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Análise: République: Anniversary Edition (Switch) é uma aventura de furtividade divertida, mas irregular

Ponha à prova suas habilidades de hacker para ajudar uma jovem criada em laboratório a escapar das garras de um estado totalitário.



Um aspecto muito empolgante para mim em videogames é a furtividade, o tal do stealth. Nos Last of Us da vida, eu sempre prefiro ir eliminando os inimigos um por um na surdina ao invés de sair tocando o terror, recorrendo às armas de fogo apenas quando necessário — ou quando eu ficar travado por muito tempo em um trecho e a paciência acabar.


Desenvolvido pela Camouflaj (um nome apropriado) e lançado originalmente em 2013, République: Anniversary Edition é um jogo episódico de ação e aventura que recentemente chamou minha atenção por desenvolver um gameplay furtivo de um jeito bem interessante, com uma mecânica-base que faz o jogador se sentir um verdadeiro hackerman, diretamente de Mr. Robot.

République começou como um projeto de financiamento coletivo no Kickstarter, arrecadando mais de 500 mil dólares e garantindo a criação do jogo. Os cinco episódios que compõem sua campanha foram lançados entre 2013 e 2016 para dispositivos móveis Android e iOS, PC e Mac, com uma versão completa para PlayStation 4 saindo também em 2016.




Além de compilar todos os episódios, esta versão de aniversário traz um conteúdo extra que mostra detalhes sobre o desenvolvimento do game, o que — pelo menos na minha humilde opinião — não melhora nem prejudica a qualidade da experiência geral, que se sai bem, apesar de alguns tropeços.

Só mesmo em um jogo de ficção pra alguém atender a uma ligação de número desconhecido

Tudo começa com uma ligação feita ao celular do jogador por Hope, uma jovem que se encontra em um quarto de aspecto claustrofóbico. Ela revela estar sendo mantida em cativeiro e pede ajuda para escapar da Metamorphosis, uma instalação subterrânea que mantém e realiza experimentos secretos em jovens que integram o estado totalitário que dá nome ao jogo.

Essa République é chefiada por uma figura conhecida como o Diretor/Administrador, autor de um manifesto que ele usa como base filosófica e moral para os cidadãos do seu escuso governo. Cabe então ao jogador, no papel do espectador anônimo que atendeu à ligação, acatar o pedido da Hope e invadir virtualmente a Metamorphosis por meio do OMNI View, um software de hackeamento remoto que serve como a principal mecânica de gameplay, para dar à protagonista as oportunidades que ela precisa para conseguir sua liberdade.




É nesse clima tecnofuturista de mistério e suspense sociopolítico que começamos a guiar a desesperada 390-H, como Hope é denominada pelos responsáveis por sua situação cativa. A trama que se desenrola não é nenhuma novidade no universo dos videogames ou da cultura de forma geral, mas faz críticas interessantes sobre temas como totalitarismo, censura, bioética e integridade jornalística.

O tom dos discursos acerca desses temas é direto e nem um pouco sutil, mas a narrativa em que eles estão inseridos funciona bem em conjunto com uma jogabilidade de exploração e furtividade, além de um excelente trabalho de dublagem de um elenco que inclui Rena Strober, Jennifer Hale e David Hayter (ele mesmo, o Solid Snake). Todos entregam atuações maravilhosas, trazendo muita credibilidade aos personagens que interpretam.

Vamos dar aquela espiadinha

Lembra que eu comentei que République começa com Hope fazendo a ligação em um quarto de aspecto claustrofóbico? Essa sensação de aperto e ansiedade se estende a toda a campanha. É claro que isso é natural, considerando que Metamorphosis é uma instalação localizada no subterrâneo e composta em grande parte por corredores estreitos e salas compactas, mas outro fator que contribui para esse “desconforto” constante é a perspectiva escolhida para o ângulo de visão do jogador.




Exceto por algumas cutscenes exibidas em televisões ou vistas de celulares, o jogo todo se passa pela visão do sistema de vigilância da Metamorphosis, hackeado pelo jogador graças ao OMNI View. Além de comandar as ações da Hope, podemos “navegar” pelas câmeras do local, usando como ponto de transmissão o celular no qual a garota fez a ligação que começou a trama.

