Resenha

Sonic Prime: a segunda temporada ultrapassa a primeira e aposta na ação

Mesmo com poucas novidades, a nova leva de episódios continua a história, acelera a e diverte.


Os novos episódios de Sonic Prime têm algo em comum com Star Wars: O Império Contra-Ataca e O Senhor dos Anéis: As Duas Torres. Não, não quero dizer que o ouriço azul agora tem um clássico de cinema para a posteridade.

A semelhança está na estrutura: assim como acontece com os dois filmes mencionados, a segunda temporada da série da Netflix é a parte do meio de uma trilogia. É uma posição delicada que tem que mostrar seu valor mesmo sendo, por definição, desprovida da curiosidade do começo e do desenlace do fim.



Se você pensar que isso é comum no sistema de produzir séries em temporadas, considere que o caso de Sonic Prime é um pouco diferente porque foi planejada e produzida como um todo completo em 24 episódios. A divisão oficial em três temporadas ao longo de um ano diz muito mais do plano de lançamento do que da forma que a história é contada.

Enquanto uma temporada costuma formar um arco de história próprio, mesmo que ainda seja só uma parte do enredo maior, a primeira temporada de Sonic Prime (leia a resenha aqui) abriu a trama, mas não formou arco algum nem fechou qualquer linha narrativa, terminando seu último episódio de forma súbita. Se ficou parecendo que era mais uma transição entre episódios consecutivos do que entre temporadas é porque, na prática, é isso mesmo.



Dessa forma, a segunda temporada inicia diretamente de onde deixamos a primeira e encerra no ponto de passar o bastão à terceira. Seu papel é de mediadora entre o começo e o fim — popularmente conhecido como “desenvolvimento”. Esse papel é bem cumprido? Sim e não.

Segundo fôlego para correr mais longe

O que a segunda temporada tem de melhor está nas dinâmicas articuladas nos episódios, tanto na ação quanto nas interações. Começamos com um bom exemplo dessas duas facetas já no primeiro episódio, quando vemos o embate direto entre Sonic e Shadow. O ouriço preto confronta o azul em mais de uma maneira. Ele mostra os efeitos da atitude inconsequente do herói enquanto dá uma lição de velocidade e desce a pancada no rival. Tudo isso sem perder a razão e a pose.




Por motivos de roteiro, caberá a Sonic correr a maior parte da maratona para recuperar os Fragmentos e restaurar a ordem ao Frag-verso. Ele precisará pular sem descanso entre os mundos, encarar os representantes das cinco idades de Eggman que formam o Conselho do Caos e ainda gerenciar as intrigas com as múltiplas versões de seus amigos do peito.

Gostei quando a segunda temporada resolve dar uma sacudida e começa a fazer as variantes de Tails, Amy e Knuckles atravessarem as barreiras entre os mundos e darem de cara com suas contrapartes extradimensionais.

Esses encontros reforçam a justificativa para usar o conceito de multiverso na franquia Sonic, explorando o espelhamento das personalidades ao mesmo tempo parecidas e diferentes, bem como suas motivações que alimentam o vai e vem da briga pelos Fragmentos. De quebra, reforçam também a ação ao aproveitar a oportunidade de colocar duas Amy e dois Knuckles lutando em sintonia.




Tem filler? Tem, mas, a depender de quem assiste, pode ser perdoável porque sempre consiste de ação e mais ação. Como a segunda temporada não precisa frear para apresentar novos contextos, como foi com a primeira, seu ritmo tende a manter a celeridade, as batalhas e o risco constante de uma realidade sempre em jogo, sem tempo para historinhas paralelas. No fim de tudo, senti que poderia ter muito mais interações interdimensionais, mas isso parece ter ficado de carta na manga para a temporada final. Veremos.

