Análise: Morsels — uma aventura com personalidade (e frustração) de sobra

O roguelite repleto de criaturas peculiares conta com um visual impecável, mas falha no balanceamento como um todo.

em 26/11/2025

Anunciado em agosto do ano passado, Morsels chegou aos consoles sob altas expectativas: o indie foi lançado pela Annapurna Interactive e apresenta uma estética bem inusitada (e um tanto nojenta, por assim dizer), mas o foco principal está na progressão frenética típica do gênero roguelike e do subgênero roguelite. Apesar de transbordar personalidade em seu visual e trilha sonora, Morsels acaba pecando em vários aspectos, como na falta de explicações simples aos jogadores sobre o funcionamento das inúmeras mecânicas contidas na aventura e uma dose exagerada de aleatoriedade.

Monstros e mais monstros em um mundo subterrâneo

A trama de Morsels é curta e vai direto ao ponto: várias cartas misteriosas caem na Terra, capazes de transformar quem as possuir em diversos monstros. Algumas criaturas mais poderosas – chamadas de Barões das Cartas – tomam cartas valiosas para si mesmas e passam a dominar e governar as mais fracas. Nesse contexto, Mousel, um pequeno ratinho, parte em uma jornada para encontrar a lendária Carta Divina e acabar com o reinado dos tiranos (sem ignorar, claro, todos os pedaços de queijo no caminho).


Logo de cara, o título chama a atenção pelo visual em pixel art, que busca uma estética bem puxada para o grotesco. Os cenários são repletos de lixo, gosma e vários elementos que remetem ao trato digestivo humano. Os personagens que Mousel encontra em sua aventura são um dos grandes destaques: vários deles são detalhados até demais, repletos de rugas, olhos esbugalhados e adereços nojentos.


A estética em pixel art, inclusive, parece ter sido feita para os portáteis: no Switch, o jogo roda de forma bem fluida – essencial para a rapidez dos combates e da movimentação. Há alguns pequenos travamentos nas animações das telas de carregamento, porém nada que prejudique a jogabilidade.

Os efeitos sonoros e a trilha também se destacam, dando vida a esse mundo peculiar e excêntrico. Nesse sentido, tanto o visual quanto a trilha casam perfeitamente com a proposta do título: guiar o pequeno protagonista através de salas repletas de monstros e coletar cartas para, justamente, transformar-se em cada vez mais criaturas (chamadas aqui de bocaditos) com habilidades únicas e essenciais para a progressão.

Jogabilidade repleta de mecânicas, mas com quase nenhuma explicação

Ao começarmos uma run, escolhemos entre duas cartas – Mousel se transforma no bocadito contido na carta escolhida, e partimos para as salas lotadas de inimigos. A lógica é simples: podemos carregar até três cartas de bocaditos e trocar livremente qual deles queremos controlar; caso o ratinho colete uma quarta carta, será necessário descartar um bocadito do inventário.


Conforme derrotamos inimigos em cada sala, ganhamos pontos de experiência, e uma determinada quantidade deles fará o bocadito selecionado evoluir para uma versão mais forte. Há itens especiais que causam efeitos diversos na tela ao serem utilizados, além das orbelotas, que aumentam atributos como velocidade e quantidade de esquivas consecutivas. Nesse sentido, o título ganha traços de roguelite: ao final de cada run, os pontos de experiência obtidos desbloqueiam novas orbelotas a serem encontradas em jogadas subsequentes.

Os controles são um tanto inusitados, mas é fácil se acostumar com eles: Morsels se apropria dos controles típicos dos shooters twin-stick, ou seja, controlamos os personagens com o analógico esquerdo e atacamos com o direito (ou com os botões A, B, X e Y). Há alguns poucos outros comandos: o gatilho ZR faz uma arrancada, usada para ultrapassar alguns obstáculos e esquivar de ataques; o botão L utiliza itens especiais coletados ao longo da aventura; as setas direcionais selecionam o bocadito ativo; e o gatilho ZL usa o ataque especial do bocadito selecionado quando a barra estiver carregada.


De forma geral, a fórmula é simples – ou deveria ser, pelo menos. O grande problema é que o título conta com inúmeras mecânicas (que são, em grande parte, pouco intuitivas) que não são explicadas de forma clara ao jogador.

Decifra-me ou te devoro

Quando falo de falta de explicações, não estou falando de um tutorial simples (temos um no início do jogo e em alguns momentos específicos), mas sim de informações básicas sobre os colecionáveis encontrados nas salas. Há pedaços de queijo, ossos, peixes, flores, orbelotas, cartas de bocadito... e cabe ao jogador decifrar o que a maioria desses itens faz, já que as escassas linhas de diálogos explicativos são pouco informativas e relativamente vagas.

Além disso, Morsels acaba se tornando uma experiência um tanto punitiva demais, já que essa tarefa de entender o que cada item e habilidade faz acontece enquanto desviamos de inúmeros ataques de inimigos extremamente agressivos. Por vezes, as várias criaturas ocupam cada canto do cenário e se misturam com elementos dele; há armadilhas aos montes que também se juntam ao cenário e, para piorar, caso passemos tempo demais em uma sala, uma enorme cobra aparece e elimina os bocaditos com um único toque. Um bom desafio é sempre bem-vindo, claro – mas mesmo na dificuldade mais baixa, parece que há uma falta de balanceamento geral no jogo.


Os personagens que comentei no início do texto são encontrados entre cada nível, em intermissões: essas criaturas peculiares geralmente oferecem duas opções ao protagonista, e é obrigatório aceitar uma delas para progredir para a próxima sala. Algumas opções só podem ser escolhidas ao se gastar determinado colecionável, e não tê-lo faz com que só haja uma alternativa a ser aceita.

