A indústria de semicondutores vive um novo ciclo de tensão que vai muito além das oscilações tradicionais de oferta e demanda. Diferentemente da crise de chips observada durante a pandemia, o atual problema envolvendo memórias RAM, especialmente DRAM, tem caráter estrutural e está profundamente ligado à explosão do mercado de inteligência artificial, data centers e computação de alto desempenho.
A memória RAM representa uma parte crítica do custo total de produção de consoles modernos. No caso do Switch 2, que utiliza um conjunto de memórias mais robusto (LPDDR5) que o do Switch original para sustentar jogos mais complexos e recursos gráficos avançados, qualquer variação significativa no preço desses chips tem impacto direto na margem de lucro e na estratégia comercial da Nintendo.
A disparada dos preços de DRAM e seus efeitos imediatos
Desde o fim de 2024, dados de mercado e análises de consultorias especializadas apontam para uma alta expressiva nos preços da DRAM, impulsionada principalmente pela priorização da produção de memórias de alto valor agregado, como HBM, destinadas a aceleradores de IA.
Fabricantes como Samsung, SK Hynix e Micron passaram a direcionar investimentos e capacidade produtiva para esses segmentos mais lucrativos, reduzindo a oferta relativa de DRAM “convencional”, utilizada em eletrônicos de consumo.
Relatórios indicam que o custo dos módulos de memória utilizados no Switch 2 registrou aumentos superiores a 40% em determinados contratos recentes. Esse crescimento abrupto ocorre em um momento sensível, próximo ao início da produção em larga escala do console, quando contratos de fornecimento já deveriam estar estabilizados. Como resultado, a Nintendo se vê diante de um aumento inesperado no custo por unidade, sem espaço imediato para renegociação ampla ou substituição tecnológica.
Repercussão financeira e queda das ações da Nintendo
O impacto dessa pressão de custos não ficou restrito ao campo industrial. O mercado financeiro reagiu rapidamente às notícias sobre o aumento no preço dos componentes do Switch 2. Reportagens internacionais destacaram uma queda relevante no valor de mercado da Nintendo, estimada em bilhões de dólares, após investidores reavaliarem as perspectivas de margem do novo console.
A reação das ações reflete um temor recorrente no setor de games: a dificuldade de equilibrar custo de hardware, preço final ao consumidor e expansão da base instalada.
Historicamente, a Nintendo adota uma estratégia de preços mais acessível, apostando em volume e em receitas recorrentes de software e serviços. Qualquer ameaça a esse equilíbrio gera incerteza sobre o desempenho financeiro do produto ao longo de seu ciclo de vida.
Uma crise com horizonte de longo prazo
Diferentemente de crises pontuais do passado, analistas da indústria de semicondutores têm sido consistentes ao apontar que a atual escassez e o encarecimento da DRAM podem se estender por vários anos. Executivos e relatórios ligados à SK Hynix, por exemplo, indicam que a normalização plena do mercado pode ocorrer apenas entre 2027 e 2028.
Essa previsão está ligada à decisão estratégica dos fabricantes de evitar expansões agressivas de capacidade produtiva, como ocorreu em ciclos anteriores e resultou em excesso de oferta e colapso de preços. Em vez disso, as empresas preferem um crescimento controlado, mantendo margens elevadas, mesmo que isso signifique restringir o fornecimento para segmentos menos rentáveis, como consoles e PCs de consumo.
O dilema estratégico do Switch 2
Para a Nintendo, o cenário impõe escolhas difíceis. Absorver integralmente o aumento do custo da memória preservaria o preço do Switch 2, mas reduziria significativamente a margem por unidade vendida, o que pode comprometer investimentos futuros e a sustentabilidade do produto a longo prazo.
Por outro lado, repassar esse custo ao consumidor por meio de um aumento de preço coloca em risco a proposta de valor do console, especialmente em mercados sensíveis a preço.
Existe ainda a possibilidade de ajustes técnicos, como a criação de diferentes versões do console com configurações de memória distintas ou maior dependência de armazenamento em vez de RAM. No entanto, essa abordagem traz riscos adicionais, como fragmentação da base instalada e maior complexidade para desenvolvedores, que teriam de otimizar seus jogos para múltiplos perfis de hardware.
Impactos no ecossistema de desenvolvimento e nos jogos
A crise da memória não afeta apenas a Nintendo enquanto fabricante de hardware, mas também todo o ecossistema que depende do Switch 2. Caso limitações de custo levem a especificações mais conservadoras ou a uma fragmentação de modelos, desenvolvedores third party podem enfrentar desafios adicionais para explorar plenamente o potencial técnico do console.
Além disso, uma base instalada menor, seja por preço elevado ou por restrições de oferta, reduz o incentivo econômico para projetos mais ambiciosos, afetando diretamente a diversidade e a complexidade dos jogos disponíveis. Em um mercado cada vez mais competitivo, esse efeito indireto pode ser tão prejudicial quanto o aumento direto de custos.
Perspectivas para o futuro
O futuro do Switch 2 estará diretamente ligado à duração e à intensidade da crise global de memória RAM. Se as previsões mais pessimistas se confirmarem e o mercado permanecer pressionado até 2028, a Nintendo terá de recorrer a soluções criativas de engenharia, negociações agressivas com fornecedores e, possivelmente, revisões em sua estratégia tradicional de hardware.
Mais do que um obstáculo pontual, a crise da RAM sinaliza uma mudança estrutural na indústria de tecnologia, na qual produtos de consumo disputam recursos com setores de altíssimo valor, como inteligência artificial.
Para o Switch 2, isso significa que seu sucesso não dependerá apenas de bons jogos ou de uma proposta criativa, mas também da capacidade da Nintendo de navegar com precisão por um dos períodos mais complexos da história recente dos semicondutores.
Revisão: Vitor Tibério






