Crônica

WarioWare: Move It! (Switch) não foi totalmente feito para mim, mas quis jogá-lo mesmo assim

Minha experiência com a coletânea de microjogos reforçou minha crença na importância da acessibilidade nos videogames.

Imagem de Daniel Morbi, um homem branco de cabelos e barba pretos, segurando um Nintendo Switch com a tela do jogo WarioWare: Move It! em uma mão e com um Joy-Con amarelo preso à outra mão com uma munhequeira. Ele tem um dedo em cada mão.

Jogar games é algo que faz parte da minha vida desde que eu era criancinha. Mas, curiosamente, foi só no último ano que comecei a refletir sobre a acessibilidade nos títulos que eu experimento.



Para quem me conhece somente pelas palavras neste site, eu tenho uma deficiência física nos braços. Eles ficam permanentemente dobrados a uns 45º e, em cada mão, possuo somente um dedo.

Essa má formação significa que eu tenho que me adaptar de maneira improvisada aos controles que ficam cada vez mais complexos e extravagantes com o tempo. Aos trancos e barrancos, com o pé, queixo ou outras partes do corpo, consigo fazer o que os jogos exigem de mim.

Por favor, não encarem isso como “força de vontade”, “superação” ou “exemplo”. Essa, na realidade, é uma forma de burlar um sistema que não pensa nos diferentes tipos de corpos na hora de criar jogos.

Por causa disso, posso contar nos meus (dois) dedos as vezes em que me senti impedido de jogar algum título. De uma maneira ou de outra, lá estou eu, concluindo desafios virtuais da melhor forma possível.

Até que chegou WarioWare: Move It!...

Lá vêm as dificuldades

Em minha análise do game, comentei sobre sua falta de acessibilidade ao se basear quase que totalmente em controles de movimento.

Não vou ser hipócrita e fingir que fiquei surpreso com essa constatação. Na verdade, já conseguia ver esse problema surgindo meses atrás.

O trailer de revelação do jogo, publicado lá em junho, não ativou alertas muito grandes para mim. Afinal, ele só mostrava que, para jogar esta nova edição da franquia, seria necessário somente mover-se em diferentes poses com os Joy-Con.
Para esse tipo de jogabilidade, as munhequeiras que minha mãe fez para que eu pudesse segurar baquetas ajudam perfeitamente. É só prender um Joy-Con em cada mão, assim como fiz para analisar Fitness Boxing ou outros jogos de movimento. Até então, só sucesso.

Mas o trailer de setembro acendeu uma luz amarela ao mostrar poses que envolviam soltar os controles em meio à partida ou, pior, fazer gestos para a câmera infravermelha do Joy-Con esquerdo.
Nesse momento, bateu a suspeita de que o jogo iria me deixar na mão, sem trocadilhos. Se esses elementos da gameplay fossem muito intransigentes, era capaz que não conseguisse aproveitar 100% deste novo título.

Mas, se a minha vida de adaptação aos videogames me ensinou algo, é que sempre há uma margem de manobra em jogos com movimento. Ou seja, o game até pode dizer que os controles devem ser mexidos de uma maneira específica, mas, na realidade, qualquer sacudida serve.

Foi assim que eu consegui aproveitar WarioWare: Smooth Moves, um dos meus títulos favoritos de Wii e da franquia inteira. Então, sabendo que dificuldades viriam ao experimentar Move It!, a questão não era “se” eu conseguiria jogá-lo, mas sim “o quanto” isso seria possível. Por isso, decidi analisá-lo.

Início fácil

Com a cópia de review instalada em meu Switch e os Joy-Con presos em minhas mãos, comecei a explorar o Modo História.

No início, não senti dificuldades. O nível de introdução conta com uma pose simples, em que os Joy-Con ficam na vertical e os botões SL e SR voltados para a tela. Nele, os microgames exigem movimentos bem compreensíveis e, quando algo não dá certo, é notável que a culpa está no design e não na acessibilidade.

Imagem de WarioWare: Move It! que mostra a pose Choo Choo, em que uma pessoa segura os Joy-Con na vertical, com os botões SL e SR voltados para a tela, com os dedões sobre os botões ZL e ZR.


Conforme fui avançando, no entanto, as posições foram ficando mais complexas e, com isso, me adaptar tornou-se necessário, como no joguinho do moedor de pimenta, que demanda torcer os punhos segurando um Joy-Con acima do outro na vertical. Ou no de torcer roupas, cujo movimento é o mesmo, mas segurando os controles lado a lado horizontalmente.

Realizar essas ações rapidamente não é fácil para mim, então balançar as mãos de maneira improvisada acabou sendo a estratégia mais eficaz. Às vezes, ela funcionava. Em outros momentos, não. Mas, mesmo assim, não me senti muito prejudicado na experiência.

