Discussão

Metroid Prime Remastered (Switch) e o papel de uma remasterização

A alta qualidade de Metroid Prime Remastered nos faz refletir sobre as expectativas de uma remasterização.

Atualmente vivemos em uma era na qual relançamentos de jogos antigos são bastante comuns. A ideia é muitas vezes aproveitar um grande clássico e permitir que um novo público tenha acesso a ele. Porém, algumas obras recentes como Metroid Prime Remastered (Switch) e CRISIS CORE –FINAL FANTASY VII– REUNION (Multi) nos levam a questionar os limites do que se deve esperar de uma remasterização.

Ports, remasters e remakes

Antes de entrar nos detalhes de Metroid Prime Remastered, é importante entender que existem três termos fundamentais para entender as diferenças entre relançamentos. Ao pegar um jogo já lançado anteriormente, a desenvolvedora pode fazer um port, um remaster ou um remake. Cada um desses termos tem um significado que deveria ser bem diferente.
A edição de Switch de Digimon World: Next Order é um exemplo de port.

Port é um termo da engenharia de software que diz respeito a adaptar um software para outro sistema computacional. Quando se fala de jogos, a ideia é a de fazer com que aquele jogo rode em outro console. Embora seja o método aparentemente menos trabalhoso, é importante ter em mente que existem custos variáveis aqui de acordo com dependências de hardware e possíveis más práticas de programação quando o jogo original foi criado.

Já a remasterização se refere ao ato de utilizar o código do jogo original como base, fazendo várias modificações para atualizar aquela obra. Em geral, o foco principal é modernizar os gráficos para que a obra fique mais bonita nas resoluções mais altas dos consoles novos. A expectativa é que seja exatamente o mesmo jogo, mas com uma nova roupagem.

Front Mission 1st Remake é um bom exemplo de como um "remake" pode tentar ser bem fiel.

Por fim, o remake envolve, como o nome em inglês implica, refazer o jogo de fato. Não basta aqui pegar o que já estava pronto, é necessário repensar a obra para as audiências mais novas. Esse processo pode levar a obra a desvirtuar drasticamente do original, oferecendo grandes mudanças de gameplay e história e formando o que é tecnicamente outro jogo com a mesma ambientação. Bons exemplos disso incluem Tales of Destiny (PS2), Metal Gear Solid: The Twin Snakes (GC) e FINAL FANTASY VII REMAKE INTERGRADE (PC/PS5).

Embora os termos tenham essas diferenciações, a verdade é que há distorções bem grandes dentro de suas propostas. Quando se fala de remasterização em especial, os recentes lançamentos de CRISIS CORE –FINAL FANTASY VII– REUNION e Metroid Prime Remastered acabam elevando a barra de expectativa do que seria ideal para os remasters.

O caso Metroid Prime

Imagem de comparação feita pelo portal IGN.
Metroid Prime é um jogo de ação e aventura com visão em primeira pessoa desenvolvido pela Retro Studios e lançado para o GameCube em 2002. A obra é um dos grandes clássicos do sistema e foi responsável por uma grande mudança de paradigma dentro da franquia de Samus Aran, dando origem a uma linha de jogos 3D amplamente reconhecidos por sua alta qualidade.

Com o futuro lançamento de Metroid Prime 4 no Switch, os fãs já especulavam há bastante tempo que teríamos algum tipo de relançamento desses clássicos. A princípio, os rumores apontavam para uma edição HD de Metroid Prime Trilogy, mas no lugar disso, recebemos uma edição remasterizada do primeiro jogo em um lançamento surpresa em fevereiro de 2023.
Comparação gráfica feita pelo canal ElAnalistadeBits.
Para além da questão do retorno de uma obra de alta qualidade, Metroid Prime Remastered também levou a várias reações de surpresa pelo nível de esforço que foi empregado para a versão de Switch. Comparativos entre as versões de GameCube, Wii e Switch mostraram que os gráficos foram retocados em um nível que não seria possível com um simples processo de upscaling (aumento da resolução gráfica através de algoritmos variados, como a interpolação). A qualidade gráfica levou algumas pessoas até mesmo a se questionarem se o jogo seria na verdade um remake muito fidedigno ao original.

A mesma situação foi vivenciada anteriormente com CRISIS CORE –FINAL FANTASY VII– REUNION, cuja qualidade gráfica em sua nova versão chega a ser chocante. Não é nem um pouco difícil notar a discrepância do jogo original no PSP com o remaster presente no Switch e vários outros sistemas. Para se ter uma noção, os gráficos in-game de Crisis Core Reunion são até melhores do que as cutscenes reaproveitadas do original com um competente upscaling.

Um mercado de qualidade discrepante

As melhorias gráficas de Silent Hill HD Collection ficaram infames entre os fãs. Imagem: Resetera
O que esses casos surpreendentes mostram na verdade é como o mercado já se acostumou a remasterizações mais modestas. Em especial para jogos de menor relevância, como aqueles que às vezes só são chamados pelas publishers de “clássico” pela idade, esses relançamentos com orçamento mais limitado às vezes são a única forma de deixá-los acessíveis ao público saudosista em plataformas modernas.

