Análise: Yakuza 0 Director’s Cut: a gênese de Kazuma Kiryu

A excelente prequel de Yakuza chega à Nintendo, mas sem um bom motivo para justificar sua exclusividade no Switch 2.

Ano passado, o Switch foi agraciado com o port bastante competente de Yakuza Kiwami, remake do primeiro jogo da consagrada série de beat ‘n up e mundo aberto. Suas vendas bem acima das expectativas surpreenderam o estúdio Ryu Ga Gotoku, responsável pela franquia, demonstrando interesse em trazer mais títulos de Yakuza para a Nintendo.


Entre os títulos de lançamento do Switch 2 está Yakuza 0 Director’s Cut, trazendo a prequel da saga de Kiryu com certas adições para o novo hardware. Venha comigo, vamos olhar mais a fundo o passado de Kazama Kiryu, antes do fatídico incidente de 1995.


Um dragão sem cores, um cão prestes a enlouquecer

Dezembro de 1988. Kiryu, no momento, é apenas um recruta em crescimento de sua família, o clã Tojo, e é falsamente acusado de assassinato por um de seus superiores pois ele tem grandes planos para ascender na máfia. Como forma de proteger Shintaro Kazama, seu pai adotivo e um dos capos da família, Kiryu deserta para limpar seu nome e descobrir o cerne desta conspiração.

Enquanto isso, Goro Majima está preso em um infeliz trabalho como gerente de um cabaret, forçado neste trabalho por seus superiores por ter fracassado em um assassinato anos atrás devido ao seu código de não matar. Desgraçado pelo seu clã, Majima é oferecido por seu chefe, Tsukasa Sagawa, para assumir sua posição de volta caso consiga matar Makoto Makimura. Mas, após descobrir a identidade do alvo, ele se recusa, obrigando-o a tomar medidas alternativas para retomar sua honra.

Dessa forma, vemos de camarote o início de Kiryu no submundo do crime e a redenção de Majima neste, os primeiros passos que formariam dois dos atores mais importantes envolvendo o palco sombrio de Kamurocho e a criação de suas reputações como o Dragão de Dojima e o Cachorro Louco de Shimano.

Gângsters, valentões e Pocket Circuit Fighter

Tal como em seu lançamento original, a história e personagens de Yakuza 0 são extremamente ricos e carismáticos, com tramas e reviravoltas impactantes como todo jogo da franquia. No entanto, aqui há um toque único, considerando que vemos diversos personagens familiares da série no começo de suas carreiras, inexperientes e crescendo até se tornarem as figuras protagonistas de alguns dos momentos mais importantes dos títulos futuros. Ver Nishiki como um amigo leal e sensível no começo de sua carreira, além de seu amor incondicional por Kiryu em comparação ao homem quebrado e frio em Kiwami é o tipo de tragédia bem escrita que só se pode ver em obras grandiosas.

E, tal como o lançamento original, a jogabilidade de 0 continua belísisma e rodando ainda melhor que o port de Kiwami. Com pouquíssimos carregamentos e nenhum serrilhado à vista, o jogo roda sem nenhum engasgo tanto na TV quanto no portátil, apresentando um Japão retrô extremamente bonito, mesmo com alguns clippings de textura e objetos ou detalhes aparecendo quando andamos perto, como mais galhos em árvores, uma relíquia de desenvolvimento da era PS3 que está estranhamente visível nessa que deveria ser a “edição definitiva” de um clássico novo.

Como nosso palco de atividades, temos o bom e velho distrito da luz vermelha Kamurocho, semelhante ao Kiwami mas diferente nas partes certas, como mais becos. Além disso, temos também o distrito de Sotenbori, em Osaka, totalizando dois pequenos mundos abertos para explorarmos e nos divertirmos, com uma ambientação bastante fiel à época que o jogo se passa (a “Bolha Econômica”, na qual inflação volátil e altos valores providenciaram bastante expectativa de crescimento para o Japão, culminando na estagnação do país em 1991). Isso é bastante perceptível com as vestimentas dos NPCs, valores das compras (bem mais altos que em outros jogos) e na progressão de Kiryu e Majima

Pagando com sangue (ou dinheiro, de preferência)

O sentimento da valorização do dinheiro está encapsulado no sistema de luta do jogo, no qual notas e moedas explodem no ar com os combos que os mafiosos dão nos malfeitores, aumentando exponencialmente com combinações, execuções bombásticas e status na luta, como não tomar dano ou múltiplas vitórias. Assim, podemos escolher entre gastar nossos espólios como em qualquer jogo, como minigames (os clássicos da franquia: sinuca, mahjong, dardos, o viciante Pocket Circuit e, claro, karaokê e dança), bebidas, armas e entretenimento adulto. Ou, como mencionado, na progressão de nossos heróis.

Para aumentar a vida e Heat (o equivalente a Magia, possibilitando golpes mais rápidos e execuções), prover mais força nos ataques, combos diferentes e outras opções, é preciso gastar os lucros, dando vida ao sentimento na época de “dinheiro vem, dinheiro vai” de uma forma tão orgânica e compensatória que tudo parece tão natural, entre fazer as atividades secundárias, melhorar os rapazes e continuar o ciclo.

