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Análise: Astlibra Revision (Switch) é um diamante brilhante e imperfeito no universo dos RPGs de ação

Desenvolvido ao longo de mais de uma década, aqui está um título que não deve ser menosprezado pelos fãs de ARPGs.

Quando surgiu a oportunidade de analisar Astlibra Revision, uma das primeiras coisas que me chamou a atenção foi a quantidade de elogios que o jogo coleciona no Steam desde 2022, ano em que foi lançado para a plataforma da Valve. Com tamanha — praticamente unânime — aprovação popular, confesso que foi difícil não me empolgar para jogar esta versão de Switch, lançada no final de novembro e exclusiva do console da Nintendo até o momento.


Agora, após um bom tempo com o título, devo dizer que aqui está um ótimo exemplo da expressão em inglês “hidden gem”, que pode ser traduzida como “joia escondida” e é usada, no mundo dos games, para descrever bons jogos que podem acabar passando despercebidos no calendário de lançamentos. Confira a análise!

A jornada do herói… 

Como tantos outros jogos do gênero, Astlibra Revision nos coloca no papel de um herói sem nome em sua jornada pessoal. Tudo começa na noite em que o pacífico vilarejo onde você mora é atacado por demônios gigantes.

Cercado pelas horríveis criaturas e prestes a sofrer um ataque letal, você desmaia e acorda sozinho em uma misteriosa cabana, no meio de uma floresta aparentemente impenetrável. Sem qualquer recordação sobre o que aconteceu desde o ataque, as suas únicas pistas são um laço branco — deixado pela menina que estava ao seu lado naquela fatídica noite — e um corvo falante (também desmemoriado) chamado Karon.

Mas o que houve com a menina? E com a sua vila? Como você e Karon chegaram ali e por que ambos não conseguem se lembrar de nada do passado? 

Essas e muitas outras perguntas são respondidas ao longo de uma jornada de mais de 30 horas de duração e que acaba convidando o jogador a refletir sobre temas complexos, como o tempo, o destino e as diversas consequências de nossas escolhas.

Sem entrar no campo de spoilers, posso dizer que valeria a pena jogar Astlibra mesmo que fosse só para acompanhar sua história, que se prova instigante e envolvente em seus contínuos mistérios e reviravoltas. O mais legal, porém, é que esta não é a única qualidade deste RPG, que também consegue impressionar em outras áreas fundamentais, como o sistema de combate.

…construída ao longo de mais de uma década

Astlibra é uma obra destacadamente autoral, produzida de forma independente ao longo de quatorze anos pelo desenvolvedor japonês KEIZO e lançada de forma episódica como freeware durante esse período.

Nesta versão “Revision”, que pode ser considerada tanto uma remasterização quanto uma “versão do diretor”, os personagens e alguns dos monstros foram desenhados pelo ilustrador Shigatake, famoso pelo trabalho em obras como Dragon’s Crown e Ragnarök Online. Além disso, também houve a contribuição do artista Haku Tatsufuchi e a revisão de vários elementos do sistema de combate em comparação com a versão gratuita que foi distribuída no Japão.

Ainda assim — e até para ajustar as expectativas — é preciso alertar que as raízes indie (e até determinado ponto, amadoras) do título continuam bem visíveis. Um exemplo crucial são os gráficos e animações, que, apesar do estilo retrô, decepcionam quando comparados a outras obras recentes e inspiradas nas estéticas do passado, como Blasphemous 2 e Sea of Stars. Infelizmente, o mesmo pode se dizer de algumas mecânicas; voltarei a elas em breve. 

A arte da guerra em 2D

Na prática, Astlibra Revision pode ser definido como um híbrido de RPG de ação e metroidvania. Ao longo de cada novo capítulo — uma herança da natureza episódica do lançamento original — você tentará descobrir o que aconteceu na noite em que seu vilarejo foi atacado, o que envolverá explorar lugares, ajudar pessoas em apuros, derrotar hordas de demônios e melhorar seus equipamentos para enfrentar desafios cada vez mais difíceis em cenários 2D.

O combate ocorre em tempo real e é, de longe, o grande destaque do jogo. Machados, espadas e cajados, por exemplo, são alguns dos vários itens equipáveis que você encontrará ao longo da sua jornada, e todos são distintos o bastante para favorecer a experimentação e acomodar diferentes estilos de jogo. 

Novas habilidades, como golpes aéreos e combos, também são constantemente introduzidas, criando diversas possibilidades para encarar os oponentes, que podem chegar a ocupar mais da metade da tela em momentos verdadeiramente épicos e extasiantes, como no caso dos chefes.

