todas as unidades inimigas ou, em alguns casos, quando um determinado cristal é destruído.

Falando em chefes e monarcas, eles possuem poderes ofensivos claramente desbalanceados, mas defesa e vida em uma proporção aceitável, algo que também se aplica a  uma das personagens jogáveis, Kokoro Surugadai. Enquanto as unidades inimigas são bem equilibradas em geral e niveladas conforme o level dos personagens do jogador a cada novo ato da trama. Todavia, esse trabalho de balanceamento foi facilitado pelo fato de haver pouquíssima variedade de inimigos e um level design simplório.

Com exceção dos humanos e monarcas, que possuem árvores de habilidades únicas, todas as demais unidades (inimigas ou aliadas) são esqueletos com a menor diversidade possível de armas em um TRPG: espada (curto alcance), lança (médio alcance) e besta (longo alcance), uma variedade de ataque menor até mesmo que a do primeiro Fire Emblem (Famicom/Switch), de 1990. O design de vulnerabilidade tática resume-se principalmente ao planejamento de alcance para evitar um contra-ataque e ao posicionamento para golpes por trás, que ganham bônus de dano e inviabilizam os contra-ataques.




Contudo, isso é compensado um pouco pelo fato de que cada unidade conta também com um de sete conjuntos de habilidades chamadas “autoridades”, cada qual relativa a um de sete pecados capitais da mitologia judaico-cristã: soberba, avareza, inveja, ira, luxúria, gula e preguiça, remetendo a Shin Megami Tensei: If… (Multi). A performance das ações das unidades em geral é influenciada por seu nível e, no caso dos esqueletos, também pela vestimenta e pela quantidade de pontos desses pecados atribuídos ao protagonista, adquiridos em cada vitória conquistada em batalha ou em alguns encontros de conversa com NPCs.

Apesar das limitações de tipos de unidades e da quantidade de unidades no grupo, é interessante como é flexível o gerenciamento da economia geral do elenco. Tanto a compra de itens consumíveis quanto o investimento em habilidades das unidades custam pontos de espírito, adquiridos como recompensas de exploração e, principalmente, de batalha. 




Além da economia ser unificada, ela também é totalmente reversível: é possível retirar os pontos investidos em uma unidade a qualquer momento, diminuindo seu level base, e redistribuí-los para outras unidades ou mesmo para comprar itens, embora isso seja bem pouco necessário, pois a certa altura do jogo, fica muito fácil conseguir os itens consumíveis em combate mesmo, principalmente contra status negativos.

Por outro lado, a experiência em batalha não é muito satisfatória. Os controles em turnos são rápidos e intuitivos, mas o jogo frequentemente requer grinding contra inimigos iguais em tudo, exceto variações de nível e equipamentos, o que termina em uma experiência progressivamente mais entediante.

Ademais, não bastasse os cenários serem bem limitados, a IA dos inimigos é notavelmente simples. Não só os chefes não possuem tática alguma como também as unidades comuns andam aleatoriamente de um ponto a outro próximo, são individualistas, cegas diante de armadilhas e às vezes usam habilidades ou combinam ataques contra as unidades do jogador de forma pouco inteligente.

O diferencial tático mais interessante está no uso das habilidades de ressonância para conectar buffs e debuffs entre unidades, além de dois índices que vão de  0 a 100%, um de loucura (Madness) e outro de conscientização (Awareness). Um personagem quando enlouquecido fica incontrolável e ataca aleatoriamente qualquer unidade por perto com bônus de dano, enquanto unidades despertas/conscientizadas (algo possível apenas para humanos) possibilitam a utilização de uma habilidade especial. Os dois índices maximizados também podem ser combinados em um estado de esclarecimento (Enlightened), provavelmente uma referência ao período do Iluminismo na Europa e ao conceito histórico de “Monarca Esclarecido”.

Uma estética jovem, sombria e repetitiva com músicas contrastantes de pop e de rock

O jogo não apresenta uma boa performance no Switch. Há frequentes quedas de quadros em combate no modo dock, algo que passa a ser ainda mais frequente no modo portátil. Felizmente, por se tratar de uma jogabilidade tática, acaba não atrapalhando muito o gameplay, mas não deixa de prejudicar o fluxo da experiência.

Quanto à parte audiovisual, antes de tudo, deve-se observar várias limitações técnicas, muitas das quais parcialmente justificadas pela limitação de orçamento e tempo de produção. Refiro-me sobretudo a animações muito rígidas e limitadas a poucos movimentos, bem como a modelos repetidos e simples para NPCs e unidades de combate (ainda que customizáveis) e a cenários pequenos com interatividade mínima.





