Análise: Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles dá novo frescor a um dos mais influentes RPGs estratégicos

O clássico da Square retorna com melhorias de interface, dublagem completa e a sua conhecida profundidade excepcional.

em 05/10/2025
Em 1997, a Square lançava no primeiro PlayStation um spin-off de uma de suas principais séries de RPGs, que se destacou por combinar uma narrativa extraordinária e personagens complexos com um sistema de batalhas táticas profundamente estratégico. Pouco mais de duas décadas depois, essa grande e influente obra retorna como Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles, uma versão que adiciona melhorias pontuais, mas suficientes para revitalizar a experiência.

A Guerra dos Leões e os caminhos opostos trilhados por dois amigos

A trama se passa em Ivalice, um reino ainda em processo de recuperação após a devastadora Guerra dos Cinquenta Anos, travada contra a região de Ordallia. Como costuma acontecer em conflitos dessa escala, a população mais vulnerável, como soldados e camponeses, foi quem suportou a maior parte das perdas, tanto econômicas quanto sociais.

A morte do rei de Ivalice desencadeou uma disputa interna pela regência, já que o príncipe herdeiro ainda era apenas uma criança. De um lado, o Duque Larg defendia a coroação do filho legítimo do monarca falecido. Do outro, o Duque Goltanna sustentava que a Princesa Ovelia, filha adotiva do antigo governante, deveria assumir o trono. Como ambas as facções carregavam um leão em suas bandeiras, o conflito que se seguiu ficaria marcado na história como a Guerra dos Leões.

É nesse cenário de instabilidade que conhecemos o protagonista Ramza Beoulve, terceiro filho de uma respeitável família de cavaleiros. Seu pai, Barbaneth Beoulve, foi um dos grandes heróis da Guerra dos Cinquenta Anos, e o jovem inicialmente segue os passos de sua linhagem. No entanto, à medida que os acontecimentos se desenrolam, o rapaz passa a questionar as injustiças e contradições que assolam o reino e o seu próprio clã.

Em paralelo, acompanhamos a trajetória de Delita Heiral, amigo de infância de Ramza. Apesar de sua origem humilde, ele foi acolhido pela família Beoulve, mas um evento traumático causa uma ruptura nessa amizade. Após compreender da forma mais dura que aqueles sem poder são facilmente manipulados e descartado, Delita decide traçar seu próprio caminho para conquistar influência, ainda que isso envolva a utilização de atos questionáveis. Essa oposição de ideais e escolhas entre Ramza e Delita é o grande destaque da narrativa de Final Fantasy Tactics.

Como não poderia faltar em um jogo da série, a trama também incorpora elementos fantásticos, com as misteriosas Pedras do Zodíaco e o despertar de forças ancestrais que parecem estar diretamente relacionadas à própria Guerra dos Leões. Embora alguns desses aspectos sejam um pouco menos explorados, eles se integram de maneira coesa ao drama político, ampliando a grandiosidade e o tom épico da história.

No geral, o enredo de Final Fantasy Tactics é extraordinário e reflexivo, apresentando não apenas um, mas alguns dos personagens mais complexos e marcantes de toda a franquia e do próprio gênero. Em The Ivalice Chronicles, esse drama ganha ainda mais força graças à adição de uma excelente dublagem em japonês (também há vozes em inglês), com interpretações que ressaltam as particularidades de cada personagem e conseguem acrescentar camadas de emoção a cada cena.

Outra novidade muito bem-vinda é a repaginação completa de um menu dedicado a informações detalhadas e relevantes sobre o universo do jogo — incluindo personagens, locais, itens e conflitos. Agora, nesse mesmo espaço, uma linha do tempo é atualizada conforme o progresso na campanha, facilitando a compreensão do contexto geral da história.


Profundidade tática invejável

Além da narrativa incrível e densa, a jogabilidade de Final Fantasy Tactics também é profundamente responsável por torná-lo uma grande referência dentro do gênero. Aqui, temos combates táticos em mapas isométricos que adotam o tradicional modelo de grid, no qual os personagens se movem e atacam em quadradinhos.

As lutas são baseadas em turnos individuais, com a ordem de ação sendo determinada pela velocidade de cada indivíduo. No jogo original, era possível consultar a sequência dos combatentes em um menu oculto e não muito conveniente; em Ivalice Chronicles, porém, a linha do tempo é mostrada o tempo todo no lado esquerdo da tela e acima dos personagens.