As adaptações também surgiram em atividades que exigiam largar os Joy-Con ou colocá-los em uma superfície plana. No primeiro cenário, bastou eu abaixar minhas mãos para registrar o movimento. No segundo, apoiar os controles em um móvel, como uma cama, permitiu que jogasse sem ter que tirar a munhequeira.

Câmera sem ação

Porém, logo começaram a aparecer os microgames impraticáveis ou impossíveis de vencer.

O primeiro deles envolvia equilibrar uma pilha de cascas de coco em uma bandeja. Quando seguro os Joy-Con com a palma da mão virada para cima, os acessórios acabam ficando levemente curvados para dentro, impedindo um equilíbrio perfeito nos níveis mais difíceis e ocasionando uma derrota atrás da outra.

No entanto, a frustração bateu de verdade quando surgiram os famigerados games que usam a câmera infravermelha. Como esperado, não consigo jogar os que desafiam as pessoas a fazer diferentes gestos com as mãos para ganhar uma disputa de Pedra, Papel, Tesoura ou mostrar com os dedos quantos enfeites há em um bolo, por exemplo.

Em meu espírito burlador, até tentei exibir fotos de mãos para a câmera, mas como ela detecta somente objetos que emitem calor, essa alternativa foi por água abaixo. Ou seja, nesses microgames, perder é a única opção.

Imagem de microgame de WarioWare: Move It! em que o objetivo é ganhar no Pedra, Papel, Tesoura.


Consequentemente, tive que torcer para que essas atividades não entrassem na rotação de microjogos e me fizessem perder vidas injustamente. Não preciso dizer que esse não foi o caso na maioria das vezes.

Muitas partidas resultaram em game over. Mas, pelo menos, os desenvolvedores acrescentaram uma criativa opção de continue que me permitiu avançar no jogo. Bastava imitar uma pose inusitada com os controles por três segundos para voltar com toda a energia recuperada.

Porém, mesmo assim, foi decepcionante ser punido simplesmente pela minha condição. Pelo restante do Modo História, senti-me apreensivo, como se mais joguinhos fossem surgir a qualquer momento para reforçar essa exclusão. E, infelizmente, foi o que aconteceu.

Botões e apertos

Enquanto experimentava Move It!, achei curioso que nenhum dos microgames estava exigindo apertar botões ao realizar as poses. Smooth Moves fazia isso frequentemente e, por um momento, acreditei que esse não seria o caso nesse jogo de Switch. Estava bem enganado.

Eventualmente, o título introduz o desafio de pressionar comandos durante os minijogos. Devido à maneira como os Joy-Con são segurados, acreditei que não seria necessário apertar nada além de ZL, ZR, L e R. Afinal, games como ARMS são assim.

No entanto, WarioWare também coloca os botões SL e SR para jogo. E isso complicou as coisas. Estando com os controles presos nas munhequeiras, eu consigo facilmente acessar os shoulder buttons e gatilhos, mas os botões dos trilhos dos Joy-Con ficam distantes dos meus dedos, tendo que ser acionados com meu queixo.

Imagem de microgame de WarioWare: Move It! em que é necessário apertar botões dos controles para simular a digitação em um teclado de computador.


No calor dos níveis em velocidade frenética, é difícil realizar isso de maneira precisa, principalmente nos joguinhos que requerem que os botões sejam pressionados em uma ordem específica ou simultaneamente. Novamente, perco vidas pela falta de acessibilidade e a decepção aparece.

Acessibilidade é para todos

Ao concluir a campanha de WarioWare: Move It!, cheguei à resposta da dúvida que me fez embarcar em sua análise. Quanto eu consigo aproveitar desse jogo? O suficiente para me divertir, mas não o bastante para me sentir incluído pela sua gameplay.

Como expliquei na minha review, o game tem seus seus momentos agradáveis e engraçados, assim como problemas que fogem ao âmbito da acessibilidade. Mas estaria sendo omisso se não apresentasse a minha experiência com o título sendo pessoa com deficiência. 

Acredito que outras PcDs, cada uma com suas particularidades, também terão dificuldades diversas, pois o game não pensa na variedade motora dos jogadores.

Na análise, ao sugerir que o título desse a opção de selecionar os microgames que farão parte dos níveis ou adaptasse seus controles de movimento para botões, como forma de equilibrar a jogabilidade, um dos comentários que recebi foi que isso tiraria a graça do jogo.

Minha resposta é outra pergunta: tiraria a graça para quem? Igualar as condições de jogabilidade de um game não significa adicionar ou remover recursos para prejudicar certos grupos de pessoas. É, na verdade, trazer o máximo de condições para que todos possam se divertir.

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli

Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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