Estamos em 1994, um dos melhores anos para a cultura, com lançamentos icônicos, de O Rei Leão a Godzilla vs SpaceGodzilla. Em games, tivemos clássicos eternos como Super Metroid, Donkey Kong Country e o nascimento do PlayStation. No PC, System Shock chegava com tudo (em versão de disquete e CD), apresentando um jogo complexo, viciante e a fundação para o que seria um dos maiores ícones do FPS.
Alguns anos depois, em 2020, o jogo receberia um remake muito bem feito para uma nova geração. Finalmente, chegamos ao começo deste ano, com o relançamento extremamente competente de System Shock 2 nos novos consoles e, pouco tempo depois, a chegada do dito remake no território da Nintendo. Sem mais delongas, venha comigo e tente sobreviver, inseto.
Um fantasma na máquina
2072. Na estação espacial Cidadela, um hacker está em seu apartamento tentando roubar dados da companhia dona da estação, a gigante TriOptimum. No entanto, ele é flagrado pela segurança e levado até Edward Diego, um ambicioso e corrupto membro da companhia, que promete conferir implantes de última geração e ignorar a transgressão se o hacker modificar SHODAN, a inteligência artificial da Cidadela, deixando-a vulnerável para que Diego possa roubar um vírus experimental sem que o resto da empresa descubra.
Tendo feito a transação, o hacker passa pela cirurgia e acorda seis meses depois, tendo descoberto que SHODAN agora reina suprema na Cidadela, tendo tomado conta dos robôs e matado praticamente todos os tripulantes, transformados os tripulantes em monstros famintos ou convertido as pessoas em ciborgues escravos de sua vontade. Ao longo de sua jornada, ele é contatado por Rebecca Lansing, ex-funcionária do conglomerado e atual participante da pequena resistência contra SHODAN, tendo ficado surpresa com a sobrevivência do hacker e oferecendo ajuda para enfrentar a insanidade da inteligência artificial.
Circo de terror
A duologia System Shock é icônica por suas histórias densas, reviravoltas surpreendentes e lore extremamente forte e, mesmo que a trama do segundo jogo seja sem dúvidas melhor, o enredo do primeiro não fica atrás na questão da qualidade. Foi com este jogo que o ato de coletar arquivos de áudio para descobrir mais sobre a história surgiu, inspirando jogos como Bioshock e Wolfenstein.
No caso de System Shock, são arquivos minuciosamente colocados no mapa para revelar os últimos pensamentos dos tripulantes da Cidadela, conferindo seus sentimentos e horror diante da tomada de SHODAN. E, tal como seu sucessor, a ambientação da Cidadela é rica e extremamente detalhada. A criação do ambiente e como o level design deixa bastante realista a produção da estação cria a sensação que não é apenas um mero cenário fictício, mas um local que já foi o lar de muitas pessoas, agora infestada por morte e ecos de um horror esquecido. Melhora ainda mais o fato de que o jogo, diferente da sequência, está traduzido para o português brasileiro, possibilitando o completo entendimento desse show de vísceras e cabos.
Algo a se notar em comparação com sua sequência é a utilização mais frequente de trilha sonora; enquanto System Shock 2 priorizava a escassez de música para impor um sentimento insólito, o remake do primeiro jogo emprega batidas digitais para acrescentar uma ambientação cyberpunk ao clima assustador do jogo, criando uma atmosfera muito legal e familiar, ao mesmo tempo que única entre os dois jogos.
Bang bang futurista
Quando comecei a jogar System Shock, fiquei surpreso que ele não tem o sistema de RPG e progressão elegante de sua sequência, na qual pegamos pontos de habilidade para melhorar os status, tampouco outros pontos bastante interessantes como a extensa utilização de poderes tecnológicos e a habilidade de hackear robôs e lojinhas para nosso usufruto. Inicialmente, fiquei desapontado, mas entendi que essa era uma das inúmeras ampliações que a sequência deu para aperfeiçoar o sistema do original.