Embora não pareça uma mudança tão drástica, na prática, ela torna os confrontos mais dinâmicos por permitir que o jogador não apenas pense no que cada um de seus combatentes fará, mas também consiga prever de forma prática o tempo de resposta do inimigo. Considerando que magias poderosas podem exigir vários turnos de carregamento, dando margem para que o adversário antecipe e interrompa a execução, essa melhoria de interface é mais do que bem-vinda.

Outro aspecto de suma importância nos confrontos é o posicionamento das unidades. Enquanto ataques físicos pelas costas têm maior chance de acerto, habilidades de bloqueio ou esquiva privilegiam os combatentes voltados para o adversário. Por sua vez, os usuários de armas à distância, como arcos e pistolas, costumam ter vantagem em locais mais altos, ao passo que as classes mágicas exigem atenção redobrada para que os feitiços em área não acertem os próprios aliados.

É importante destacar que, em FFT, o terreno não é apenas estético, já que rios, pontes, muros de castelos e desníveis do chão criam situações únicas que podem tanto favorecer quanto atrapalhar o jogador, dependendo de como ele organiza suas unidades. A habilidade de reviver da classe Monk, por exemplo, não consegue alcançar aliados que estejam em uma elevação diferente da sua.

Para melhor visualizar o campo de batalha, esta nova versão permite não apenas rotacionar, inclinar e afastar a câmera, mas também observar todo o cenário a partir de uma perspectiva aérea. Outra novidade útil é a possibilidade de verificar os efeitos específicos de cada tipo de terreno, o que torna mais intuitivo o uso da classe Geomancer, especialista em canalizar a energia do solo para lançar magias.

Toda a interface de combate também foi completamente remodelada para reunir o maior número possível de informações, incluindo agora o nível e a experiência da classe em uso. Outras adições interessantes incluem diálogos extras que surgem em situações específicas quando certos personagens participam, o aumento expressivo no número de heróis que podem ser mantidos no grupo, a possibilidade de acelerar os confrontos e um tutorial contextual que surge sempre que uma nova mecânica é introduzida.

Ainda sobre os confrontos, além do clássico objetivo de derrotar todos os inimigos, muitas missões trazem requisitos alternativos, como eliminar apenas o líder adversário ou proteger unidades específicas. Neste último cenário, a morte do personagem a ser resgatado resulta imediatamente em um game over. Vale destacar também que, em situações normais, combatentes derrubados entram em uma contagem regressiva que, ao chegar a zero, leva à morte permanente.

No que diz respeito ao posicionamento das unidades, à leitura dos cenários e ao gerenciamento dos turnos, Final Fantasy Tactics alcança uma profundidade estratégica invejável, em que até mesmo o simples ato de se mover exige planejamento. Para equilibrar a experiência, a nova versão ainda oferece três níveis distintos de dificuldade, atendendo tanto aos novatos quanto aos jogadores veteranos em busca de um desafio maior.


Sistema de classes absurdamente flexível

Um dos grandes pilares da jogabilidade de Final Fantasy Tactics é o seu sofisticado sistema de classes. Aqui, cada personagem pode ser equipado em cinco partes — cabeça, mãos esquerda e direita, tronco e pernas — e, além disso, selecionar habilidades em cinco categorias distintas: duas de ação (uma própria da classe ativa e outra escolhida pelo jogador), reação, suporte e movimento. Dessa forma, mesmo estando vinculado a um único job por vez, o combatente pode fazer uso de talentos aprendidos em profissões anteriores.

Para exemplificar, um knight pode equipar um conjunto de ação do White Mage, adquirindo acesso a magias restaurativas enquanto mantém suas próprias técnicas de quebrar armaduras; adicionar o comando de suporte Dual Wield do Ninja para empunhar duas armas simultaneamente; ativar a reação Counter do Monk, que garante um contra-ataque sempre que for atingido; e ainda utilizar o movimento Teleport do Time Mage para se deslocar instantaneamente para quase qualquer ponto do cenário.

Com 20 jobs de nuances realmente distintas, essa flexibilidade na combinação de habilidades abre caminho para possibilidades quase ilimitadas de personalização. Assim, o jogador pode moldar suas unidades de acordo com seu estilo de jogo ou adaptar a composição às exigências de cada batalha, experimentando constantemente novas estratégias e abordagens.

É importante destacar que, durante os confrontos, ao realizarmos uma ação bem-sucedida (seja de ataque ou suporte), recebemos pontos de experiência e de job (JP). O primeiro aumenta o nível geral do personagem, enquanto o segundo eleva a proficiência na classe utilizada. Cada job pode ser aprimorado até o Nível 8, e as profissões mais avançadas só podem ser desbloqueadas após atingir graus específicos em classes pré-determinadas.

