Entrevista

Times & Galaxy (Switch): entrevista com o diretor criativo Ben Gelinas

Tivemos a oportunidade de entrevistar o diretor criativo da equipe da Copychaser Games.

em 14/05/2024
Times & Galaxy
é um jogo de aventura que traz a inusitada premissa de nos colocar no papel de um robô tentando atuar no jornalismo intergalático. Com o lançamento do título para Switch, PC, PS5, Xbox One e Xbox Series X|S se aproximando, as equipes do Nintendo Blast e do GameBlast tiveram a oportunidade de conhecer a obra um pouco mais a fundo.

O GameBlast publicou um texto de impressões com uma demonstração que cobre as primeiras missões do jogo. Enquanto isso, eu e a minha querida colega Juliana Paiva Zapparoli tivemos a oportunidade de formular perguntas e enviá-las via e-mail para os desenvolvedores da Copychaser Games.

Em particular, o diretor criativo do jogo, Ben Gelinas, foi responsável por responder às perguntas. Ben já trabalhou anteriormente como editor nas séries Mass Effect e Dragon Age, e fez parte da equipe de escrita de Control e Gotham Knights.

Ele também participou do recente painel (em inglês) da LudoNarraCon sobre equilibrar contação de história e escolha do jogador junto com Gareth Damian Martin (Citizen Sleeper), Abby e Tony (Slay the Princess) e o apresentador Patrick Klepek.

As perguntas foram enviadas em inglês e vocês podem conferir a entrevista na íntegra traduzida para português abaixo:

Nintendo Blast: Ficamos curiosos sobre o seu projeto em andamento, Times & Galaxy, especialmente pelo fato dele cobrir a nossa área de trabalho. Sabemos que a sua equipe é composta por algumas pessoas que trabalharam como jornalistas antes, mas por que fazer um jogo sobre como o trabalho funciona? E por que optaram por uma ambientação de ficção científica?

Ben Gelinas: Jornalismo era o que eu achava que faria por toda a minha vida... até eu ter um burnout pesado enquanto cobria questões criminais e de justiça para um jornal diário. Eu migrei para os jogos começando na BioWare como um editor em Mass Effect e Dragon Age, de alguma forma encontrando uma forma de aproveitar as minhas habilidades de escrita e pesquisa em mundos ficcionais.

Isso foi em 2011. Eu tenho feito jogos desde então.

Times & Galaxy combina o meu eu do passado como repórter com a minha vida atual fazendo videogames.

Times & Galaxy nasceu em parte do meu incômodo com o retrato do jornalismo em vários tipos de mídia. Frequentemente, os jornalistas são escritos da perspectiva da audiência das notícias em vez de quem escreve as notícias, presumindo as intenções, práticas e personalidades [deles] com base no consumo do jornalismo em vez das realidades da prática. Raras vezes um filme, show, livro ou jogo captura o que um repórter em campo ou um editor se debruçando sobre como enquadrar uma história complexa precisa ter.

Eu gosto de dizer que você pode fazer um jogo sobre qualquer coisa, e buscar notícias não é exceção. Eu achei que seria uma motivação nova para os jogadores explorarem a ambientação estranha que criamos. E estranha é a [palavra-]chave aqui. Reportagens na vida real são um assunto sério. E pode ser realmente cansativo cobrir coisas como conferências de imprensa do governo. Mas e conferências de imprensa do governo... no espaço? T&G retira a reportagem da nossa realidade enquanto ainda representa com honestidade como é ser um estagiário em um jornal... ou como costumava ser quando os jornais impressios ainda contratavam estagiários. Combinamos elementos que espero fazer com que T&G seja diferente de qualquer videogame que veio antes dele.

NB: Um elemento que vocês mencionam para o conceito do jogo é especificamente o jornalismo local e a sensação confortável de criar uma comunidade. Como vocês sentem que isso se diferencia da cobertura em massa e como planejam mostrar isso no jogo?

Ben: A cobertura em massa tende a girar em torno das histórias mais impactantes e que chamam a atenção. E essa cobertura frequentemente é o domínio de jornalistas veteranos. Eu queria mostrar como é começar no negócio. Você precisa se esforçar cobrindo eventos e pessoas que nem parecem notícias para poder cobrir as coisas grandes. No início, eu tinha um editor que me disse que eu deveria conseguir escrever dez mil palavras sobre uma figurinha de beisebol. Ele queria me dizer que tudo tem uma história se você fizer as perguntas certas e estiver disposto a escutar as respostas.

