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Análise: Pato Box (Switch) é uma aventura experimental inspirada em Punch-Out!!

Título indie baseado na série de boxe da Nintendo leva ao limite as mecânicas tradicionais da franquia.


Considerada uma franquia de menor relevância dentro do panteão da Nintendo, a série Punch-Out!! não deve em nada aos irmãos maiores no que compete ao apreço dos fãs por seus títulos e, principalmente, na proporção em que marcou o imaginário dos jogadores. A precisão com a qual esses jogos traduziram o boxe para o formato arcade é tamanha que sua ausência de quase 10 anos desde o lançamento de Punch-Out!! (Wii) é sentida pelos entusiastas do estilo, mesmo em tempos de ARMS (Switch).

Foi se inspirando no formato consagrado dos clássicos estrelados por Little Mac que a produtora indie mexicana Bromio concebeu Pato Box (Switch), um híbrido empolgante entre a jogabilidade arcade de Punch-Out!! e uma narrativa ao estilo adventure, apresentando o cativante mundo surreal do boxeador Primo ‘Pato Box’ e sua busca por vingança contra seus escusos patrocinadores, a corporação Deathflock.

Pato noir

É praticamente impossível falar sobre Pato Box sem iniciar pela apresentação visual única do título. Se opondo radicalmente aos visuais coloridos e caricaturais da musa inspiradora Punch-Out!!, o jogo traz um mundo todo renderizado em preto-e-branco, com um traço que mistura o minimalismo contemporâneo com um estilo retrô que remete aos tradicionais quadrinhos italianos como Tex e Dylan Dog

Com uma narrativa evocativa de HQs noir como o clássico The Spirit de Will Eisner ou o Sin City de Frank Miller, Pato Box não demora em ambientar o jogador em seu charmoso universo, misturando na trama o nonsense cartunesco do boxeador com cabeça de pato em busca de vingança contra uma trupe de vilões estapafúrdios com as batidas dramáticas e mais sóbrias de uma trama recheada de reviravoltas interessantes.
"Toda grande pancadaria começa com um simples soco."


O resultado é um game que possui uma identidade marcante desde o primeiro momento, e que consegue vender bem sua proposta em ser uma narrativa de história em quadrinhos. Isso se expressa ao longo de um modo história bem trabalhado, que contextualiza as diversas lutas contra chefes que compõem a espinha dorsal do jogo em meio a uma trama que poderia dar as caras facilmente em uma HQ independente das boas.

Complementando os visuais acertados, a trilha sonora merece destaque à parte. Misturando o piano-jazz leve (que remete às histórias de detetive às quais o título presta homenagem) com uma música eletrônica oitentista carregada em bass (que faz lembrar a ambientação retrô-psicodélica de Hotline Miami), as faixas embalam bem as sequências exploratórias e ajudam a fortalecer a unidade temática do jogo, principalmente com as diferentes versões do tema principal, que variam de acordo com a ocasião. A música também se faz presente in-game, marcando o compasso das batalhas e sendo central na mais infame delas: a batalha rítmica contra o Dr. Plaganetes (mais sobre esse pesadelo na seção seguinte).
A estética dos quadrinhos é bem explorada pelo game.


O cast memorável de personagens ganha vida com a animação detalhada das figuras bidimensionais, que consegue renderizar fluidez e detalhismo com poucos frames-chave. Os efeitos sonoros também acompanham bem os movimentos, e dão pistas valiosas na hora de prever padrões durante o combate. No que diz respeito aos cenários e à passagem para o 3D, no entanto, o visual traz alguns problemas pontuais. 

Enquanto nos combates a ação se dá entre planos 2D, na exploração do modo Story temos cenários tridimensionais revestidos de texturas que trazem o traço e estilo característico da arte do game. Embora pareçam bonitas quando tomadas estaticamente, na movimentação pelo cenário encontramos quedas de framerate que, aliadas a uma câmera fixa sobre o ombro do personagem, tornam a experiência mais truncada do que o desejável. 
Fica esperto, Pato, que o molho de laranja já tá pronto!


Outro preço a se pagar pelo estilo adotado é a falta de clareza da separação dos objetos na tela, que por vezes tendem a se misturar uns com os outros com a ausência de contornos brancos de contraste (utilizada nos quadrinhos que adotam esse estilo visual), e na estranheza de obstáculos em 2D sendo sobrepostos em construtos tridimensionais (a esteira do abatedouro pode ser um pequeno pesadelo enquanto não se acostuma com o estranho senso de profundidade do game).

