Analógico

A importância de Dragon Quest IV: Chapters of the Chosen no cenário dos RPGs

O quarto título da série trouxe conceitos inovadores que seriam muito importantes para o futuro da franquia e do próprio gênero.

Em 1990, no Japão, a célebre franquia de RPG concebida por Yuji Horii atingiu um marco crucial com o lançamento de seu quarto capítulo para o Famicom: Dragon Quest IV: Chapters of the Chosen. No Ocidente, esse épico só chegou ao saudoso Nintendinho em 1992, rebatizado como Dragon Warrior IV.

DQIV não apenas triunfou nas vendas em sua terra natal, mas também introduziu conceitos inovadores e implementações que se revelaram fundamentais para o que viria a seguir, não apenas dentro da própria série, mas para o cenário dos RPGs como um todo.

Um elenco sólido é fundamental

Não é segredo que Dragon Quest é uma das sagas mais emblemáticas dos RPGs, desempenhando um papel fundamental na consolidação de muitos dos elementos que caracterizam esse gênero até os dias de hoje.

Embora os três primeiros jogos tenham estabelecido muitos dos aspectos da série, o quarto foi verdadeiramente inovador ao introduzir conceitos que se tornariam essenciais para o futuro da franquia.

Para compreender a grandiosidade de Chapters of the Chosen, é preciso mencionar sua estrutura narrativa única, ainda notável mesmo à luz dos padrões contemporâneos. Em DQIV, a história se desdobra em capítulos, cada um deles acompanhando um personagem distinto.

No primeiro arco, entramos na pele de Ragnar McRyan, um soldado em uma missão de investigação sobre o desaparecimento de algumas crianças; no segundo, conhecemos Alena, uma princesa determinada a explorar o mundo para provar sua força; o terceiro nos leva à trajetória de Torneko em busca de se tornar um grande comerciante e estabelecer sua própria loja; e o quarto concentra-se nas irmãs Maya e Meena, que buscam vingar a morte de seu pai.

Finalmente, na quinta parte, o protagonista silencioso se une aos personagens apresentados anteriormente em uma jornada épica para derrotar a ameaça que paira sobre o mundo: Psaro.

Essa divisão em capítulos não apenas diversifica a dinâmica de jogabilidade, mas também aprofunda a caracterização dos indivíduos que se unem ao herói. Em Chapters of the Chosen, os membros da equipe são humanizados, cada um com seus próprios anseios e objetivos, que são colocados em segundo plano diante da iminência de uma urgência maior.

Ao assumirmos o controle desses personagens individualmente, temos a oportunidade de explorar aspectos mais íntimos de suas personalidades, compreendendo mais profundamente suas motivações.

Acredito que um elenco sólido é um ponto crucial para a qualidade de um RPG, e Dragon Quest IV foi um dos primeiros a destacar essa importância. Ao apresentar um conjunto extenso e diversificado, o título permitiu que os jogadores selecionassem membros distintos para compor a equipe de quatro integrantes, baseando suas escolhas em preferências pessoais.

Além de exemplos mais óbvios como Octopath Traveler, podemos notar a influência dessa construção narrativa em outros jogos, como o excelente Final Fantasy IX (PS), que, em minha opinião, possui um dos grupos de personagens mais interessantes já vistos em RPGs. 

O nono FF não se divide em capítulos formais, mas em certas ocasiões, especialmente durante os dois primeiros CDs, conduz os jogadores a acompanhar os heróis separadamente, o que proporciona um espaço adicional para o desenvolvimento individual de cada integrante da equipe.

A clássica expressão de que a jornada é mais importante do que o destino revela-se especialmente aplicável aos RPGs, e essa trajetória torna-se incrivelmente satisfatória quando aliados de qualidade acompanham o protagonista, proporcionando diferentes pontos de vista, pensamentos, receios, formas de auxílio e companheirismo.

Em suma, ainda que os três primeiros Dragon Quests tenham introduzido muitos dos conceitos fundamentais dessa saga, foi em Chapters of the Chosen que o desenvolvimento da trama e dos personagens atingiu o nível característico da série. A partir dele, se tornou frequente sermos transportados para as vivências de pessoas interessantes e distintas que se unem para embarcar em uma aventura e alcançar um objetivo comum.

