Análise: Fitness Boxing (Switch) é feito para quem — e somente quem — quer se exercitar

Jogo traz atividades inspiradas no boxe ao som de músicas pop, mas não se aprofunda o suficiente para ser considerado mais que uma plataforma de exercícios físicos.

em 25/01/2019

Depois de um período de vacas magras com o Wii U, a Nintendo vê um atual ressurgimento de seus consoles de mesa com o Nintendo Switch. O hardware híbrido e seus títulos continuam vendendo bem. Comparações com o Wii, plataforma de mesa de maior sucesso da empresa, são inevitáveis. A própria Big N está buscando atingir, com o Switch, o mesmo público que abraçou seu produto de duas gerações atrás: pessoas que não costumam jogar com frequência.


Dentro dessa lógica, o lançamento de Fitness Boxing para o console faz sentido. Desenvolvido pela produtora Imagineer, o primeiro game publicado pela Nintendo no Ocidente em 2019 tenta capitalizar com a linha de títulos causais que promovem a prática de exercícios físicos, como os que encheram o catálogo do Wii na época. Na verdade, o jogo é uma espécie de retomada da série Shape Boxing, iniciada no Wii em 2008.

Assim como esses softwares de 10 anos atrás, o foco do game de Switch é oferecer, a usuários mais adultos, uma série de rotinas musculares e cardiovasculares usando controles de movimento. Esse objetivo, ele cumpre bem. Porém, diferentemente de alguns jogos do gênero, não há uma diversidade de modos e atividades que estendam seu divertimento, limitando-o a um razoável instrutor digital de boxe.

Suando a camisa

A principal característica do título é a possibilidade de praticar vários movimentos de boxe ao som de músicas pop conhecidas. Para isso, são misturados aspectos de vários tipos de games. Para desferir os socos, segura-se um Joy-Con em cada mão, assim como em Arms e similar ao mini game de boxe em Wii Sports. Os golpes precisam ser desferidos nos ritmos das canções, em um sistema parecido com o de jogos de música como Guitar Hero e Rock Band.

Já a estrutura geral do jogo lembra a de Brain Age. O modo principal consiste em exercícios diários. Eles podem ser customizados pelo usuário, que decide a duração da sessão, qual parte do corpo quer trabalhar e se quer treinos focados em musculação, em queima de calorias, ou em manutenção da condição física. Após cada atividade, o game estima a quantidade de calorias queimadas usando como base informações de peso e altura inseridas pelo jogador e lhe dá um Fitness Age dependendo de sua performance.
Acerte os socos assim que passarem pelos alvos.

Além disso, é possível realizar as rotinas que compõem os exercícios diários separadamente, escolhendo a música de acompanhamento. Cada um é dedicado a trabalhar socos e defesas específicas. Jabs, cruzados, ganchos, uppercuts e diferentes esquivas e bloqueios estão integrados às dinâmicas, que possuem dois níveis de dificuldade e duas velocidades diferentes. É uma boa quantidade de ações disponíveis, colocando todo o corpo para se mexer.

No entanto, é possível burlar as regras do jogo e realizar tudo sem esforço. Os Joy-Con somente detectam movimento e não diferenciam os golpes distintos. Portanto, ficar deitado só sacudindo os controles é uma opção. Porém, quando se coloca empenho, as atividades realmente exercitam. Jogando diariamente por duas semanas, não foram poucos os momentos em que acabava com o suor escorrendo pela testa, os músculos quentes e o corpo todo dolorido na manhã seguinte. Se a meta é garantir a atividade física do dia, o game é um bom aliado e, até o momento, o único que oferece esse tipo de experiência no Switch.

Mantendo o ritmo

As canções que dão o tom dos treinos atingem bem o público jovem adulto a que o jogo se dirige. São 20 versões instrumentais de músicas como Bad Romance, Born This Way (Lady Gaga), Moves Like Jagger, Sugar (Maroon 5), Call Me Maybe (Carly Rae Jepsen) e Baby (Justin Bieber). Há também composições dos anos 80 e 90 para os mais nostálgicos. É uma boa compilação em que, pelo menos, se conhece a música ou se conhece o artista.
É possível criar uma playlist de músicas favoritas para ouvir na hora do exercício.

De início, causa estranheza todas serem instrumentais. Porém, quando se entende seu papel, passa a ser compreensível. Diferentemente de outros jogos de ritmo, os desafios não são construídos em volta da música. O contrário acontece: os exercícios são fixos e as canções servem somente como plano de fundo enquanto o treinador digital passa os comandos. São como se fossem a música ambiente que toca na academia. A única diferença é que elas ditam o ritmo das atividades.