Felizmente, nenhuma dessas reservas tira o mérito da apresentação audiovisual ousada e criativa do game, que, unida ao foco na história, levam de cara a fórmula de Punch-Out!! para longe daquilo que se poderia esperar, com resultados bastante positivos — em especial para os jogadores mais velhos e para os apreciadores do estilo adotado pela produção.
Com muito charme, a história apresenta ideias absurdas com total sobriedade.

Justiça aviária

A centralidade da história se prova pelo fato de que o modo Story, longe de simplesmente encaixar as lutas do jogo em um hub com material adicional e minigames, acaba sendo sem dúvidas o coração do game, com o boss rush do modo Arcade representando apenas uma versão resumida do conjunto. 

Recomenda-se desfrutar primeiramente da história no modo original, tanto pela completeza e variedade maior da experiência (que intercala as lutas principais com minigames, sidequests e desafios divertidos), quanto pelo próprio aprendizado que ela proporciona, oferecendo dicas valiosas de como lidar com os oponentes (acredite, você vai precisar delas!), e o background de sua história que torna a coisa ainda mais interessante (quem não gostava de especular a respeito das relações e motivações dos personagens nos jogos de luta clássicos?).
A jornada se inicia com Pato defendendo seu cinturão.

O enredo conta a trama do boxeador de sucesso Primo ‘Pato Box’, que sofreu uma inesperada sabotagem em sua luta contra o novato Kilpatrick, levando-o não apenas à inexplicável derrota como a uma tentativa de assassinato que o deixou esfaqueado em um beco à espera da morte. 

Resgatado pela misteriosa Faith, os dois se unem para derrubar a Deathflock, corporação que sempre foi a grande patrocinadora do campeão aviário, mas que agora, ao que tudo indica, se revela como estando por trás dessa terrível traição. O restante do game se passa na sede da corporação, que se divide em diversas áreas onde habitam figuras-chave da mesa diretora da Deathflock. Apenas derrotando cada um desses executivos escusos e obtendo seus Emblemas é que Pato Box poderá ter acesso à sala da presidência onde Den, o misterioso arqui-inimigo por trás da conspiração, o aguarda . 
A dor da traição.
Retomando à força sua suíte para servir de base de operações, Pato Box acessa via elevador as diferentes áreas da enorme construção, cada uma delas contendo um chefe a ser enfrentado, em um modelo que remete à tela de seleção de bosses consagrada pela série Mega Man. A liberdade de escolha é uma função interessante, mas não cumpre muito papel na experiência já que a derrota dos chefes não garante quaisquer tipos de power-ups que mudem a experiência, sendo que a escolha pela ordem em que enfrentá-los acaba sendo apenas isso mesmo: escolher a ordem dos desafios idênticos a serem encarados.

Por outro lado, um ponto negativo do formato é o de que não há nenhuma pista para o jogador a respeito do nível de dificuldade dos desafios, ao mesmo tempo em que um dos setores mais difíceis de todo o jogo aparece logo após a vitória sobre dois chefes e se torna um evento fixo e inescapável — a batalha rítmica contra o Dr. Plaganetes. Esse sub-chefe apresenta uma escalada repentina e aguda de dificuldade que tem tudo para tornar-se uma experiência frustrante não apenas pelo nível do desafio, que exige respostas muito rápidas e pune o jogador severamente por qualquer erro mínimo, mas ao combinar essas características com uma batalha longa e sem quaisquer checkpoints.
♫ Pararapapapá pararapapapá parapá parapá parapapararáááá ♫ (música de apresentação dos bosses de Mega Man)


Cada tentativa dessa batalha pode se estender facilmente para acima de 5 minutos, com no mínimo seis etapas de um minigame rítmico que consiste em desviar e defender freneticamente — que podem se estender para mais, a depender de uma rápida etapa que consiste em socar dois pontos na tela que se alternam em um padrão randômico. 