A partir desta habilidade extraordinária, podemos saber exatamente para onde guiar Hope, verificando com antecedência os melhores caminhos e esconderijos para evitar os Prizrak, os temíveis guardas encarregados da segurança e monitoramento dos jovens “hóspedes” da Metamorphosis. O único limite é o sinal de transmissão do software, que vai enfraquecendo conforme nos afastamos do celular; ou seja, não é possível vasculhar todo o cenário de République logo de cara; precisamos combinar a presença física da protagonista com o controle virtual do seu benfeitor misterioso.

O auxílio visual já é de grande valor para orientar Hope, mas não é o suficiente para tirá-la do cárcere. Ainda bem que o OMNI View tem outras funções tão úteis quanto a captação de imagem e áudio das câmeras, como a capacidade de analisar todo tipo de material que contenha informações úteis para progredir rumo à liberdade.




Entram nesse pacote e-mails, pôsteres, gravações, identidades dos guardas e tudo mais que possa ser escaneado pelo OMNI View, que capta conversas e monólogos até das fontes mais improváveis, como estátuas e quadros. É assim que adquirimos, por exemplo, senhas e impressões digitais ou vocais para conseguir acesso a portas trancadas. Algumas dessas ações mais complexas consomem bateria do celular, que pode ser recarregado com o uso de baterias portáteis ou em terminais localizados em alojamentos pertencentes aos semelhantes de Hope.

Aliás, fica aqui uma de muitas curiosidades divertidas a respeito de République: alguns guardas exibem em seus documentos de identidade um selinho mostrando que representam homenagens a pessoas reais, que apoiaram o financiamento do jogo no Kickstarter. É o tipo de pequeno detalhe atencioso clássico de jogos indies, que enriquece e traz charme à experiência geral. 

Sobrevivência sem zumbis e exploração sem alienígenas

A furtividade e o drama narrativo são importantes pilares de République, mas a sobrevivência e a exploração também desempenham um papel igualmente fundamental na construção do gameplay.

Retirando inspirações de clássicos como a franquia Resident Evil e o gênero metroidvania como um todo, temos como resultado uma protagonista que começa sem recursos e com acesso limitado ao mapa do jogo, mas que aos poucos vai progredindo por meio da obtenção de itens, da resolução de puzzles e do acesso a terminais que lhe permitem evoluir ao expandir suas habilidades.




À medida que Hope avança por Metamorphosis, ela vai encontrar portas que nem o jogador pode destrancar, porque sua versão atual do OMNI View não está forte o suficiente. Para melhorar o software, é preciso acessar servidores Daemon, que aumentam o nível OMNI, permitindo abrir portas de número correspondente, e a carga da bateria do celular.

Também podemos adquirir habilidades compradas em terminais de computadores localizados em salas de confinamento. Os dados coletados pelo OMNI View são convertidos na moeda do jogo, usada para adquirir “poderes” como disparar alarmes para distrair os guardas ou visualizar as rotas de patrulha deles.

No melhor estilo Metroid, essa expansão no arsenal de habilidades da nossa amiga fugitiva abre novos caminhos, levando a um velho conhecido dos mais versados nesse tipo de game: o backtracking. Conforme eu disse na minha análise de Death’s Door, a necessidade de retornar a áreas previamente visitadas para desbloquear portas antes trancadas e descobrir o que há por trás delas não costuma ser uma unanimidade, e République não é exceção.




Felizmente, o backtracking não é obrigatório à progressão na história, mas se você quiser os 100% em todos os cinco capítulos, ele passa a ser inevitável. E se tem algo com o qual a Camouflaj fez questão de rechear sua obra, são os polêmicos colecionáveis.

Recolher objetos sorrateiramente escondidos e encontrar cada pôster, fita cassete e identidade espalhada por toda Metamorphosis não é o suficiente: temos que hackear TODAS as câmeras da gigantesca instalação subterrânea. E já adianto um pequeno spoiler: existem mais de 700 em todo o jogo, então se o seu objetivo for não deixar um mísero pedacinho coletável para trás, se prepare para passar um dos pentes finos mais minuciosos da sua trajetória como gamer.