Quando você não está fazendo reportagens em T&G, você passa o seu tempo com os seus colegas repórteres, editores e a tripulação da nave de notícias Scanner. Durante o seu estágio, o elenco variado de alienígenas e robôs irá quase lembrar uma família. Alguns colegas podem começar a desgostar das direções que você dá para as suas reportagens ou como você se porta em campo e na sala da redação. Outros podem se tornar bons amigos ou parceiros românticos. As personalidades esquisitas que o serviço de notícias atrai estão à mostra na comunidade de jornalistas que introduzimos aos jogadores.

NB: Considerando a natureza específica da atividade jornalística, vocês acham que até pessoas que não estão interessadas no ato de escrever notícias aproveitarão o jogo? O que podemos esperar de se aventurar como um estagiário do holo-jornal Times & Galaxy?

Ben: Você pode fazer um jogo sobre qualquer coisa. O desafio é então achar a diversão. Como "gamificar" o jornalismo? Tornamos as informações em colecionáveis para então conectá-las em um tipo de quebra-cabeça de história sem respostas erradas baseada no conceito arcaico da indústria de pirâmide invertida. Para coletar a informação, os jogadores precisam fazer as perguntas e enfiar o seu nariz robótico em cada canto dos nossos mundos estranhos.

Tentamos equilibrar um jogo de aventura com visual novel e elementos leves de simulador. Como você decide cobrir as suas notícias guia a direção do holo-jornal, tendo um efeito significativo nos leitores, na reputação e no tom dominante da cobertura. Os resultados mudam como as coisas se desenrolam no final do seu estágio. Você fez o suficiente para manter o seu emprego? Onde o trabalho que você fez coloca o jornal no panorama midiático intersolar mais amplo?

NB: Embora o jogo tenha uma ambientação futurista, nosso personagem trabalha para algo equivalente a um jornal impresso. Conforme o jornalismo se expandiu para outras mídias, como blogs, websites e redes sociais, por que a escolha de um holo-jornal em vez de outra tecnologia?

Ben: T&G combina uma ambientação de ficção científica com um tipo de perspectiva de meados do século passado sobre o que a tecnologia pode ser. Não tem iPhone ou comptadores quânticos na nossa ambientação, mas tem jarras de gosma senciente. Queremos capturar a perspectiva especulativa, mas, em última instância, inocente de futuro que existia nas décadas de 60 e 70. Queremos colocar painéis de madeira em uma nave espacial.

Em algumas coisas, T&G também romantiza um período quando a mídia tradicional tinha mais peso e presença, transplantando um certo otimismo sobre a indústria em um sistema solar colorido que lembra o nosso, mas com certeza não é!

NB: Times & Galaxy tem alienígenas cheios de personalidade, algo que é possível perceber mesmo com a demo curta atualmente disponível no Steam. Como vocês pensaram nesses personagens tão cheios de vida? Alguma história das experiências pessoais da equipe levou à criação de algum personagem ou história

Ben: Muitos dos alienígenas que trabalham no holo-jornal incorporam arquétipos que encontramos na vida real em salas de redação: o repórter investigativo incisivo e insensível; o editor excessivamente exigente; o gerente de tarefas sempre estressado; o estagiário rival que se esforça demais para agradar os outros; o colunista de opinião com excesso de confiança e uma cláusula para seus textos não serem editados. Os jornalistas da nossa equipe de escrita, eu incluso, já trabalhamos com todos os tipos de figuras que nos inspiraram, mas não há nenhum personagem baseado em uma pessoa real específica.

NB: Após o jogador explorar as áreas, ele tem que criar as notícias escolhendo as suas partes, como manchete, lide, citação e afins. Essa maleabilidade significa que, acima de tudo, é uma escolha ética e uma chance de expor o mito da objetividade no jornalismo. Como vocês chegaram a esse sistema, o que desejam explorar com ele e quanta liberdade ele oferece para os jogadores? 

Ben: Acabei respondendo uma parte disto antes com a questão sobre fazer o jornalismo divertido para os menos interessados no ofício.

Os jogadores precisarão fazer escolhas difíceis quando construírem suas histórias no fim de cada tarefa. Quanto mais trabalharem, mais opções terão à sua disposição. Mas eles só têm um pouco de espaço para contar uma história. E eles nunca conseguirão tudo. Às vezes fazer uma pergunta significa não fazer outra.

