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Análise: Life is Strange 2 (Switch) retrata as belezas e injustiças da vida de dois irmãos

A saga dos irmãos Diaz é uma experiência narrativa imperdível que chega ao Nintendo Switch.

Originalmente desenvolvida pela DONTNOD Entertainment (atual DON’T NOD) em parceria com a publisher Square Enix (detentora dos direitos da propriedade intelectual), a franquia Life is Strange é uma série de jogos de aventura narrativa que exploram elementos da cinematografia ocidental para contar histórias emocionantes baseadas em decisões difíceis.

Em comparação com o primeiro jogo, Life is Strange 2 traz novos personagens e contextos, focando-se na difícil vida de dois irmãos americanos descendentes de mexicanos. Diante de situações de injustiça, a vida deles muda para sempre, reforçando os seus laços como irmãos.

Dois irmãos em uma grande viagem

Em Seattle, dois irmãos e o seu pai viviam uma vida totalmente mundana. Sean Diaz era apenas um adolescente comum que estudava no ensino médio e estava precisando a cada dia mais do seu espaço. O seu irmão, Daniel, tinha 9 anos, uma idade complicada, e os dois discutiam com alguma frequência. Abandonados pela mãe quando Daniel ainda era pequeno, os dois viviam com seu pai solteiro, Esteban, que veio do México e trabalhava em uma oficina mecânica.

Embora a vida comum fosse às vezes entediante, Sean nunca poderia esperar ou desejar o que viria a seguir. Após uma grande tragédia, ele e o irmão acabam viajando juntos sem uma direção certa. Perdidos e com medo de um futuro que os separe, eles acabam em um determinado ponto pensando em ir rumo à cidade mexicana de Puerto Lobos.

Sem entrar em mais detalhes sobre a trama para evitar spoilers, cabe ressaltar que a jornada dos dois garotos não é nada fácil. Se fosse necessário usar apenas uma palavra para descrevê-la, não haveria opção melhor do que “injustiça”.

Para piorar a situação, é fácil sentir empatia pela situação em que eles se meteram. A atuação dos personagens como crianças em meio a decisões cruéis e um constante medo é bastante natural e a relação entre eles é construída de forma impactante. Há momentos bem singelos em que o relacionamento entre os dois protagonistas vem à tona de formas bem construídas.

Tópicos relacionados ao significado de família, a preconceitos diversos (com especial foco na xenofobia e no racismo contra latinos), à intolerância e à violência policial são uma parte importante da experiência. Nesse sentido, ao longo da jornada, Sean e Daniel encontram várias comunidades que servem de abrigo para pessoas de vários tipos enquanto procuram o seu lugar no mundo, sendo forçados a continuar seguindo em frente, mesmo encontrando pessoas maravilhosas que os apoiam.

Afetando o futuro

Como um jogo de aventura focado em narrativa, um elemento fundamental da experiência de Life is Strange 2 são as escolhas que o jogador pode realizar. Nem todas elas são apresentadas como tal, sendo especialmente o primeiro capítulo interessante em fazer com que o jogador possa se omitir de agir por não interagir com objetos e personagens.

Nem todas as ações têm consequências relevantes e há situações sobre as quais o jogador não tem controle. Assim como o protagonista é apenas um jovem tentando encontrar um rumo, a obra opta por alguns elementos lineares que reforçam a impotência do jogador diante da crueldade pela qual os personagens passam.

Um detalhe que chama a atenção é a escolha bem atípica de ter o protagonista como uma pessoa comum enquanto o seu irmão Daniel é quem tem poderes especiais (telecinese). Enquanto no primeiro Life is Strange tínhamos à nossa disposição uma grande habilidade que o jogo buscava mostrar a falibilidade em um dos seus momentos mais impactantes, em LiS2, o protagonista é apenas um guardião.

Somos capazes de influenciar parcialmente Daniel com as nossas ações, afinal, como irmãos, é natural que Sean seja visto como um exemplo. Dessa forma, tomar uma decisão moralmente questionável pode fazer com que a linha tênue do que é aceitável para Daniel mude, mesmo que o protagonista fale uma coisa diferente (o velho “Faça o que eu falo, não faça o que eu faço”). Ao longo de todos os capítulos, temos tanto Sean quanto Daniel como indivíduos cujas ações nem sempre se alinham da forma desejada.