Não ajuda nem um pouco que as câmeras acessadas não recebam nenhum tipo de marcação para diferenciá-las das que ainda não foram hackeadas. Ou seja: boa sorte descobrindo quais faltam para completar a métrica em cada capítulo. E eu não desejo a ninguém o infortúnio de terminar um capítulo com uma única câmera faltando.




Indo para territórios mais positivos, as referências também fazem parte do repertório de coletáveis, que incluem disquetes de vários títulos indies, como Shovel Knight, Guacamelee e Hotline Miami. É sempre divertido e reconfortante quando jogos independentes ou semi-independentes referenciam uns aos outros; isso passa uma sensação bacana de comunidade, de estúdios que se reconhecem e fazem homenagens merecidas aos trabalhos de colegas da indústria.

A melhor defesa é não estar na luta

République não tem entre seus destaques uma dificuldade elevada, nem chega a ser muito punitivo. Seu foco maior está em entregar uma aventura furtiva com uma elaborada narrativa sociopolítica. Isso se reflete naturalmente nos desafios propostos, da resolução dos puzzles ao “combate” contra os Prizrak.

O único jeito de rechaçar os guardas que flagram e alcançam Hope é usando objetos coletados ao longo da campanha: os sprays de pimenta, que debilitam temporariamente os inimigos atingidos; e os tasers, que os derrubam permanentemente. A penalidade por deixar a garota ser capturada é vê-la ser levada à sala de confinamento mais próxima e ter seus objetos de combate confiscados, mas apenas isso. Os únicos acréscimos de dificuldade estão em jogar no modo Sobrevivência, que reduz as quantidades de sprays e tasers e desliga o salvamento automático, agora feito apenas por meio da obtenção de fitas cassete.




Os puzzles, que não são numerosos nem demorados, envolvem casos relativamente simples de lógica e dedução a partir de enigmas propostos ao jogador ou de desafios de perspectiva. Também não há nenhum grande revés por não acertá-los, apenas ter que refazer um ou outro, o que, como eu já mencionei, não custa muito tempo.

A natureza labiríntica da Metamorphosis faz com que seja fácil se perder pelos seus corredores. Para ajudar nesse sentido, temos à nossa disposição um recurso básico, mas muito necessário: um simples ícone de ajuda no menu de pausa, que relembra o jogador de qual é o seu objetivo atual. Isso pode parecer banal, mas acaba sendo uma ótima ferramenta caso você passe muito tempo sem jogar e esqueça o que tinha que fazer.

Eu não sei pra onde vou, pode até não dar em nada

Para um game em que o posicionamento, a furtividade e a visão são essenciais para o sucesso, République tem uma quantidade irritante de problemas de câmera e deslocamento. O que mais me tirou do sério foi a transição automática de uma câmera para outra, que ocorre quando Hope se afasta muito do monitor atual. Essa mudança não requisitada altera o ângulo de visualização, o que consequentemente altera os sentidos para onde os direcionais do controle a levam.




Isso frequentemente torna a geografia do jogo bem confusa e me fez, por exemplo, ficar indo e voltando entre duas câmeras por uns segundinhos, já que segurar o direcional para um lado fez com que a garota mudasse sua direção junto com os ângulos, resultando nesse curto loop.

Outra questão negativa nesse quesito é o deslocamento enganchado da Hope quando ela está encostada em uma parede. Algumas vezes, aconteceu de eu querer desencostar do canto onde estava escondido e sair andando na direção que eu queria antes de ser descoberto por um Prizrak, mas a personagem simplesmente seguiu se movendo rente à parede, o que acabou combinando com uma transição de câmera que me fez dar de cara com o guarda e ser capturado.

Até podemos levar em conta o atenuante de que ser capturado não é tão incômodo devido à baixa punitividade do game, mas ainda é bem chato perder os itens e ter que chegar mais uma vez ao local onde estávamos. É uma perda de tempo que vai se acumulando ao longo da jogatina.