Esses gastos são divididos em três estilos de luta para ambos Kiryu e Majima, sendo Brawler/Thug (o mais básico, provendo ataques e velocidade medianos), Rush/Breaker (trocando força dos ataques e liberdade em pegar objetos por velocidade e ritmos erráticos, confundindo inimigos com combos velozes) e Beast/Slugger (o mais pesado e forte dos estilos, arrebentando tudo com a força e voracidade de um monstro ao custo de sua lentidão). Tais estilos seriam mais bem refinados em Kiwami, mas eles funcionam muito bem no seu jogo de origem e continuam tão divertidos quanto na sequência.

Enquanto isso, a quantidade de sidequests é imensa, lentamente aparecendo mais com o passar da trama e cada uma tão absurda mas ao mesmo tempo intrigante, exatamente como o espírito da franquia. Admito que eu procrastinei um pouco para progredir na história justamente porque eu procurava por novas histórias e formas de conseguir dinheiro (em especial, lutar contra Brutamontes, homens enormes que oferecem muito dinheiro ao preço de tudo que você tem caso fracasse na luta), mas aí que está a beleza do jogo, com sua multivariedade de coisas para fazer.

Cartão VIP suspeito

Tudo o que eu descrevi até agora é pacote do Yakuza 0, um jogo indiscutivelmente ótimo e que merece todos os elogios e além. Director's Cut prometia trazer novidades, em particular novas localizações, cenas adicionais e um novo modo multiplayer. Para começar, novas opções de legendas foram adicionadas, sendo espanhol, francês, italiano e alemão (mais uma vez, no entanto, português brasileiro ignorado) e, no áudio, a opção de dublagem em inglês que, apesar do elenco pesado de voz como David Hayter e Matt Mercer, não impressiona e fica bem aquém da atuação no idioma original. Quer minha sugestão? Jogue em japonês mesmo.

Em relação às cenas adicionais, são apenas cinco cenas novas, totalizando 25 minutos, sendo três retcons e duas simplesmente de piada. Em geral, essas cenas tiram a nuance da narrativa e a sutileza dos detalhes, inclusive negando a morte de um dos personagens. Não destrói a trama poderosa do jogo, mas são adições inúteis que não fedem nem cheiram, simplesmente uma desculpa para colocar algo a mais no relançamento. O mesmo vale para o modo multiplayer Red Light Raid, no qual podemos jogar com até quatro jogadores online para lutar em diversas hordas de gângsters e nada mais. É simples, divertido, mas nada que prende realmente a atenção.

Em análises passadas, eu disse que todo relançamento que se preze deve incluir rascunhos e desenvolvimento de seus jogos para fins de preservação e curiosidade. Esse meu pensamento se estende inclusive para ports de remakes, e Director’s Cut falha nesse quesito tal qual seu antecessor, Kiwami, trazendo essas adições mas nada de seu desenvolvimento.

No entanto, a maior falha que encontrei com esse relançamento é: por que ele está aqui, exclusivo do Switch 2? Kiwami é um remake do Yakuza 1 usando a engine de Yakuza 0, rodando sem nenhum problema no Switch e, tendo sido um sucesso de vendas como já mencionado, faria sentido lançar para o original, não ser um dos primeiros títulos de seu sucessor, com gráficos belíssimos, mas em par com o dito port. Nada em Director’s Cut, sejam suas adições ou jogabilidade, justifica ele ser um exclusivo do novo hardware da Nintendo e, com as baixas vendas de jogos third party no lançamento deste, me preocupa que a Sega possa, de novo, ignorar a Nintendo nos próximos lançamentos da série, como houve na época do Wii U.

Girassóis

Yakuza Kiwami foi um dos meus jogos favoritos de 2024 e, sem surpresa alguma, Yakuza 0 Director’s Cut é, com certeza, um dos meus favoritos este ano. Mesmo com adições pequenas e sem motivos de exclusividade fortes, continua sendo um jogo incrível, com uma jogabilidade afiada, visualmente belíssimo, excelente trilha sonora e entupido de coisas para fazer.

Mas, acima de tudo, uma história poderosa de honra, sacrifício e dever, moldando jovens em homens e criando algumas das personalidades mais icônicas dos jogos. Espero que as vendas consigam satisfazer a Sega e Ryu Ga Gotoku para trazer novos títulos para o console porque todos precisam ver a origem de Kiryu e Majima.

Prós

  • História rica e poderosa, com intrigas e reviravoltas emocionantes;
  • Personagens complexos e icônicos, explicando muito bem suas origens;
  • Kamurocho e Sotenbori são bastante vivos e exploráveis;
  • Uma infinidade de sidequests e minigames para descobrir e se divertir;
  • Excelente trilha sonora e visualmente belíssimo, rodando muito bem tanto na TV quanto no modo portátil;
  • Sistema de luta afiado e muito bem feito.

Contras

  • Falta de suporte ao português;
  • Falta de bônus especiais como artworks e comentários de desenvolvimento;
  • Modo online divertido, mas esquecível;
  • Sem justificativa convincente para ser exclusivo do Switch 2.
Yakuza 0 Director’s Cut — Switch 2 — Nota: 9.0
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Sega
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Fábio Castanho Emídio (StarWritter)
Formado em Publicidade e Propaganda na USC e especializado em Marketing Digital, sou Editor de Vídeos também, meu TCC foi sobre a Guerra dos Consoles e evolução da publicidade nos games. Jogo um pouco de tudo e também escrevo. Me descrevo como um artista.
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