Ambas as publishers dos jogos que destaquei nesta matéria inclusive já lançaram também remasters mais modestos de outros títulos. Em comparação com The Legend of Zelda: Skyward Sword HD, por exemplo, Metroid Prime Remastered claramente envolveu bem mais esforço técnico dos desenvolvedores. Mesmo assim, o preço dos dois jogos não refletem esse custo, com o primeiro custando o preço cheio de um jogo novo (R$ 299,00) e o segundo, R$ 199,00. Kirby’s Return to Dream Land Deluxe é outro jogo que custa o preço cheio, mas também inclui novos conteúdos.
Comparação de The Legend of Zelda: Skyward Sword HD do canal ElAnalistadeBits e compartilhada pela NintendoEverything.

Já no caso da Square Enix, é pelo menos possível comparar os preços de forma mais razoável no que tange à proporcionalidade do custo de produção. Enquanto Crisis Core custa R$ 249,50, a edição Radical Dreamers de Chrono Cross é vendida a R$ 104,90. Preços similares são empregados para remasters mais modestos, como Saga Frontier Remastered (R$ 133,90) e FINAL FANTASY CRYSTAL CHRONICLES Remastered Edition (R$ 124,90).

Ao olhar o mercado como um todo é possível ver que existem produtos de qualidade bem discrepante, especialmente na questão gráfica. Existem jogos que fazem upscaling básico, o que às vezes deixa claro imperfeições de ilustrações 2D ou modelos com texturas muito borradas se não tiver um bom tratamento de pós-processamento. Já outros envolvem refazer vários objetos do jogo para dar a eles uma aparência mais nova.

Comparação de Final Fantasy Crystal Chronicles do Gamexplain compartilhada pela NintendoEverything.

Nesse processo, mesmo havendo uma perspectiva de “melhorar o original”, é importante ter em mente que a qualidade pode variar bastante. Por exemplo, pode ocorrer a troca de uma ilustração por outra, o que os fãs do estilo original podem considerar que fere o estilo artístico proposto originalmente. Nesse sentido, o uso de upscaling e filtros pode ser considerado ideal por alguns fãs mais puristas.

O mesmo tipo de tratamento também deve ser levado em consideração para a trilha sonora. Muitas vezes, quando se trata de um jogo antigo, as músicas sofriam efeitos drásticos de compressão. Com a remasterização, é possível utilizar uma versão não-comprimida, gravá-las novamente em maior qualidade ou até criar novos arranjos para explorar outros instrumentos e timbres que não podiam ser reproduzidos no jogo original.

Repensando a qualidade de vida

SaGa Frontier Remastered adicionou modo turbo, auxílios e até conteúdos cortados durante a produção original.
Outro elemento fundamental de se pensar em uma remasterização é a qualidade de vida. Ao trazer um jogo do passado para os jogadores atuais, é importante levar em consideração que as expectativas de gameplay são diferentes. Embora em casos extremos seja possível que adições de qualidade de vida permitam experiências muito destoantes da proposta original, a ideia é que essas adições opcionais podem lidar com alguns pontos considerados datados de uma obra por conta das evoluções do gênero ao longo do tempo.

No caso de vários RPGs, por exemplo, há adições como modo turbo para agilizar o gameplay baseado em turnos que muitos jogadores consideram lento, cheats para facilitar o combate e melhorias de interface. Dessa forma, a experiência pode ser simplificada para quem não tem tanto tempo para jogá-los por dezenas de horas atualmente.

No caso específico de Metroid Prime Remastered, essas melhorias de qualidade de vida também são um fator importante, mesmo o jogo já sendo de alto nível. O exemplo mais nítido disso são as opções de controle, que permitem reviver a experiência do título de formas similares às edições do GC ou do Wii ou usar o estilo já padrão de jogos 3D atuais (especialmente os do gênero FPS).

Da mesma forma, o jogo ainda conta com um sistema de dicas que ajuda jogadores mais novos a saber para onde ir, tendo em vista que a exploração pode ser confusa para quem está jogando um Metroid pela primeira vez. Como uma funcionalidade opcional, o jogador pode optar entre ter a experiência mais próxima do original desligando-a ou contar com esse apoio.

E onde se encaixa Metroid Prime Remastered nisso tudo?

Além da questão gráfica, que gerou vários comentários na internet, o que vemos em Metroid Prime Remastered é um grande cuidado em garantir que a experiência original seja preservada e ao mesmo tempo apresentada como um belo produto moderno. Ela entende que para novos jogadores os controles da época e a falta de direcionamento podem ser pontos negativos para a experiência, mas ao mesmo tempo esses fatores são parte do que veteranos amam do original e precisam ser preservados.

Nesse sentido, Metroid Prime Remastered é um jogo que apresenta uma visão clara de remasterização de qualidade. Enquanto alguns desenvolvedores e até mesmo publishers grandes como a própria Nintendo muitas vezes se contentam com a lei do mínimo esforço, reapresentar um clássico para uma nova geração não deve ser feito de qualquer jeito. O jogo abre precedente para cobrar mais qualidade em um mercado que abusa da boa vontade do consumidor-fã para vender algumas obras a preço cheio e/ou sem o devido cuidado. 

Revisão: Vitor Tibério


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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