Tudo isso é especialmente impactante pela fase da vida em que os dois estão. Daniel está crescendo e se tornando um rapazinho que quer ser reconhecido como uma pessoa capaz de tomar suas próprias decisões enquanto Sean, que só queria curtir a vida com sua amiga Lyla e outra garota por quem estava apaixonado, se vê forçado a assumir a figura de adulto responsável.

Para melhor refletir todo esse conceito, o jogo explora um design narrativo que pode ser considerado sob três óticas. Em vez de apenas focar em um conceito de “causa e consequência”, há também a “influência” de Sean sobre Daniel por meio de suas ações e palavras e uma visão de mundo centrada na “injustiça” que faz com que as coisas saiam totalmente do controle e voltem para uma certa trilha linear projetada pelos desenvolvedores.

Para que o jogador possa explorar as múltiplas possibilidades da trama, é possível usar o sistema de capítulos para voltar a um momento específico já visto. De forma inteligente, o jogo oferece a opção para guardar a nova jogatina em outro save antes de começar, tendo em vista o salvamento automático. Diálogos e cenas específicas também podem ser pulados para agilizar o processo.

Francamente falando, embora eu goste bastante do primeiro Life is Strange, a obra não chegou nem perto de ter o mesmo impacto emocional que tive com esta sequência. Mesmo com tantas situações pesadas e escolhas difíceis que eu considerava interessantes, o meu vínculo com os personagens era muito mais fraco. Mesmo que esse ponto seja totalmente subjetivo, gostaria de destacar que Life is Strange 2 é uma obra que eu francamente nunca esquecerei.

Alguns aspectos técnicos

A adaptação de Life is Strange 2 para o Nintendo Switch foi feita pela Dragons’ Lake, que também fez o mesmo trabalho para Life is Strange: True Colors e é, de forma geral, boa. Há alguns defeitos no carregamento de texturas, alguns pop-ins ocasionais e pequenos trechos de lentidão, mas os gráficos costumam ser adequados tanto no modo portátil quanto na dock.

Há um grande capricho na direção audiovisual, com personagens baseados em atores reais, animações bem detalhadas e normalmente suaves, assim como escolhas de câmera que ajudam na imersão da cena. Tudo isso ajuda a dar um tom realista no aspecto gráfico expresso pelo preciosismo da desenvolvedora nos detalhes, mesmo não chegando ao hiperrealismo dos visuais de ponta da geração atual. Em termos de som, há uma especial ênfase na expressão emocional das cenas tanto na trilha sonora quanto nas boas atuações vocais dos personagens.

Vale destacar também que Life is Strange 2 conta com legendas em português e a qualidade delas é fenomenal. O texto flui muito bem e as expressões e gírias utilizadas pelos personagens são adequadas ao seu contexto de vida. Porém, em alguns momentos, o jogo acaba pulando legendas, o que pode atrapalhar a experiência já que não há dublagem em português. As indicações de interação também só podem ser vistas com ângulos de câmera e posicionamentos específicos, o que pode dificultar um pouco encontrá-los.

Uma jornada emocionante

Life is Strange 2 é uma jornada emocionante, inesquecível e visceral por um mundo de injustiças, mas que também guarda muitas belezas. Trata-se de uma obra essencial para quem gosta de boas narrativas e se comove em especial pelo tópico família, sendo a versão de Switch uma boa forma de aproveitá-lo.

Prós

  • História emocionante envolvendo tópicos como família, xenofobia e violência policial;
  • Atuação dos personagens é natural e ajuda a criar momentos impactantes de profunda empatia;
  • Explora os conceitos de “consequência”, “influência” e “injustiça” em seu design narrativo ao separar protagonismo e poder especial em dois personagens ativos na trama;
  • Direção audiovisual caprichosa com escolhas cinematográficas que ajudam a fazer tudo parecer “real”, assim como músicas e atuações vocais que reforçam as emoções das cenas;
  • Excelente tradução para o português, que explora gírias joviais e expressões bem adequadas ao contexto;
  • Sistema de capítulos ajuda o jogador a explorar outras possibilidades e salvá-las separadamente.

Contras

  • Legendas ausentes em alguns momentos;
  • O carregamento de texturas e outros elementos gráficos acaba causando efeitos de pop-in;
  • Alguns trechos de lentidão;
  • Em alguns momentos, as indicações de interação podem ser difíceis de encontrar.

Life is Strange 2 — Switch/PC/PS4/XBO — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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