É também com o uso do JP que adquirimos as habilidades de cada classe em um menu que se assemelha a uma loja. Em The Ivalice Chronicles, essa mecânica ficou mais intuitiva graças à repaginação da interface de gerenciamento de personagens, que agora torna muito mais prático visualizar os requisitos para desbloquear jobs e acompanhar as mudanças de atributos que cada um proporciona.

Além dos jobs comuns, desbloqueáveis por qualquer indivíduo, o jogo apresenta personagens especiais que possuem uma classe própria e única. Alguns deles ingressam como aliados não controláveis no decorrer da campanha, mas depois se tornam jogáveis e podem, até mesmo, morrer permanentemente.

Em suma, se a história de Final Fantasy Tactics se destaca por sua densidade e qualidade, e seus elementos táticos impressionam pela profundidade, o conjunto de jobs completa o conjunto com igual excelência. Trata-se de um dos mais ricos e detalhados sistemas de classes já criados, e não é à toa que até hoje serve como referência dentro do gênero.

Ausência de The War of the Lions

Um detalhe que talvez chame a atenção dos veteranos é que, por se basear na versão de 1997, Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles não inclui o conteúdo extra de The War of the Lions, a edição lançada para PSP em 2007 e, posteriormente, portada para dispositivos móveis. Essa versão buscou ampliar a obra original com cenas animadas, dois personagens adicionais — Balthier, de Final Fantasy XII; e Luso, de Final Fantasy Tactics A2 —, além das novas classes Dark Knight e Onion Knight.

Resumidamente, Balthier e Luso funcionam mais como fanservices, inseridos com desenvolvimento narrativo mínimo, enquanto Dark Knight e Onion Knight são classes poderosas que exigem alto investimento para serem desbloqueadas e aprimoradas — especialmente a segunda, capaz de gerar combatentes quase invencíveis. Particularmente, não vejo essas ausências como prejuízos reais à experiência, já que, apesar de divertidos, esses acréscimos não ampliam a qualidade do jogo original.

No entanto, considerando que a versão original de PlayStation está disponível (com correções de bugs e o texto atualizado de War of the Lions), seria, sim, muito interessante que a edição de PSP também tivesse sido incorporada ao pacote, o tornando ainda mais completo. Por fim, sendo este o terceiro lançamento de FFT, é realmente lamentável que ainda não possamos jogar esse magnífico RPG em português, idioma que mais uma vez não está disponível entre as opções de legenda.


A reafirmação de um grande clássico

Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles reafirma por que a obra da Square é um marco não apenas dentro da franquia Final Fantasy, mas também na história dos RPGs táticos. Com uma narrativa política incrível, personagens complexos e um sistema de classes profundamente customizável, o jogo é um verdadeiro exemplo de como unir profundidade mecânica e densidade narrativa em perfeita harmonia.

Ainda que a ausência dos conteúdos de The War of the Lions possa decepcionar alguns jogadores e a falta do nosso idioma seja realmente lamentável, os ajustes e acréscimos aqui presentes tornam esta versão, definitivamente, a melhor forma de explorar o fantástico mundo de Ivalice.


Prós

  • Narrativa densa e extraordinária, com conflitos políticos bem explorados e personagens memoráveis e complexos;
  • A ótima dublagem em japonês acrescenta profundidade e dramaticidade às situações e aos indivíduos (também há vozes em inglês);
  • O menu com informações detalhadas sobre o universo do jogo e a linha do tempo são bastante úteis para compreender o que está acontecendo em Ivalice;
  • Combates táticos com alta profundidade, exigindo planejamento cuidadoso e estratégico de posicionamento, uso de terreno e gestão de turnos;
  • Adições relacionadas ao combate e à interface — incluindo indicadores de terreno, aceleração de animação, linha do tempo visível, visão aérea e diálogos extras — tornam os confrontos ainda mais interessantes e dinâmicos;
  • Sistema de classes rico e com personalização quase ilimitada, permitindo combinações extremamente flexíveis de habilidades distintas em um mesmo personagem;
  • A remodelação do menu de gerenciamento de personagens facilita a análise das classes e de seus atributos.

Contras

  • A ausência do conteúdo de The War of the Lions pode incomodar alguns jogadores veteranos;
  • Ausência de legendas em português.
Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles — PC/PS4/PS5/XSX/Switch/Switch 2 — Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: Switch 
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix
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Lucas Oliveira
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