Antes dos grandes e famosos vilões, já havia Psaro

O aprofundamento dos indivíduos em Dragon Quest IV não se limita aos mocinhos, estendendo-se também ao antagonista Psaro. Ele transcende a caricatura do vilão genérico, revelando-se como um sujeito intrigante com um plano bem elaborado e razões palpáveis para sua aversão à humanidade.

Embora ele demore um pouco para aparecer pessoalmente, suas ações estão presentes desde o primeiro capítulo, influenciando tudo o que acontece durante a campanha e motivando os heróis a se unir ao protagonista na missão de evitar uma catástrofe iminente.

No entanto, à medida que o enredo revela camadas mais profundas desse indivíduo, torna-se impossível mergulhar em Chapters of the Chosen sem desenvolver uma empatia peculiar por Psaro. Felizmente, ele recebeu um desfecho mais agradável no sexto capítulo, que foi introduzido nos remakes para PlayStation, Nintendo DS e dispositivos móveis, constituindo um presente significativo para os jogadores que se afeiçoaram a ele.

A relação desse personagem com a adorável elfa Rose desempenha um papel crucial ao mudar e influenciar muitos dos eventos que ocorrem no jogo. Essa dinâmica revela que ele não é apenas um sujeito qualquer com o simples desejo de destruir o mundo, mas alguém com pensamentos e sentimentos.

Embora o trabalho no desenvolvimento do antagonista possa não parecer tão impressionante nos dias de hoje, dado que atualmente existem diversos jogos que desempenham bem esse papel, é importante lembrar que estamos falando de uma obra lançada em 1990.

É fascinante observar como Chapters of the Chosen antecipou elementos que se tornaram padrões em muitos RPGs posteriores. Antes de grandes vilões, como Sephiroth, apresentarem diferentes fases durante uma batalha final e motivações criadas por experiências pessoais profundas, Psaro já havia protagonizado esse tipo de construção.



De suma importância para o surgimento de alguns spin-offs

Dragon Quest IV também se destacou por inovações surpreendentes nas mecânicas de gameplay. Nesse sentido, o terceiro capítulo, centrado em Torneko, introduziu uma abordagem única, colocando como objetivo principal a acumulação de riqueza para o desenvolvimento de uma loja.

O carisma desse personagem e o conceito de enriquecimento para a criação de um comércio foram influentes para a produção do primeiro spin-off da franquia: Torneko's Great Adventure: Mystery Dungeon (SFC). Nele, o jogador controla o amável comerciante para se aventurar em masmorras a fim de encontrar itens para seu armazém.

A boa recepção desse título fez com que sua desenvolvedora, a Chunsoft (atual Spike Chunsoft), continuasse investindo nesse gênero, marcando o início da prolífica série de jogos Mystery Dungeon, cujas produções mais notáveis incluem a subsérie de Pokémon.




No que diz respeito às batalhas, Dragon Quest IV apresentou outra característica notável: a automatização dos membros da equipe por inteligência artificial. Nesse sentido, o jogador controla diretamente apenas o protagonista, definindo comportamentos gerais para os outros aliados, como foco em ataques ou curas.

Além de ser reutilizada nos títulos posteriores da sequência principal e influenciar na criação de outros sistemas, como o gambit do excelente Final Fantasy XII, essa mecânica foi fundamental para o desenvolvimento de outra saga spin-off: a Monsters. Embora a ideia de recrutar e utilizar criaturas em combates tenha aparecido em Dragon Quest V, a definição de táticas automáticas é uma herança direta de Chapters of the Chosen.

Essa função de comandos gerais desempenha um papel crucial nos jogos dessa subsérie de monstrinhos, sendo a única forma de instruir os bichos durante os confrontos dos torneios que frequentemente aparecem nesses títulos.


Um RPG de valor inestimável

Se hoje em dia temos uma infinidade de personagens extremamente carismáticos e um sistema de automatização de combate muito eficiente nos jogos mais recentes desta franquia e de muitas outras que se inspiraram em sua inesgotável fonte, muito disso se deve ao que foi feito em Dragon Quest IV: Chapters of the Chosen

Esse título não apenas solidificou seu lugar como uma joia inestimável nos anais dos RPGs, mas também forjou um caminho inovador para o futuro da série, além de abrir espaço para o surgimento de excelentes spin-offs.

Revisão: Davi Sousa

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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