Que a franquia Pokémon possui uma extensa mitologia, todo mundo já sabe. Desde as versões Ruby/Sapphire no GBA, a Game Freak adotou o padrão de ter as mascotes das versões como centro da história.
Agora, e quando essa história vai além? Onde quero chegar: nunca antes na franquia houve uma continuação direta de uma história. Até a versão Platinum, tivemos as famosas “terceiras versões”, trazendo melhorias gráficas nos cenários, formas novas e até mesmo uma nova narrativa para a mesma região.
Na quinta geração, para surpresa de todos, não tivemos a versão Gray. Na verdade, o enredo se expandiu e trouxe consigo uma das melhores histórias da franquia. Desde que começamos a fazer os artigos sobre as temáticas das gerações, o conteúdo aumentou exponencialmente, e com isso, passamos a encarar os jogos de Pokémon com outros olhos.
Prepare seu passaporte, pois agora iremos embarcar em uma longa jornada pela região de Unova e aprender mais sobre a dualidade, e também como nem sempre há um lado definido para seguir. Boa leitura!
Os opostos não se atraem
Positivo e Negativo. Branco e preto. Muitas coisas são totalmente contrárias a um outro conceito e, ainda que estejam separadas, se conectam de alguma forma. Esse é o tema da quinta geração: a relação entre os opostos.
Para exemplificar o que estamos abordando aqui, separamos alguns pontos de destaque entre as versões:
- Na versão Black, a cidade de Opelucid possui visual futurista e tecnológico. As portas das construções, quando abertas, fazem um movimento similar ao que vemos nas cápsulas de filmes sci-fi. O líder de ginásio é Drayden, o prefeito da cidade;
- Na versão White, a temática da cidade de Opelucid é mais voltada para os tempos antigos, sem qualquer traço de avanço, e remete à uma vila indígina, por assim dizer. Sua líder de ginásio é Iris, discípula de Drayden;
- Na versão Black, temos uma localidade do pós-jogo chamada de Black City, um conglomerado de prédios e lojas que se assemelha muito a um centro empresarial localizado no bairro do Queens, em Nova Iorque;
- Na versão White, temos a White Forest, e como o nome sugere, é uma enorme área coberta pela folhagem. No mundo real, essa localidade é uma referência ao empreendimento imobiliário chamado Queensbridge, o maior da América do Norte;
- Na versão Black 2, a Route 4, que antes era um deserto em construção, agora possui diversas instalações avançadas e outras em processo de finalização. O design é bem semelhante ao que podemos encontrar na cidade de Opelucid na versão Black;
- Na versão White 2, a Route 4 também passou por uma reformulação, porém, as construções presentes têm um ar mais arcaico (de alvenaria) e lembram casas antigas, similar ao que temos na cidade de Opelucid na versão White;
- Houve uma ruptura no Team Plasma e, após os eventos das versões Black/White, há dois times: o antigo (vestido de branco), que tem N como mestre e lutam pela harmonia entre Pokémon e os humanos; o novo (roupas pretas), que segue os ideais de Ghetsis, ainda conspiram para que haja a “libertação” dos Pokémon.
Preto no Branco e Branco no Preto
Nas versões Black/White, temos as mascotes Reshiram e Zekrom. Ambos são a representação fiel de Yin-Yang, um conceito do Taoísmo que descreve as duas forças fundamentais opostas e complementares que se encontram em todas as coisas.
O yin é o princípio da noite, Lua, a passividade, absorção. O yang é o princípio do Sol, dia, da luz e atividade. Quando transferimos essa ideia e aplicamos na dupla de mascotes, temos a seguinte narrativa:
Reshiram
Classificação da Pokédex: Vast White Pokémon (Branco vasto, amplo, em uma tradução livre). Possui os tipos DRAGON/FIRE e aparece na capa da versão Black. Representa a verdade e luta por um mundo onde a realidade é aceita como ela é. As decisões são baseadas em fatos e clareza.
Zekrom
Classificação da Pokédex: Deep Black Pokémon (Preto profundo, intenso, em uma tradução livre). Possui os tipos DRAGON/ELECTRIC e aparece na capa da versão White. Representa os ideais e a luta por sonhos, as ambições, e o desejo de moldar o mundo para atender a essas visões.
Tudo isso vai ao encontro do que Yin-Yang representa: nada existe no estado puro: nem na atividade absoluta, nem na passividade absoluta, mas sim em transformação contínua.