Dessa forma, todas elas possuem praticamente a mesma batida para poderem ser usadas nos 27 diferentes treinamentos individuais. Isso pode ser bom e ruim ao mesmo tempo. Alguns programas se encaixam perfeitamente com certas músicas, fazendo com que o exercício se torne prazeroso. Porém, há situações em que os socos não combinam muito com a canção, ficando meio descompassados. Além disso, pode acontecer de o momento mais silencioso de uma composição cair bem no meio dos socos, tornando difícil manter o ritmo. Isso atrapalha na hora de realizar as ações na ocasião certa. Mas não é só isso que atravanca o gameplay.

(Des)controle de movimentos

Como já dito, é fácil fingir que se está fazendo combinações de jabs e cruzados somente chacoalhando sem propósito os Joy-Con. Porém, mesmo quando há dedicação em seguir as regras do game à risca, os controles de movimento são capazes de deixar o jogador na mão em algumas situações.

Apesar de funcionarem bem na maioria das vezes, ocasionalmente se tornam instáveis. Em uma sequência de socos, um deles pode sair fora do ritmo, ou até mesmo não ser registrado, porque os sensores não captaram o movimento direito. O mesmo movimento que, segundos atrás, garantia golpes perfeitos. Também acontece do Joy-Con reconhecer a ação ao voltar para a posição de guarda ao invés de na hora do soco.
Dois jabs em sequência. O primeiro sai perfeito. O segundo, fora do ritmo.

Mas o pior cenário é quando ocorrem socos involuntários. Se duas investidas precisam ser realizadas uma em seguida da outra com a mesma mão, é bem provável que, ao desferir o primeiro golpe, o jogo use esse movimento também para o segundo. Ou seja, o primeiro soco sai perfeito, mas o segundo sempre sai fora de ritmo. Além do mais, o game pede que se mova o corpo na cadência das músicas. Às vezes, só o ato de mexer o corpo para frente e para trás pode acionar os sensores, provocando erros e diminuindo a pontuação final.

Variedade, sim

A sorte é que, mesmo com essas falhas, o jogo é bastante piedoso. Após cada rotina de exercícios, o usuário é premiado de zero a três estrelas, dependendo de seu desempenho. É fácil ganhar, pelo menos, duas estrelas, ainda com todos esses os problemas acima. É o mínimo necessário para desbloquear novas atividades e colecionáveis.

Aliás, quando o assunto são os colecionáveis, há uma quantidade surpreendentemente grande. São camisetas, tops, calças, luvas, tênis e óculos para customizar seu treinador virtual. Além de por meio de estrelas, esses itens também são destravados quanto mais socos são desferidos e quanto mais treinos diários são realizados. Algumas dessas roupas exigem um comprometimento grande, como realizar mais de 100 treinos diários, ou realizar mais de 100 mil golpes no total. Para se ter uma ideia, se jogasse todos os dias, religiosamente, só conseguiria liberar o último desbloqueável daqui a seis meses.
Os treinadores chegam a fazer comentários irônicos quando se escolhe peças de roupa que não combinam.

Além disso, o título oferece uma série de personalizações. É possível escolher entre seis diferentes instrutores, homens e mulheres, que podem falar inglês ou japonês. Se a voz de um deles está incomodando, basta encontrar outro que agrade mais, ou remover os diálogos completamente no menu de opções. Também pode-se trocar as animações de fundo durante as atividades e até mesmo selecionar o material do qual é feito o ícone de socos. Aqui, o HD Rumble dos Joy-Con são bem usados. Parece que se está socando madeira, vidro ou água, por exemplo.

O jogador pode deixar sua experiência da maneira que quiser, pelo menos no aspecto audiovisual. A única ressalva está em algumas roupas das treinadoras mulheres. Certos conjuntos as deixam bem objetificadas. Algo desnecessário para um jogo fitness.

Variedade, não

Porém, toda a variedade que está presente no lado estético está ausente no restante do game. Fora os exercícios diários e as rotinas individuais, não há muito mais que se possa fazer. Títulos como Wii Fit, Wii Sports e até mesmo Shape Boxing possuem modos adicionais, como mini games baseados na mecânica principal de jogo, como forma de estender sua rejogabilidade. Ao jogar Fitness Boxing sozinho, não há nada disso. Há apenas a opção de malhar. E só.

A estrutura do jogo foi montada para que ele seja, de fato, um assistente de atividades físicas e nada mais. Não há incentivo para que se continue jogando após os 30 ou 40 minutos de exercícios diários. Por um lado, porque é fisicamente cansativo jogar por períodos extensos. Por outro, porque não há variedade de modos. Assim, o game torna-se um pouco tedioso e previsível depois de alguns dias.