Lá vem Green Hill de novo

Mesmo quando os novos episódios apostam na ação e acertam na diversão, é muito claro e relevante a quase total ausência de novidades. As partes do meio das histórias de Luke Skywalker e Frodo Bolseiro nos levam a novos lugares, novas caras, novos conhecimentos e novos perigos. A temporada mediadora da história de Sonic leva aos mesmos lugares de antes, com os mesmos heróis, mesmos vilões, mesmos recursos, mesmos efeitos cromáticos e mesmos objetivos: reunir os Fragmentos (que, no fundo, são apenas variações das boas e velhas Esmeraldas do Caos).




Isso pode ficar mais óbvio ao notar que os vilões do Conselho do Caos usam as mesmas armaduras de batalha e as cenas de luta invariavelmente abusam de ondas e mais ondas de Egg Forcers, os robôs amarelos que disparam tiros de blasters às centenas e erram quase tanto quanto os Stormtroopers. Também não são poucas as vezes em que Sonic detona uma porção deles com o homing attack, que vem da vertente tridimensional dos jogos do ouriço.

Posso até entender que a série já se comporta como quem tem excesso de personagens, deixando certas versões de heróis como meros figurantes sem espaço nem relevância. Isso acontece com o Tails da selva e o pirata, por exemplo. Por outro lado, acho um desperdício não trazer um ou outro personagem dessas três décadas de jogos de Sonic, como Silver, Blaze e Cream. O trio Espio, Vector e Charmy, em especial, combinaria bastante com o clima da série. Em vez disso, temos três versões de Big só para fazer volume no elenco.




Quem quiser ver o que é reunir o máximo de personagens da mascote da SEGA, criar novos indivíduos marcantes e nem chegar perto de perder o equilíbrio da narrativa, deve conferir a ótima história em quadrinhos Sonic The Hedgehog, escrita por Ian Flynn. Vários volumes já foram publicados no Brasil e eu escrevi aqui uma resenha do primeiro arco.

Para ser justo com Sonic Prime, um novo personagem entra no meio da confusão. Ele até aparece no trailer, mas não vou comentar aqui justamente por ser uma adição inesperada após tantos episódios de reciclagem. Também vale a menção de que Shadow, que antes fez apenas algumas aparições rápidas, agora vem à toda com papel de destaque em momentos importantes, o que pode ser considerado mais uma “mudança”, por assim dizer. Algo mais? Hã... Egg Forcers maiores contam? Não? Não.



O Império Eggman Contra-Ataca o Senhor dos Fragmentos

Veja bem, insisto nesses pontos fracos porque é impossível ignorá-los, mas até deles podemos enxergar bons frutos: como expliquei antes, mesmo sem inovar, a segunda temporada consegue entreter e sua ação dinâmica e revigorante tem mais peso que o senso de repeteco.

Até agora, Sonic Prime segue de perto o modelo de narrativa de três atos, famoso pela teorização de Syd Field em seu livro Manual do Roteiro, de 1979:
  1. Configuração: os atores entram no palco, os cenários são apresentados, os conflitos são armados;
  2. Confronto: a ação cresce, as relações são aprofundadas, os conflitos se agravam;
  3. Resolução: os nós das tramas são desatados, o clímax esclarece, o conflito é encerrado.


A primeira temporada dedicou-se à configuração do Frag-verso e os alter-egos da turma de Sonic. A transição propriamente dita foi deixada para o episódio inicial da segunda temporada, “Evite o vazio”, que tem muito mais cara de que serviria bem como fechamento da temporada inicial e, assim, evitaria o vazio deixado pelo fim súbito sete meses atrás.

Seguindo essa lógica, podemos supor que a terceira e última temporada de Sonic Prime também não apresentará muitas novidades, já que o seu trabalho é lidar com o que já existe. A trama está enredada, os nós foram feitos, os Fragmentos ainda ditam a disputa pelo controle da(s) realidade(s). Agora resta ver como a terceira temporada vai acelerar ainda mais para alcançar o destino final do Frag-verso.

Assista gratuitamente ao primeiro episódio da segunda temporada aqui.

Revisão: Vitor Tibério




Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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