Kyurem
Há uma terceira peça nesse quebra-cabeça chamada Kyurem, dos tipos DRAGON/ICE. Diferente da dupla, Kyurem representa o Wuji, justamente a ausência de Yin-Yang, e falaremos dele mais para frente.
Enquanto a quinta geração era a bola da vez, tivemos não um, mas dois filmes para explicar a história da dupla. Essa combinação foi inédita na franquia, pois assim como as versões possuem diferenças geográficas e em sua Pokédex, os filmes também são contrapostos.
Kyurem, o Pokémon Limite
A princípio, essa classificação pode não fazer muito sentido. Outros monstrinhos, como Bulbasaur e Pikachu, são bem mais fáceis de associar com sua descrição: o primeiro é o Pokémon semente e o segundo, o Pokémon rato.
As versões Black/White 2 são uma continuação direta do primeiro par de jogos da quinta geração e se aprofundaram ainda mais no tema, trazendo uma grande história e que é classificada como uma das, senão a melhor da franquia Pokémon.
Como dissemos acima, Kyurem é a ausência de Yin-Yang. Sua figura representa o vazio ou a neutralidade. Não tem um lado definido, simbolizando a imperfeição ou o equilíbrio que surge na ausência de um alinhamento claro.
Novamente, a ideia atrelada ao Pokémon combina perfeitamente com a sua classificação, ou seja, Kyurem está no limite entre Reshiram e Zekrom. Como assim? Não entendeu? Então a gente explica!
O Dragão Original
No passado, um único dragão lendário vivia na região de Unova. Este dragão representava a unidade entre os dois irmãos que governavam a região. Quando os irmãos entraram em conflito — um defendendo a Verdade (Reshiram) e o outro, os Ideais (Zekrom) — o dragão original se dividiu em duas entidades, Reshiram e Zekrom, cada uma alinhada com um dos irmãos.
O Resto que se tornou Kyurem
A lenda sugere que, no processo de separação, algo foi deixado para trás: uma “carcaça” ou o “casco vazio” do dragão original, daí o tipo ICE. Esse resquício tornou-se Kyurem, um Pokémon incompleto que não representa nem a verdade nem os ideais, mas sim o estado de neutralidade ou vazio entre os dois extremos.
Para retornar à sua forma original, Kyurem precisa ser fundido com Reshiram/Zekrom através do item chamado DNA Splicers, que em uma tradução livre significa “Emendador de DNA”.
Desse modo, é feita a soma dos códigos genéticos do dragão gélido e de seus companheiros, formando assim Kyurem-Black (Kyurem + Zekrom) e Kyurem-White (Kyurem + Reshiram). A fusão reforça a ideia de que Kyurem, apesar de ser “incompleto”, é a chave para reunir os aspectos separados do dragão original.
Simbolismo do Giant Chasm
A localização em que Kyurem pode ser encontrado é o Giant Chasm, um abismo nas margens da região de Unova e repleto de mistérios. A lenda da cidade de Lacunosa fala de um meteoro que trouxe destruição e gelo à região, o que pode simbolizar a queda de Kyurem como um fragmento do dragão original.
A aura fria e a sensação de isolamento que envolve o Pokémon refletem sua condição de estar entre os extremos e não pertencer completamente a nenhum. Em outras palavras, Kyurem vive de forma marginalizada em relação à sociedade e ao restante dos Pokémon, que podem desfrutar da companhia dos humanos.
O clima frio e a geografia do abismo representam o fim de uma zona habitável e o começo de um lugar desconhecido e inóspito. Curiosamente, começo e fim são opostos…
Kyurem também ganhou um filme dedicado e alterna suas formas entre Black e White. A história do longa conta a evolução de Keldeo, membro das Espadas da Justiça, termo atribuído ao trio composto por Cobalion, Terrakion e Virizion. O quarteto é uma alusão à famosa história dos Três Mosqueteiros e seu aprendiz.
Fala a verdade, ficou com vontade de jogar novamente essas versões, não é? A quinta geração torceu alguns narizes em seu lançamento, mas isso não quer dizer que não seja boa. Pelo contrário. Arrisco dizer que as versões Black/White e suas continuações foram o ápice da franquia em termos de qualidade.Outro ponto importante é apreciar e exaltar como uma história tão rica e detalhista pode ser construída em um jogo, de certa forma, voltado ao público infantil. Minha esperança é de que seja lançado um remake das duas versões para o Nintendo Switch 2, assim, poderemos aproveitar (u)novamente a quinta geração.
Referências: Bulbapedia
Capa: Wallpapers.com
Revisão: Cristiane Amarante