Algo muito interessante aqui é que há uma grande ênfase na ofensividade: conjurar magias concede alguns importantes frames de invencibilidade, mas, para poder usá-las, você precisa primeiro preencher a barra de ST que fica na parte inferior da interface, algo que só pode ser feito por meio dos golpes normais.

Com isso (e como a maioria dos bons RPG de ação), Astlibra convida o jogador a ir para cima dos inimigos, estudando seus padrões e dominando os recursos à disposição para poder triunfar. 

Só não espere moleza ou um passeio no parque: mesmo na dificuldade mais branda (há, surpreendentemente, seis opções disponíveis), o protagonista não terá vida muito fácil. Também não se assuste se alguns embates demorarem vários minutos para se resolverem, mas que fique bem claro que eles nunca deixam de ser divertidos.

Cadê o detonado?

Se você, assim como eu, tem se frustrado com as más adaptações de jogos para o Switch, pode ficar tranquilo, porque não é o caso aqui. Astlibra Revision apresenta imagens perfeitamente nítidas tanto no modo TV quanto no modo portátil do console, e a taxa de quadros também se mantém estável e fluida mesmo com muitos elementos gráficos na tela ao mesmo tempo, o que torna a experiência ainda mais agradável.

Também devo tecer um elogio à trilha sonora do game, que cumpre seu dever com pompas e acaba tornando todas as cenas e eventos, dos dramas aos combates, mais intensos. Sem dúvidas, aqui está um daqueles títulos que vale a pena jogar com fones de ouvido ou em uma TV com um bom sistema de som.

Agora, como nem tudo são flores, Astlibra peca em alguns pontos. Os ocasionais, mas presentes, saltos abruptos de dificuldade podem incomodar (o primeiro chefe é um exemplo disso), e alguns eventos que forçam o protagonista a ir e vir do mesmo ponto do mapa sucessivas vezes poderiam ser removidos sem fazer falta alguma para a aventura, falhando em justificar sua existência em uma versão que leva a alcunha de “revisada”. 

Porém, acredito que o verdadeiro problema está nos puzzles confusos. Alguns enigmas (não todos) exigem que o jogador se lembre de frases específicas de diálogos ou de determinados eventos da história para poder avançar, mas com tamanho nível de especificidade não é raro se perceber travado e sem pista alguma do jogo sobre como prosseguir.

É o tipo de escolha criativa que fazia sentido nos jogos das décadas de 1980 e 1990, mas que, em 2023, já não funciona tão bem assim. Sendo perfeitamente sincero, temo inclusive que uma parte considerável dos jogadores desista do título logo cedo, ao se deparar com essas barreiras artificiais, e perca uma aventura que vai ficando melhor e mais envolvente a cada novo capítulo. 

Para piorar, não há suporte ao português brasileiro, o que torna praticamente impossível completar o jogo sem a ajuda de um detonado caso você não domine outro idioma, como o inglês ou o japonês. Uma pena, mas, com um novo DLC em produção, fica a expectativa que essa questão seja revista eventualmente.

Um diamante imperfeito, mas que merece ser notado

Mesmo com as pontuais observações acima, Astlibra Revision é, para mim, uma das grandes surpresas recentes. Pouquíssimas vezes me deparei com um jogo parecido; a cada novo capítulo, fica claro que aqui está a obra da vida de um desenvolvedor apaixonado pela sua criação. 

Seja pelo desenrolar da narrativa, pelo ótimo sistema de combate ou pela trilha sonora surpreendentemente emocional, temos um título que merece ser conferido, especialmente por fãs do gênero. Um ou outro deslize não é o bastante para retirar o valor deste diamante que, mesmo imperfeito, é brilhante o suficiente para se destacar no universo de bons jogos deste ano.

Prós

  • História instigante, que prende o jogador em meio às suas várias reviravoltas;
  • Combate divertido e responsivo, com foco na ofensividade;
  • Repleto de momentos épicos com chefes extraordinários;
  • Diversos itens e habilidades acomodam vários estilos de jogo e minam a sensação de repetição;
  • Sem problemas técnicos no Switch.

Contras

  • Ocasionais saltos abruptos no nível de desafio podem incomodar;
  • Os gráficos e animações poderiam ter sido melhor trabalhados nesta revisão;
  • Puzzles confusos e ausência de dicas in-game podem frustrar jogadores;
  • Ausência de suporte a português brasileiro.
Astlibra Revision — PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela WhisperGames

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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