Após algum tempo de memorização de padrões e 5 minutos de cores piscantes em preto-e-branco num ritmo que já não apresenta desafio nenhum ao jogador, chegar em uma etapa avançada que pune massacrando o personagem em questão de segundos, apenas para remetê-lo à fase inicial — 5 minutos mais cedo — é uma experiência potencialmente cansativa e que pode ser desmotivadora para o gamer mais inabilidoso (ou impaciente). Ela destoa da dinâmica rápida de tentativa-e-erro que dá o tom dos bons combates do game. Infelizmente o problema não é restrito à batalha contra Plaganetes, estando presente também nas lutas contra outros chefes, ainda que não de forma tão marcada.
Hora de treinar o footwork!
Fora este desbalanceamento no formato do modo Story, a experiência flui bem e, dada sua variedade, tem tudo para ser recompensadora. Cada um dos ambientes é bem trabalhado e explora uma possibilidade diferente da jogabilidade, que vai do tradicional "fuça-fuça" e coleta de itens dos jogos do estilo adventure, até arriscadas seções de plataforma. Mesmo contando com a ajuda da dificuldade elevada, o modo Story traz mais conteúdo do que se poderia esperar de um título indie de boxe arcade, proporcionando uma experiência que pode facilmente exceder 7 horas de jogo, a depender da habilidade do jogador.

Os ambientes trazem ainda ítens colecionáveis (Patokens) e elementos extras que vão dando pistas a respeito da trama. A variedade da jogabilidade acompanha a diversidade de ambientes disponíveis, que vai de um luxuoso cassino até os esgotos por debaixo da sede da Deathflock, passando pelo setor corporativo e pela cozinha-abatedouro particular (!?) da empresa. 
Primo está disposto a revirar até os esgotos em busca de respostas.


A maioria dos minigames é simples e apresenta um desafio quando muito moderado, oferecendo bons momentos para se respirar entre uma sova e outra. Ao mesmo tempo, a imprevisibilidade da trama impede que o jogador fique confortável demais na pele de Primo, sendo que a história traz inclusive boas seções de terror, muito bem realizadas com a ajuda da trilha sonora sempre precisa. A aventura traz uma boa cota de plot twists que mantêm o jogador vidrado no mundo bizarro do boxeador aviário, terminando em um confronto épico à altura de toda a inspiração que foi colocada na criação desse universo.
Quem disser que não teve medo nessa parte, estará mentindo!


Entrando no ringue

As batalhas, ponto central do jogo, tomam o modelo de Punch-Out!! e procuram levá-lo ao limite. O resultado é uma jogabilidade robusta e diversificada que é derivada de uma lista simples e familiar de comandos: um botão para o soco esquerdo, um botão para o soco direito, direcional para cima transforma o jab em soco alto, direcional para baixo defende e os outros direcionais dão a esquiva para seus respectivos lados, com a duração do movimento dependendo do tempo de pressão do botão.

Se engana quem achar que a complexa história de Pato Box se resolve sem fugir muito das regras do esporte. Muito além da esquiva, defesa, ataque e contra-ataque, cada adversário traz consigo um arsenal próprio de armas, movimentos e mecânicas próprias que fazem com que cada luta tenha uma cara própria. Alguns combates se organizam em torno do contra-ataque bem colocado, outros exigem uma postura mais defensiva enquanto que há ainda aqueles que são resolvidos praticamente apenas na esquiva (maldito seja, Dr. Plaganetes!). As lutas são apresentadas de forma dramática e normalmente trazem finais épicos — bom para quem está a assistir a jogatina, já que o próprio jogador dificilmente terá tempo para contemplar qualquer coisa que não os padrões implacáveis do ataque inimigo.
"Pode isso, Arnaldo?"


Além dos jabs, uppercuts e ataques laterais, a trupe de Deathflock vem para cima de Pato Box com granadas, bombas, robôs, raios laser, aparelhos de eletrocução, lança-chamas e por aí vai. A lista é tão extensa quanto o número de derrotas necessárias para se memorizar corretamente os padrões de ataque de cada adversário, e preparar o respectivo contra-ataque fatal. A memorização das dicas visuais e sonoras e a agilidade de resposta determinam a vitória nos combates, que acabam funcionando como chefes de jogos da era 16-bits.

O sistema traz muito pouco espaço para a improvisação e para o traçado de qualquer estratégia que não a única correta para se lidar com determinada ameaça. Se por um lado isso faz do game uma legítima experiência ao estilo retrô (com um nível de detalhamento que fica à altura dos clássicos do gênero), a abordagem acaba se revelando uma limitação em duas frentes: no fator replay e em relação ao grande atrativo da versão para o Switch, a opção por controles de movimento.
Peraí, um lança-chamas? Jura!?