Por sua vez, System Shock tem suas próprias individualidades que fazem bastante diferença e cria seus próprios méritos. A presença de um minimapa sem a necessidade de escolher entre outros upgrades, a capacidade de vaporizar lixo no arsenal para desocupar espaço e vender por moedas e, especialmente, a redução de menus ajudam na qualidade de vida do jogador. Além disso, o sistema de hackeamento de portas e redirecionamento de energia é bem mais divertido e funciona mais como um puzzle do que como a aposta acirrada da sequência, em que um erro poderia resultar na perda da recompensa, um alarme ou até a morte do jogador.
Mas talvez a mudança de gameplay mais diferente são as seções de ciberespaço, onde o hacker invade o software para afetar partes específicas de cada seção como abrir uma porta especial ou desativar sistemas de lasers. No ciberespaço, o controle é livre como se estivéssemos flutuando por corredores de neon brilhantes, enfrentando criaturas poligonais semelhantes a insetos e disparando shurikens e brocas coloridas. Parece uma viagem louca e até desconcertante no início, mas logo se pega o jeito e viram uns dos momentos mais legais do jogo.
ERROR! ERROR!
Nem tudo são flores, porém. A mira é boa e as armas respondem bem, mas pode ser muito frustrante mirar exatamente nos inimigos que estiverem muito longes, podendo errar por mirar milímetros para outro lado. Outro fator que deixa bastante a desejar é sua performance bastante inconsistente. Para carregar o jogo, seja no começo ou repetir um save para corrigir algum erro bobo, é tudo muito rápido e visualmente de longe tudo é muito bonito e fluido, muito próximo do lançamento nas plataformas anteriores.
Porém, ao se aproximar para ver os detalhes, os serrilhados ficam extremamente visíveis e chega a ser atroz a falta de polimento no estado que foi lançado. Sem contar os soluços de performance, uma vez que o jogo cai para 30 fps ou menos em algumas seções e fica praticamente injogável por preciosos segundos em meio ao fogo cruzado, além de estranhos travamentos que fazem o hacker ficar preso no lugar e, com muito esforço apenas, conseguir sair para continuar.
Por fim, em análises passadas, eu disse que todo relançamento que se preze deve incluir rascunhos e desenvolvimento de seus jogos para fins de preservação e curiosidade. Esse meu pensamento se estende inclusive para ports de remakes, e System Shock falha nesse aspecto, trazendo absolutamente nada para relembrar suas raízes ou muito menos um agrado aos fãs, um trabalho bem aquém em comparação com sua sequência.
Uma bicicleta feita para dois
System Shock é um jogo competente e um remake ainda mais forte, polindo o lançamento original com gráficos atuais e revivendo um ícone para uma nova geração. Porém, como SHODAN revivendo cadáveres e desfigurando-os em ciborgues zumbis, o port para o Switch deixa a desejar em aspectos cruciais e, ao todo, fracassando em relembrar suas origens para fins de preservação.
É um jogo muito bom, digno de seus aplausos, mas que um pouco mais de polimento seria apreciado para honrar o que criou e ajudou a construir. De qualquer forma, está dispensado, inseto.
Prós
- História rica e envolvente;
- Ambientação imersiva e complexa, enriquecida pelo clima de terror;
- Minigames divertidos;
- Visualmente bonito (quando se está longe);
- Traduzido muito bem para português brasileiro;
- Ausência de mecânicas da sequência podem estranhar no começo, mas ampliam a liberdade de jogo.
Contras
- Ausência de conteúdo making of e outras apreciações de relançamento;
- Mira decente, mas que frustra constantemente com sua imprecisão;
- Performance inconstante, travando em momentos críticos;
- Falta de polidez nos detalhes e serrilhados extremamente visíveis quando percebidos.
System Shock — Switch/Switch 2 — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: Switch 2
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Nightdive Studios