A construção de mundo, enquanto tal, é limitada pelo próprio enredo, se fechando nos limites da escola, com alguns poucos edifícios e um bosque, sempre com várias texturas reaproveitadas. Isso se repete nos cenários simples e pouco criativos onde ocorrem as batalhas. Tal design poderia ser mais complexo dentro da escola ou mesmo enriquecido com exploração no Otherworld, senão até em cenas psicodélicas — já que a lore mistura temas demonológicos com questões psíquicas —, mas os responsáveis tomaram o rumo mais econômico possível que salvaguardasse a proposta do roteiro. Ainda assim, ficaram interessantes a interface do menu em celular e alguns efeitos de tela que remetem a problemas de hardware nesses aparelhos.

Quanto à cenografia e ao figurino, é notável como os desenvolvedores procuraram implementar alguns elementos mais maduros e alguns particularmente sombrios, porém com um clima jovem e pop que se sobressai por todos os lados. Os elementos sombrios são visualmente notáveis nos cenários da escola com névoa e nas arenas de combate tático, bem como nos modelos dos esqueletos, nas animações de algumas habilidades e, principalmente, no design grotesco dos chefes nas cutscenes.

Esse tom também se reflete um pouco na direção de som, com gritos e gemidos, e principalmente na trilha sonora, sugerido pelos timbres de rock, ritmo rápido uniforme, ruídos, incidentais dissonâncias tensas em piano ou cordas, sequências de acordes graves, riffs de guitarra com distorção e melodias em tons menores. Certamente é possível ver muito dos títulos pré-Shin Megami Tensei III: Nocturne nessas novas peças de Tsukasa Masuko com algumas escolhas harmônicas e tímbricas lembrando até demais obras dele já conhecidas dessa franquia da Atlus.

Quanto à parte temática mais intelectual, ela tem a ver também com citações simples e apenas contextuais que são compatíveis com o clima estudantil, como retratos de compositores eruditos (Bach, Mozart, Beethoven, Schubert e outros), a sequência numérica Pi, entre outras referências, por vezes utilizadas em puzzles do jogo, mas sem nada muito complexo em cima desses conteúdos.

No mais, o jogo possui muito mais foco popular e juvenil, o que faz lembrar a subsérie Persona, evidenciado não só pelo temas de enredo, já mencionados, mas também pelos jovens protagonistas, suas falas, seus traços mais arredondados, além de suas personalidades e aparências típicas de estudantes em anime shounen. Em consonância, o rock empregado tende a ser compatível com o gosto mainstream juvenil japonês, além de muitas peças exuberantes de J-Pop que até soam agradáveis em alguns combates, mas muitas vezes são colocadas de forma contrastante com o visual sombrio ou até com o tom dramático de algumas linhas de diálogo e cutscenes, prejudicando a imersão em seu universo ficcional.





Um reinado personalista, mas também decadente

Apesar de alguns desfechos questionáveis e do excesso de clichês pouco criativos que podem incomodar alguns jogadores, o saldo narrativo de Monark é bem mais positivo. Entretanto, visualmente e em gameplay, é um título com vários problemas e limitações que não se justificam apenas por baixo orçamento, apesar das mecânicas únicas. Ademais, sua trilha sonora está acima da média, mesmo que por vezes mal-aplicada.

Monark é um TRPG relativamente acessível para iniciantes em termos de complexidade tática, sendo ainda interessante e versátil. Além disso, um jogo recomendável àqueles que se interessam por animes shounen e premissas de enredo semelhantes às dos jogos de Persona e às pinceladas sombrias da série principal Shin Megami Tensei.

Prós:

  • Premissas psicológicas e demonológicas interessantes e bem arquitetadas para o enredo e para alguns puzzles;
  • Direção de cutscenes adequada e bem executada;
  • Trilha sonora rica em variedade e com alguns bons temas melódicos;
  • Algumas mecânicas coerentes com a trama e únicas em RPG tático;
  • Versatilidade no gerenciamento da evolução e da economia dos personagens.

Contras:

  • Gráficos genéricos e animações in-game muito rígidas e limitadas;
  • Alguns personagens desenvolvidos de forma pouco criativa;
  • Exploração extremamente simples e formulaica nos poucos e reaproveitados locais da escola;
  • Alguns puzzles contextualizados de forma arbitrária e muitas vezes com execuções pouco interessantes para agregar à proposta;
  • IA dos inimigos muito simples;
  • Cenários táticos limitados de forma generalizada;
  • Level design simplório, repetitivo e com pouca variedade de desafio;
  • Trilha sonora muitas vezes mal-aplicada em cenas e em batalhas;
  • Queda de quadros um tanto frequente em combate, sobretudo no modo portátil.
Monark — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: João Pedro Boaventura
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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