Jogamos

Análise: Death’s Door (Switch) é uma empolgante e intrincada jornada de exploração e descobertas

Desbrave terras peculiares no controle de um corvinho que lida com a vida e a morte.



Antes mesmo de começar a jogar Death’s Door, eu já tinha uma boa ideia do que esperar. Não cheguei a acompanhar muito do jogo na época do seu lançamento original em julho deste ano, apenas vi um ou outro trailer, o que foi suficiente para me empolgar e me fazer ansiar pela sua chegada ao Nintendo Switch.


Mesmo sem saber muito a fundo o que me aguardava neste título de ação e aventura desenvolvido pela Acid Nerve e publicado pela Devolver Digital, não fiquei nem um pouco surpreso por ir percebendo que minhas expectativas estavam sendo positivamente correspondidas.

Ossos (e penas) do ofício

Death’s Door se passa em um mundo onde o pós-vida está a cargo do Comitê dos Ceifadores, uma organização cujo escritório central fica no Salão das Portas. Seus membros são corvos que têm a tarefa de localizar e levar ao Além — às vezes por meio da força bruta — as almas dos seres que já viveram pelo tempo que lhes era devido.

Esses Ceifadores se locomovem através de portas alimentadas pelas almas recolhidas, e enquanto estiverem a serviço do Senhor das Portas que chefia o Comitê, a eles é garantida a imortalidade, para que eles possam desempenhar o trabalho para todo o sempre. É no controle de um desses funcionários da morte que a trama começa a se desenrolar.




Nosso corvinho é um funcionário que está começando agora no emprego, e logo após derrotar seu primeiro alvo relutante, ele é nocauteado por uma figura desconhecida, que rouba a alma obtida pelo protagonista e revela ser um colega de trabalho com um grave problema.

Enquanto estão no cumprimento do dever, os ceifadores perdem a imortalidade, já que precisam adentrar o mundo dos vivos. Há muito tempo, esse atacante misterioso deixou escapar uma alma que lhe foi designada, e desde então ele vem envelhecendo, lentamente se aproximando do fim que agora também nos aguarda.

Para evitar esse destino, o pobre coitado busca um jeito de atravessar a Porta da Morte, para onde ele acredita que o seu alvo tenha ido e para onde ele mandou a alma que nós acabamos de ceifar, na esperança de que a energia contida nela fosse o suficiente para abri-la.




Infelizmente, essa enorme porta que fica à beira de um precipício só pode ser destrancada com uma quantidade gigantesca de Energia de Alma; para finalmente botar essa bagaça nos trilhos, o ceifador veterano nos indica três lugares onde encontraremos criaturas que já esticaram tanto seus prazos de validade que a energia combinada delas deve bastar. E lá vamos nós em uma tradicional jornada aventuresca.

Pela união dos seus gameplays, eu sou o Capitão Corvinho!

Conforme eu disse no começo da análise, o que foi progressivamente me dando cada vez mais certeza de que Death’s Door estava sendo uma experiência prazerosa foram as referências e inspirações que, ao menos pelas minhas próprias impressões, formam sua jogabilidade.

Alguns aspectos que compõem o universo da aventura do corvinho ceifador me lembram de um ou mais jogos e/ou franquias consagrados. Por exemplo: os parâmetros de movimentação do corvinho ceifador, em um ambiente com visual 3D e câmera 2D em perspectiva isométrica, me trouxeram à mente Enter the Gungeon (Multi), um clássico moderno também publicado pela Devolver Digital.




A exploração, típica de dungeon crawlers consagrados, remete a qualquer The Legend of Zelda que você já tenha jogado, até mesmo os inteiramente em 3D; por sua vez, o combate frenético, que inclui lutas contra subchefes e chefes nas quais imperam o aprendizado de padrões e o uso constante de esquivas, parece ter sido tirado diretamente de exemplos recentes, como Hollow Knight (Multi) e as obras da FromSoftware responsáveis por cunhar o gênero conhecido como soulslike.

Não é à toa que o jogo recebeu quase instantaneamente apelidos como Corvinho Souls, Pombo Souls, Birdborne ou seja qual for o seu nome favorito. Mesmo não sendo originário dos action-RPGs capitaneados por Hidetaka Miyazaki, o recurso de game design dos monstruosos e imponentes chefões inevitavelmente virou marca registrada desses títulos. E vamos combinar que Corvinho Souls é um baita de um nominho fofo, né?

Backtracking e colecionismo: ame-os ou deixe-os

A campanha de Death’s Door é majoritariamente linear e formulaica, mas isso não compromete tanto a qualidade do seu conteúdo. A ordem que devemos seguir para derrotar cada chefão é explicitada muito claramente desde o começo, com tradicionais bloqueios a outras áreas que evidenciam o único caminho disponível para que haja progressão na história.

Esses bloqueios vão sendo transpostos à medida que adquirimos feitiços que expandem nosso leque de opções de ataque à distância. Além do arco e flecha, que está disponível desde o começo, o corvinho ceifador aprende a soltar fogo, arremessar bombas e conjurar um gancho para alcançar pontos distantes.




Esses poderes representam muito mais do que simples ferramentas de combate. A cada novo feitiço obtido, novas possibilidades de exploração se abrem, o que leva a um ponto potencialmente divisivo, mas fundamental para o aproveitamento da experiência que o jogo propõe: o backtracking.

