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Análise: Chaos;Child (Switch): delírios na Era da Informação

Junto com o seu antecessor, Chaos;Child é um dos grandes jogos da franquia Science Adventure.

Embora Steins;Gate seja sua obra mais conhecida, a série Science Adventure, da Mages, conta com várias visual novels de alta qualidade. Um exemplo disso é Chaos;Child, que agora chega ao Switch junto com o seu antecessor, Chaos;Head Noah. Em um contexto contemporâneo, o título discute temas bastante atuais sobre a nossa relação com a informação, traumas coletivos diante de grandes catástrofes e a tentativa de se firmar como um indivíduo especial no meio da multidão.

A Era da Informação e os filhos do caos

Seis anos após os eventos finais de Chaos;Head, Shibuya passou por um árduo processo de restauração. Ainda que as suas estruturas físicas tenham sido restauradas e melhoradas, os efeitos da grande tragédia conhecida como “O Terremoto de Shibuya” continua a assolar quem estava presente naquele dia terrível.

Várias vidas foram perdidas, deixando algumas crianças órfãs e traumas muito difíceis de lidar. O protagonista, Takuru Miyashiro, é uma dessas pessoas impactadas severamente pelo ocorrido. Junto com outras crianças, ele morava em um orfanato particular, formando uma espécie de família até que um certo evento fez com que ele saísse de casa e fosse morar em um trailer abandonado em uma pracinha cheia de mendigos.

Como estudante da Academia Hekiho, Takuru é o presidente do clube de jornalismo. Embora a ideia desse grupo seja apenas gerenciar um jornalzinho da escola sem grandes pretensões, o rapaz tende a se aproveitar da sua posição para investigar coisas pelas quais tem interesse. Isso envolve prioritariamente casos bizarros que não seriam normalmente o foco desse tipo de publicação.

O que move Takuru é um desejo constante pela verdade em meio ao caos de informações no qual vivemos. Nesse sentido, uma das principais discussões de Chaos;Child está na nossa relação com a Era da Informação, mergulhados em uma enxurrada de notícias. A internet é uma excelente fonte de conhecimentos, mas também de desinformação e saber separar a verdade de mentiras e equívocos nem sempre é uma tarefa fácil. Basta pensar no fenômeno das fake news para entender quão atual e pertinente essa discussão é.

Diante de tantas informações, é muito comum que as pessoas acabem tendo ideias erradas sobre várias coisas. Na visão do protagonista, saber a verdade divide as pessoas em dois lados, fazendo com que o correto seja superior, um Right-sider. Com uma tendência arrogante, Takuru se enxerga como parte desse grupo, constantemente querendo demonstrar o seu grande conhecimento sobre as coisas. Porém, há mais elementos por trás dessa atitude do que simples soberba e esse desejo pela verdade acabará guiando o personagem a algumas situações de grande sofrimento.

O retorno da insanidade

Como alguém que quer sempre saber mais do que os outros, Takuru decide investigar uma série de casos de assassinato bizarros em Shibuya. Além da brutalidade das mortes, chama a atenção o fato de que elas estão ocorrendo nas mesmas datas de um grande caso de seis anos atrás: a New Generation Madness.

Esse é apenas o primeiro de vários elementos que servem de paralelo entre Chaos;Child e seu antecessor. A obra utiliza várias referências pequenas e até repete grandes elementos de desenvolvimento de personagens. Porém, de forma inteligente, o jogo consegue evitar ser apenas um repeteco do seu antecessor, explorando o novo contexto e brincando com essas conexões justamente para fazer com que o jogador que já conhece o anterior elabore teorias equivocadas com frequência.

Porém, vale destacar que boa parte da experiência ganha mais valor após jogar Chaos;Head e entender o contexto geral da franquia. Alguns elementos importantes da experiência são apresentados de forma muito curta, o que tende a deixar o jogador confuso, especialmente no final verdadeiro. Por conta disso e da presença de um puzzle baseado em se lembrar dos casos de Chaos;Head, é contraindicado jogar Chaos;Child sem um bom conhecimento do seu antecessor.

Além de todas as referências de história, vale destacar que Chaos;Child se utiliza do sistema de delírios positivos e negativos de Chaos;Head. A ideia é que, durante algumas conversas específicas, Takuru pode entrar em devaneio, levando-o a pensar em eventos que não acontecem de verdade. Uma vez concluída a primeira rota (que é fixa), o jogador precisará usar essa mecânica para explorar as várias histórias alternativas e alcançar múltiplos finais, incluindo o Silent Sky (final verdadeiro).

Vale destacar que a experiência pode ser bem pesada, pois os assassinatos são bastante violentos e gráficos. Reforçando isso, temos também um excelente emprego das ilustrações e da trilha sonora, tanto nos momentos mais calmos e tranquilos quanto nas cenas que envolvem um mergulho profundo nos mistérios sombrios.

Erros inesperados

Por conta da tradução de Chaos;Head Noah, há termos inconsistentes entre os dois.
Curiosamente, a edição de Switch de Chaos;Child é um pouco pior do que os lançamentos anteriores em alguns aspectos. Primeiramente, assim como em Chaos;Head Noah, não é possível usar a tela de toque, algo que estava presente na edição de PS Vita. Essa é uma funcionalidade considerada básica para esse tipo de jogo no console híbrido e a ausência é facilmente sentida.

Outro problema é o fato de que frases longas (geralmente, caixas com quatro linhas) causam a quebra dos sistemas de skip (pular textos, muito usada ao rejogar) e auto (passar automaticamente as caixas de diálogo). Esse problema, que também está presente em Chaos;Head Noah, reduz consideravelmente a utilidade desses sistemas, forçando o jogador a ter que reativá-los.

Por fim, há alguns problemas com os espaçamentos nas mensagens, deixando algumas palavras grudadas ou dando espaços adicionais nas linhas de forma claramente não-intencional. Esse defeito é bem frequente e especialmente chama a atenção em algumas frases que originalmente tinham um travessão nas edições de outros sistemas. A sensação é a de que apenas copiaram e colaram o texto em inglês sem nem olhar se haveria algum problema na nova versão.

Céu de ilusões

Chaos;Child
é um grande exemplo do potencial das visual novels. Com uma atmosfera sombria, a obra se apropria de conceitos de Chaos;Head para criar uma outra experiência moderna e impactante. Apesar da edição de Switch introduzir também alguns pequenos defeitos técnicos inexistentes nas versões ocidentais anteriores, trata-se de uma experiência imperdível para fãs de obras narrativas.

Prós

  • Discussão atual sobre a nossa relação com tecnologia e informação;
  • Mecânica de ilusões positivas e negativas adiciona camadas curiosas de experimentação às rotas;
  • Reviravoltas bem construídas tanto para veteranos da série quanto para novatos;
  • Ilustrações e trilha sonora de alta qualidade são empregados para construir as cenas e reforçar o tom envolvente dos mistérios.

Contras

  • Uma parte significativa da graça do jogo vem de elementos de Chaos;Head que são explicados muito por alto;
  • Não é possível usar a tela de toque;
  • Bug quebra o skip e auto em frases longas;
  • Ao contrário dos lançamentos anteriores, a versão de Switch acaba tendo defeitos frequentes de espaçamento.

Chaos;Child — Switch/PC/PS Vita/PS4 — Nota: 8.5
Versão utilizada na análise: Switch

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Spike Chunsoft


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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