Uma maneira de contornar isso seria a possibilidade de o usuário criar sua própria sessão com as atividades e músicas disponíveis. No entanto, o título perde essa oportunidade. O jogador pode escolher música e rotina de exercícios individualmente, mas ao criar uma sessão de malhação mais extensa no modo de treino livre, o próprio jogo seleciona as atividades e escolhe as canções que irão acompanhá-las. Quer criar uma sessão somente com rotinas de uppercuts ouvindo Kelly Clarkson? Sem chance. A não ser que se jogue cada rotina separadamente.
Game escolhe quais rotinas farão parte de uma sessão de exercícios, sem possibilidade de escolha para o jogador.

Essa arbitrariedade do game faz que algumas situações até mesmo perigosas aconteçam. Apesar de medir o Índice de Massa Corporal (IMC) de quem está jogando usando os dados de altura e peso inseridos, o software nunca os leva em consideração na hora de montar as sessões. Então, não há impedimentos que uma pessoa com obesidade possa fazer exercícios não indicados para seu estado de saúde. Claro que é necessária a supervisão de um médico nesses casos e o jogo deixa isso claro ao ser iniciado pela primeira vez. No entanto, não há uma mensagem de aviso sequer quando a sessão criada pelo jogo parece não condizer com as condições físicas relatadas pelo jogador.

Malhando em dois

Curiosamente, há um sopro de variedade no modo para dois jogadores. Duas pessoas podem treinar juntas, ou participar de desafios exclusivos para esse modo.

O primeiro é uma partida cooperativa em que ambas tentam acertar o maior número de socos em sequência e conquistar o maior combo possível. Já o segundo é uma disputa de boxe. Enquanto uma tem que acertar o ícone de soco, a outra tem que se esquivar bem na hora. O objetivo é ver quem consegue nocautear o oponente primeiro. São maneiras simples de aprofundar um pouco o gameplay e que tornariam o jogo mais robusto se pudessem ser experimentadas com apenas um jogador ou se fossem integradas ao sistema de desbloqueio de itens.
Luta de boxe virtual para dois jogadores que poderia ser aproveitada em outros modos.

Entretanto, até aqui há alguns deslizes. O principal está no uso compartilhado dos Joy-Con. Pode-se jogar cada um com seu par de controles, ou dividir os Joy-Con direito e esquerdo entre os participantes. A segunda opção torna o multiplayer bem mais fácil e prático, mas também causa um desbalanceamento. Quando se está compartilhando, o computador sempre realiza os movimentos de uma das mãos automaticamente. O resultado são desafios muito mais fáceis e menos divertidos. Por exemplo, jogando com minha irmã, conseguimos um combo de 34 socos seguidos sem termos mexido um músculo. Uma adaptação desses modos para o uso compartilhado de Joy-Con teria sido uma melhor opção.

Foco no fitness

Uma coisa que não pode se dizer de Fitness Boxing é que ele não cumpre seu papel. Alguns minutos com o jogo são suficientes para sentir as calorias queimando. Poder ter essa sensação em qualquer lugar, devido à portabilidade do Nintendo Switch, também é uma proposta muito tentadora e que funciona muito bem. Sem rodeios, o game exercita o corpo.

Porém, tudo ao redor dos treinos de boxe passa a sensação de potencial não explorado. Grande parte do porquê lembramos de jogos fitness do passado é devido ao divertimento que eles trouxeram. Ao não usar suas mecânicas principais de maneira mais criativa e não ter um melhor acabamento no gameplay, o título de Switch parece que não foca na diversão e fica com mais cara de assistente virtual de esportes.

Somente aqueles que realmente buscam por uma maneira de se exercitar regularmente no console irão tirar proveito. Quanto a mim, tentarei continuar com minhas atividades físicas diárias. Só não sei por quanto tempo mais.

Prós

  • Jogo promove a prática de exercícios físicos e preenche a lacuna de jogos fitness no Nintendo Switch;
  • Grande quantidade de desbloqueáveis para customização estética das sessões de exercícios;
  • Muitos movimentos são integrados às atividades, entre diferentes tipo de socos e de esquivas;
  • Boa playlist de músicas para as atividades, com artistas e canções conhecidas.

Contras

  • Pouca variedade de modos além dos programas fixos de exercícios;
  • Não há possibilidade de criar uma sessão de exercícios realmente customizada;
  • Jogo desconsidera condição física do jogador pelo índice IMC;
  • Controles de movimento inconsistentes;
  • Atividades físicas podem não levar em consideração a natureza das músicas, tornando o gameplay um pouco descompassado;
  • Modo para dois jogadores não se adapta quando somente dois Joy-Con estão em uso.
Fitness Boxing - Switch - Nota: 6,5
Revisão: Pedro Franco
Fitness Boxing está disponível na Loja Nintendo
Análise produzida com cópia digital cedida pela Nintendo

Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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