Com o nível de desafio elevado e a rigidez dos combates, o fator replay do título encontra-se empobrecido para todo jogador que não for um verdadeiro entusiasta do game. Por outro lado, o jogo traz conteúdo o suficiente para justificar seu preço. Já no que compete aos controles de movimento, o problema é mais danoso. Apesar de serem adequadamente responsivos, os comandos de movimento parecem se alinhar muito mais com uma simulação mais aberta do que a um arcade de precisão do tipo que é visto aqui. 

Fica claro que o jogo foi todo concebido com o tempo de resposta do pressionar de um botão em mente, e isso faz com que, nas sequências extremamente aceleradas que encerram cada combate, torne-se um desafio praticamente impossível reagir no tempo adequado com movimentos laterais alternantes na velocidade e com a precisão necessária. Trata-se de um adicional interessante e bem-vindo, mas que só brilha mesmo em alguns combates seletos, e acaba sendo disfuncional em outros. Quem sabe em uma eventual sequência, a função possa realmente brilhar?
"Há! Toma essa, palhaço!" (depois de dezenas de surras)

Aprendendo a apanhar

Pato Box tem sucesso tanto em recriar a jogabilidade consagrada de Punch-Out!! quanto em revesti-la com seu estilo e inovações próprios, que tornam o título bastante diferente da série que serviu como inspiração. Com uma apresentação audiovisual cativante, jogabilidade variada e explorando criativamente premissas interessantes, o jogo certamente divertirá os fãs do seu estilo — especialmente se eles estiverem em busca de um desafio acirrado.

Por outro lado, o título acaba ficando aquém de seu próprio potencial justamente no que se refere ao modo de balancear esse desafio, que pode acabar desagradando o jogador menos habilidoso no subgênero ou que esteja simplesmente em busca de uma experiência descontraída. São dois os pontos centrais dessa falha: a ausência de quaisquer opções reguladoras de dificuldade e a falta de checkpoints em batalhas muito extensas e altamente punitivas.
Não, Primo! T-T


Não é incomum que alguns dos desafios acabem se alongando por duas fases já masterizadas, apenas para punir o jogador severamente em um terceiro round muito acelerado e com elementos randômicos de difícil leitura. Nas batalhas mais curtas, a coisa funciona de forma mais dinâmica e, na tentativa-e-erro, é possível chegar a um bom resultado sem perder o pique. Por sua vez, algumas das lutas mais extensas tornam-se verdadeiras sessões de tortura, com a repetição de padrões já memorizados testando a atenção do jogador em um pisca-pisca preto-e-branco frenético por minutos a fio, apenas para puni-lo com uma derrota repentina sem que haja chance de praticar o desafio da fase derradeira.

Para os que se empolgam com a perspectiva, Pato Box é um prato cheio onde, entre o aprender a apanhar e a preparação de contra-ataques muito satisfatoriamente violentos, desenrola-se uma história insana e intrigante. Já diria Rocky Balboa: “Ninguém baterá tão forte quanto a vida.”. Ninguém exceto os capangas da Deathflock, seu Balboa...

"♫ Vamos lá buscar as esferas do patão! ♫"

Prós

  • Identidade visual inspirada e original, trazendo o ar de histórias em quadrinhos noir com precisão e autenticidade;
  • Jogabilidade clássica e desafio de Punch-Out!! bem recriados, com twists diversos mostrando do que o conceito é capaz;
  • Personagens carismáticos e marcantes;
  • Modo Story com ambientes diferenciados recheados de eventos e minigames proporciona uma experiência bastante variada;
  • História imprevisível e envolvente, contada de forma simples e direta;
  • Trilha sonora perfeita.

Contras

  • Ausência de qualquer opção de regulação do nível de dificuldade, que poderia aumentar a longevidade do jogo e ajudar no aprendizado;
  • Ausência de checkpoints em batalhas alongadas força o jogador a encarar muita repetição, o que pode acabar sendo frustrante;
  • Sobreposição de elementos 2D em espaço tridimensional e queda de framerate em alguns cenários da aventura torna a experiência truncada em alguns momentos;
  • Baixo fator replay.
Pato Box (Switch/PSVita/PC) — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Vinícius Fernandes
Análise produzida com cópia digital cedida pela Bromio

é gamer pra todo jogo, mas tem predileção por títulos retrô e um bom e velho JRPG. Sonic, Donkey Kong Country, Ratchet & Clank, Final Fantasy e Disgaea são algumas das séries que formaram a paixão pelos games, desde que ganhou seu Mega Drive, muitos (nem tantos!) anos atrás. Além de escrever para o Nintendo Blast e Game Blast, pode ser encontrado tagarelando no Plano Crítico.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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