Pegando emprestado mais uma referência ou duas, o backtracking, termo que consiste em fazer o jogador revisitar certos locais de um game para acessar áreas previamente bloqueadas, tornou-se mais proeminente através das franquias Metroid e Castlevania (não à toa as duas que juntas forjaram o metroidvania), que lançam mão desse recurso como algo intrínseco à progressão, mas que também deixa à disposição caminhos opcionais para os mais ávidos por vasculhar cada pedacinho de um mapa geral.

Death’s Door segue essa linha, tanto barrando o jogador de ir por um caminho que não seja o do próximo chefe quanto salpicando cada subárea com ocasionais bloqueios que frequentemente te fazem pensar “ah, agora que eu tenho esse poder, posso voltar naquele lugar onde eu não podia entrar antes”.




Como eu disse anteriormente, esse tipo de decisão de game design não costuma ser uma unanimidade. Enquanto algumas pessoas amam de paixão a sensação de ir se tornando cada vez mais forte e retornar a locais fechados para ganhar acesso a eles e descobrir o que tem ali, outras absolutamente não suportam ter que ir e voltar a pontos repetidos por uma imposição do jogo.

Em Death’s Door, eu senti um pouco de cada. Em alguns momentos, me diverti resolvendo os puzzles recém-descobertos pela obtenção de um novo feitiço, principalmente quando consegui o gancho extensivo; em outros, apenas fiquei frustrado por explodir uma parede lá do começo da campanha e atrás dela haver apenas um orbe com Almas extras. É uma faca de dois gumes, mas no fim das contas o saldo foi positivo para mim.

Parte desse backtracking são as armas e objetos espalhados por aí. Cada uma das cinco armas tem parâmetros diferentes de dano, velocidade, quantidade de golpes e alcance; já os objetos, denominados “coisas brilhantes”, não vão muito além de meros itens coletáveis, com exceção de um ou outro penduricalho que se mostra útil em certas missões paralelas.




Ainda sobre parâmetros, a energia coletada das almas das criaturas abatidas não serve apenas para energizar as portas usadas pelos Ceifadores; ela é usada também como moeda para a compra de melhorias na força, destreza, agilidade e poder mágico. Os valores dos últimos upgrades são um pouco altos, incentivando um grinding em um nível que sinceramente não chegou a me incomodar.

Imortalidade: será que ela é tudo isso mesmo?

Death’s Door merece um destaque do ponto de vista narrativo, começando pelo bom humor através do qual o pós-vida é imaginado, com uma ambientação típica de escritório que inclui desde a burocracia até os funcionários de mesa irritados por coisas como a quantidade de papelada e colegas Ceifadores que não cumprem à risca as regras e protocolos.

Indo para um lado mais sério, as andanças do intrépido corvinho espadachim têm um importante foco em reflexões sobre o apego excessivo à vida, levando à ganância, desonestidade, orgulho desmedido, entre outras reações que são fruto do medo da morte. Muitas das figuras que cruzam o nosso caminho são indivíduos que, por diversos motivos, se recusam a deixar o mundo dos vivos, e é interessantíssimo ir descobrindo as especificidades por trás dessa negação tão comum no nosso cotidiano.




Felizmente, as discussões narrativas não param por aí. Temos outros temas complexos competentemente explorados ao longo de toda a aventura: dramas pessoais, desilusões amorosas, jornadas de autoaceitação, lutas por melhores condições de vida e por mudanças em larga escala são alguns dos assuntos muito bem abordados durante a jornada do nosso herói emplumado.

Complementando um gameplay e um enredo sublimes, está a trilha sonora. Quando se trata de música de videogames (de música no geral, eu diria), um dos instrumentos que me ganha sem qualquer esforço é o piano, e olha, o uso do piano na trilha de Death’s Door… Apenas recomendo uma conferida à parte do gameplay, até mesmo se você não tiver qualquer intenção de conferir o jogo em si.

Depois que lança, o indie vira corvinho e quer voar

Death’s Door não é absurdamente excepcional em termos de inventividade e originalidade dos seus conceitos de gameplay, sobretudo exploração e combate, mas a Acid Nerve soube usar muito bem as referências que já existiam no gênero para criar um produto com identidade suficiente para se destacar por méritos próprios.




Evitando entrar em território de spoilers, posso dizer que a história do corvinho ceifador em busca de consertar seu erro e restaurar sua imortalidade antes que seja tarde faz um ótimo trabalho narrativo, com personagens através dos quais é explorada uma multitude de temas, muitos dos quais estão presentes diariamente na nossa realidade.

Se você não é fã de backtracking, principalmente como um recurso de progressão, muito provavelmente sua experiência de jogo será afetada negativamente, mas ainda recomendo dar uma chance ao que eu considero um dos melhores títulos indies de 2021.

Prós:

  • Faz um uso muito competente de obras consagradas no gênero como materiais de referência principalmente no desenvolvimento do combate e da exploração;
  • Enredo excelente, com uma trama criativa e personagens interessantíssimos;
  • Os temas explorados na narrativa abordam muito bem assuntos delicados envolvendo a vida e a morte, além de dramas pessoais e bom humor;
  • A trilha sonora é uma obra-prima à parte, com faixas cuja presença de piano beira a perfeição.

Contras:

  • O backtracking como ferramenta constante e intrínseca à progressão pode afastar aqueles que não curtem o recurso.
Death’s Door - Switch/PC/PS4/PS5/XBO/XBX - Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: João Gabriel Haddad
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital

Apaixonado por jogos desde criança, principalmente pela Nintendo. Seja Indie ou AAA, os videogames vão estar sempre no meu coraçãozinho, com um espaço especial para multiplayers!
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google