Seguindo com as críticas visuais, a função de zoom deixa bastante a desejar — ou melhor, a ausência quase total dela. Exceto pelas imagens exibidas nas câmeras, em nenhum outro momento podemos ampliar o que estamos vendo. Isso inclui todo tipo de texto e objetos, que muitas vezes ficam pequenos demais para enxergarmos tanto na TV quanto no modo portátil do Switch. Também não há uma ferramenta adequada de visualização de objetos como os disquetes, que por sinal não contam sequer com uma ficha técnica sobre os jogos homenageados.




Não podemos deixar o lado auditivo com inveja, então ele também ganha sua cota de problemas. Muito do conteúdo pertinente à trama de République é contado ao jogador por meio de áudios e vídeos das mais diversas fontes, mas em nenhuma delas temos a possibilidade de avançar ou rebobinar esses materiais. Isso significa que se quisermos repetir, por exemplo, o áudio de uma fita cassete de 5 minutos para escutar um trecho em 4:50, não podemos avançar até essa minutagem: somos forçados a deixar tocar tudo de novo até chegar ao ponto certo. Uma ausência básica e frustrante.

Ao contrário do jogador, a tradução incompleta não passou despercebida

République: Anniversary Edition é uma aventura furtiva digna de sair de suas origens nos dispositivos móveis e alcançar os consoles. O Switch ganha o bônus de herdar também os controles de toque, mas para mim eles foram mais uma inconveniência ignorável do que uma praticidade, já que eu pude desfrutar do uso dos botões, que obviamente não existem nas versões para iOS e Android.

A trama do game, tão elaborada e recheada de críticas e discursos sociopolíticos carregados, pode ser conferida pelos falantes do português graças à existência de legendas em PT-BR, ainda que o trabalho de tradução tenha ficado lamentavelmente incompleto, com alguns textos de menor importância permanecendo em inglês.




Fica aqui, inclusive, minha queixa com relação ao único conteúdo extra desta versão de aniversário: os comentários dos desenvolvedores, coletados ao longo da campanha, não apresentam legendas nem no próprio inglês, nos forçando a apurar os ouvidos para compreender conversas muitas vezes corridas e de difícil entendimento.

Deixando de lado esse bônus bem decepcionante e os supracitados problemas de movimentação e câmera, République tem muito para ser aproveitado por fãs de furtividade e exploração, além dos amantes da famosa crítica social.

Prós:

  • Uma excelente aventura furtiva, cuja mecânica-base de visualização do jogo por meio das câmeras de segurança é bem interessante;
  • Inspirações certeiras em clássicos dos gêneros de sobrevivência e exploração, como as franquias Resident Evil e Metroid;
  • Faz boas críticas sobre temas como totalitarismo, censura, bioética e integridade jornalística, que funcionam bem em conjunto com uma jogabilidade de exploração e furtividade e um excelente trabalho de dublagem;
  • Divertidas e carinhosas homenagens aos apoiadores do jogo no Kickstarter e a jogos indies, que figuram em disquetes coletados ao longo da campanha;
  • Legendas em português brasileiro.

Contras:

  • As câmeras acessadas não recebem nenhum nenhum tipo de marcação para diferenciá-las das que ainda não foram hackeadas, dificultando bastante a conclusão do objetivo de hackear todas em cada capítulo;
  • Uma péssima transição automática de uma câmera para outra, que torna a movimentação da protagonista extremamente confusa;
  • O deslocamento da Hope quando está se movendo rente a paredes é bem irregular;
  • A ferramenta de zoom é quase inexistente, ficando limitada às imagens exibidas nas câmeras e tornando alguns textos muito difíceis de ler;
  • Não há a possibilidade de avançar ou retroceder os arquivos de áudio, o que pode ser bem incômodo se quisermos ouvir novamente um trecho específico;
  • Os comentários dos desenvolvedores sobre a criação do jogo, que são o único conteúdo extra da versão de aniversário, não possuem legendas nem em inglês;
  • A tradução para o português brasileiro está incompleta, com alguns textos permanecendo em inglês.
République: Anniversary Edition — Switch/PS4/PC/Android/iOS — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Janderson Silva
Análise produzida com cópia digital cedida pela Camouflaj

Apaixonado por jogos desde criança, principalmente pela Nintendo. Seja Indie ou AAA, os videogames vão estar sempre no meu coraçãozinho, com um espaço especial para multiplayers!
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