Nesse sentido, a falta de informação chama a atenção novamente, além de contribuir para a frustração do jogador, já que não há nenhuma explicação clara sobre o que cada opção pode causar – de bom ou de ruim. A dose de tentativa e erro clássica do gênero acaba sendo mais uma decepção em meio ao caos dos combates em cada nível.


Impossível não mencionar a forma como Hades II, por exemplo, lida com essas intermissões após cada sala repleta de inimigos. No título, cabe ao jogador criar sua própria build, e todas as informações necessárias para isso são expostas na hora da escolha entre as várias bênçãos dos deuses gregos; em Morsels, temos a mesma missão de formar a melhor build para progredir, porém escolher uma única opção errada (ou, ainda, ser forçado a escolhê-la) pode acabar com uma run na próxima sala. Veja, não acho que todo jogo deva entregar ao jogador todas as suas manhas logo de cara, pelo contrário; contudo, aqui, a ausência de informações é muito mais frustrante do que estimulante para a jogatina.

Algumas outras mecânicas também contribuem para essa frustração: os ataques e habilidades especiais dependem de uma barra que recarrega com o tempo para serem utilizados, o que, por vezes, atrapalha o ritmo do combate e provoca danos acidentais causados pelos inimigos próximos. Isso acaba tornando a dinâmica relativamente repetitiva: atacar várias vezes, afastar-se para aguardar os golpes recarregarem e atacar novamente – um problema que talvez pudesse ser resolvido com mais opções de golpes diferentes.


E, por fim, como comentei, os bocaditos evoluem após derrotarmos inimigos suficientes e obtermos pontos de experiência. Isso por si só já apresenta um grande potencial na escolha dos bocaditos e nas trocas entre eles durante cada confronto; mas, ao atingirem um determinado limite de experiência, as criaturas evoluídas se “aposentam”, sumindo instantaneamente. Sendo assim, fica a sensação de que o tempo investido com cada bocadito foi jogado fora.

O lado bom dos monstros

Há também vários pontos positivos em Morsels, claro: a mecânica da troca de bocaditos é bem divertida, e cada um deles tem seus ataques próprios. O Poluito, por exemplo, ataca com socos de curto alcance, e sua habilidade especial paralisa os inimigos próximos com vários raios; já o Folhito golpeia com um laser de longo alcance e pouca duração, e seu especial aumenta a potência do laser. Escolher os bocaditos conforme a necessidade é essencial para progredir pelos níveis.

Além disso, os bocaditos coletados ficam organizados em uma enciclopédia bem charmosa (com leves traços de Pokédex): cada criatura recebe uma página exclusiva com uma arte mais detalhada e especificações sobre sua origem, ataques e habilidade especial. A enciclopédia também permite ao jogador consultar suas estatísticas de jogo, como quantidade de vitórias, os bocaditos mais escolhidos, o número de inimigos abatidos, e por aí vai. Uma ótima adição para jogadores que apreciam esse tipo de detalhe (como é o meu caso).


As lutas contra chefões, apesar de mecanicamente simples, também adicionam uma camada a mais de desafio e apresentam os tiranos responsáveis pelas injustiças da história. Cabe destacar, ainda, os minigames acessados em determinados pontos, como a travessia de várias ruas movimentadas ao melhor estilo Frogger quando coletamos um bilhete de ônibus e o entregamos a um bizarro gato-ônibus ou o breve desafio pixelado cujos recordes devem ser batidos para se obter uma recompensa de um jacaré em uma das intermissões entre salas.


De modo geral, o título apresenta ideias divertidas e criativas, aliadas a uma boa jogabilidade, porém é difícil não perceber como os pontos negativos frustram a experiência e acabam pesando muito em um jogo que tinha tudo para ser ainda mais único em um mar de títulos de seu gênero.

Um potencial engolido pelas próprias cartas

Morsels é o tipo de jogo que desperta curiosidade e frustração na mesma medida. Há um universo criativo aqui, cheio de ideias, estilo e humor grotesco, mas que tropeça ao ser mais complexo do que o necessário. Em meio a um visual impecável, uma trilha ótima e criaturas com designs memoráveis (e nojentos), fica a sensação de que o game se perde um pouco entre suas próprias camadas. No fim, a aventura deixa um sentimento agridoce: estamos diante de um pacote com muita personalidade, mas que acaba tendo seu potencial limitado por algumas escolhas mais duras, que frustram o jogador em vez de estimular novas tentativas e estratégias na pele de um ratinho corajoso.

Prós

  • Visual único e trilha sonora ótima que contribuem para uma atmosfera grotesca e excêntrica;
  • Controles fáceis de aprender e com boa implementação;
  • Vários personagens interessantes e interações repletas de humor ácido;
  • Grande variedade de bocaditos, cada um com ataques e habilidades específicos.

Contras

  • Pouca explicação de mecânicas relativamente básicas para a progressão;
  •  Excesso de escolhas forçadas que tornam a experiência punitiva em várias situações;
  • Apesar de visualmente impressionante, a falta de distinção visual entre elementos benéficos e prejudiciais aos bocaditos faz com que as armadilhas e inimigos se misturem e confundam o jogador em meio a batalhas lotadas.
Morsels — PC/PS5/XSX/Switch — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Alessandra Ribeiro
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Felipe Castello
Designer gráfico de formação, é fã da Nintendo desde a infância, quando ganhou um SNES usado com Super Mario World e Donkey Kong Country. Apesar do carinho especial pela série Mario, também se diverte com Pokémon, The Legend of Zelda e Animal Crossing. Costuma jogar no (pouco) tempo livre entre os estudos e o trabalho.
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