Os jogadores precisão tomar decisões que jornalistas da vida real tomam todos os dias, tentando equilibrar informar o público e atrair a sua atenção. Claro, eles não precisam equilibrar nada. Você pode escolher tornar o holo-jornal em um tabloide, um jornal grande essencial, mas chato, ou enchê-lo com matérias fofinhas para relaxar. Tem muitas formas de interpretar e priorizar fatos para contar histórias específicas. Pode ser impossível para um repórter ser verdadeiramente objetivo, mas você ainda pode ser detalhado, justo e responsável.

NB: Ben Gelinas, fundador da Copychaser Games, costumava trabalhar para desenvolvedoras de AAA. Que tipo de mudanças e desafios ele enfrentou para deixar uma posição tão prestigiada para focar em jogos indie? E por que ele decidiu fazer essa mudança na carreira?

Ben: Na verdade, eu ainda trabalho para desenvolvedoras AAA. Gosto de manter um pé em cada área. Escrever e editar para um AAA é um trabalho focado que me deixa apostar nas minhas forças. Eu tenho a chance de ser uma das centenas de mentes criativas construindo uma experiência massiva para os jogadores.

Fazer jogos indie me permite sair da minha zona de conforto, trabalhando em múltiplos aspectos do desenvolvimento de jogos que eu estou aprendendo enquanto faço, e também me permite contar histórias mais estranhas para audiências de nicho com uma equipe menor e mais estranha de anjos e gênios.

No campo dos indies, eu tento fazer os jogos que eu gostaria que já existissem.

NB: Aqui no Brasil, temos debates sobre a necessidade das pessoas terem um diploma em Jornalismo para serem jornalistas. Na verdade, o diploma não é exigido para a profissão e vemos muitas pessoas de outras áreas, como engenheiros e economistas, atuando e seguindo os princípios do jornalismo. O que você acha sobre essas pessoas serem chamadas de “jornalistas” nas suas respectivas áreas?

Ben: Este é um debate no Canadá também. Como no game design, trabalhei com muitos veteranos da indústria que começaram o negócio sem nem passar pela faculdade. Eles aprenderam no serviço.

Qualquer um pode se chamar de jornalista. Isso não é novidade, apesar de que a internet certamente levou mais pessoas a se chamarem de jornalistas enquanto trabalham com audiências cada vez mais fraturadas.

Você ainda precisa provar que você é digno do título. Jornalismo é complicado e é difícil atuar de forma responsável na área. Demanda disciplina, mente aberta e, com sorte, alguma ética.

Como no retrato típico do jornalismo na ficção, alguns acham que podem fazer o trabalho simplesmente porque absorveram o resultado final. Mas só porque você sabe o gosto de um bom bolo não significa que você instantaneamente sabe fazer um.

NB: Ainda no mesmo tópico, considerando a ambientação futurista do jogo, como você se sente quanto à atual tendência de IA generativa no jornalismo? Acha que existe uma forma ética de uso dessa tecnologia?

Ben: IA pode ser uma ferramenta poderosa. Para os jornalistas, ajuda a acelerar a transcrição de entrevistas ou analisar vastas quantidades de dados. Mas quando você pede para IA interpretar a informação que você coletou e apresentá-la para outros é que você dá de cara com os problemas. Acho que IA generativa é uma novidade mainstream do momento. Essa novidade vai se esgotar, mas acho que IA continuará evoluindo de formas que ainda não conseguimos nem imaginar.

Acho que eu só gostaria que essa energia atual fosse colocada em coisas que a IA pode fazer e humanos não, em vez de fingir que ela pode fazer coisas que só humanos podem.
NB: Para fechar esta entrevista, você gostaria de deixar alguma mensagem para os jornalistas (ou futuros jornalistas) que gostariam de trabalhar na área de jogos? E para quem simplesmente decidir jogar Times & Galaxy por curiosidade?
Ben: Muitos dos melhores escritores de jogos com os quais trabalhei ao longo dos anos começaram como qualquer coisa, menos escritores de jogos. Da mesma forma, muitos dos melhores jornalistas com os quais trabalhei ao longo dos anos começaram como qualquer coisa, menos repórteres. Eram professores. Eram cozinheiros. Eram cientistas. Diabos, eles trabalhavam em lojas. Seja trabalhando com ficção, fato ou alguma combinação dos dois, é essencial não ficar parado e encarar o coração daquilo sobre o qual você quer escrever.

Times & Galaxy será lançado para Switch, PC, PS5, Xbox One e Xbox Series X|S em junho de 2024.

Coautoria: Juliana Paiva Zapparoli


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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