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Análise: Odallus: The Dark Call (Switch) é muito mais do que uma simples ode à Castlevania

A evidente influência do clássico da Konami é apenas uma das características deste excelente sidescroller de ação e exploração.


O dinâmico mercado dos jogos independentes abriu caminho para uma nova tendência muito bem-vinda: desenvolvedores que cresceram nas décadas de oitenta e noventa, jogando os clássicos consoles daquela época, agora estão homenageando suas influências. Odallus: The Dark Call é um filhote dessa tendência — e um dos melhores, diga-se de passagem. Lançado originalmente em 2015 para PC, o título encontra agora sua casa no Nintendo Switch.

Trata-se de um jogo de ação e exploração que não nega suas origens. Se você teve o prazer de viver na era do NES, o estilo nostálgico já deve ter o conquistado. Se não, não se deixe enganar pelo visual intencionalmente limitado do game da produtora brasileira JoyMasher (Oniken), pois a qualidade estupenda do level design e o clima sombrio que homenageia Castlevania definitivamente merecem ser apreciados.

Um chamado para o passado

É só olhar para a tela para ter aquele choque temporal: Odallus parece, soa e responde como um game de NES, lá do final dos anos oitenta. É claro que o título tem alguns truques visuais na manga que certamente não apareceriam tão bonitos no velho Nintendinho, mas no geral é como uma versão mais bonita de um jogo saído diretamente de um daqueles cartuchos cinzentos.

Joguei a aventura com um sorriso no rosto, é impossível enxergar a direção de arte de Odallus e não sentir nostalgia e saudade daqueles velhos clássicos como Castlevania, Ninja Gaiden e Ghosts’n Goblins. Grande parte da experiência é inclinada justamente para esse sentimento, incluindo alguns slowdowns em momentos de mais ação, e até um filtro que imita scanlines — que já vem "de fábrica", sem opção para desligar.

Algumas influências são tão claras e marcantes que até foram homenageadas através dos trajes do herói Haggis. É possível escolher três sprites diferentes, além do original, para o protagonista: um lembra Simon Belmont, de Castlevania; outro homenageia o demônio Firebrand de Demons Crest; e por último, há um guerreiro de armadura que é muito parecido (até na animação do pulo) ao cavaleiro Arthur, de Ghosts’n Goblins.

Para completar a viagem no tempo, a trilha sonora é composta exclusivamente por chiptunes que contam com uma pegada bem melancólica que, apesar de um pouco repetitiva, se encaixa bem ao clima sombrio do game.

Saem os vampiros, entram os demônios

Já que mencionamos o nosso bravo herói Haggis, vale comentar sobre a história e a atmosfera de Odallus: The Dark Call. Diferentemente de outros jogos que seguem o estilo "retrô moderno" como Shovel Knight e The Messenger — que possuem um visual antigo, mas são aventuras bem leves e bem-humoradas —, The Dark Call entrega uma saga sóbria, sombria e bem mais desafiante.

A história conta de forma superficial sobre uma profecia que se concretiza, condenado os seres vivos a um verdadeiro inferno na terra. Demônios começam a atacar vilarejos, queimando e matando tudo e todos que encontram. No meio deste caos surge Haggis, um guerreiro aposentado com um passado sombrio, que resolve pegar sua espada novamente para resgatar seu filho capturado pelas forças malignas.

The Dark Call consegue capturar o clima de urgência e terror de sua história mesmo sem contar com artifícios modernos, lembrando muito a excelência da narrativa de uma de suas influências: Ninja Gaiden. Fiquei extremamente impressionado com a capacidade de Odallus em entregar uma atmosfera totalmente aterrorizante mesmo com poucas cores e efeitos visuais na telinha do Switch.

Do ancestral ao moderno

Mas o título da JoyMasher não fica só nas homenagens e segue um caminho que os já citados The Messenger e Shovel Knight trilharam com enorme sucesso: captura a essência do visual e jogabilidade do passado, mas adiciona e mescla características modernas de game design. A princípio, Odallus parece um sidescroller com fases lineares, mas não demora para percebermos que, por debaixo da simplicidade dos gráficos, está um sistema complexo de estágios interligados e recheados de segredos.

A jogabilidade segue a fórmula clássica da série Castlevania, com pulo, ataque normal e ataque secundário — além de alguns especiais habilitados na metade final da aventura. A princípio, encontrei dificuldades com o layout pouco intuitivo das ações, e não há qualquer opção para personalizar a distribuição nos botões. Mas com o tempo me acostumei e percebi que o posicionamento faz sentido depois que todas as habilidades são liberadas.

Diferentemente dos abundantes jogos no estilo Metroidvania, Odallus não é todo distribuído em um único e gigantesco mapa. Há, sim, um mapa-múndi que apresenta a distribuição das nove fases (quatro principais, quatro secretas e o desafio final), mas cada uma delas é uma entidade própria, com início e fim. Entre elas, você encontrará diversos segredos, passagens secretas, caminhos alternativos e pontos onde o progresso só é possível com a aquisição de determinadas habilidades.

O level design é muito dinâmico, nunca caindo na mesmice. Também não há frustração por faltar foco: os segredos não ficam escondidos atrás de paredes invisíveis ou puzzles obtusos: todos são possíveis de encontrar com uma boa dose de exploração e um olhar um pouco mais atento. O que só demonstra a qualidade do game em cativar o jogador a continuar desbravando os perigosíssimos e diversificados cenários apresentados.

É um estilo fantástico, que incentiva a exploração total dos ambientes, em especial quando encontramos caminhos escondidos para novas fases ou derrotamos aquele chefe casca grossa que libera um item fundamental para o progresso. E é justamente nestes itens que mora a grande sacada do game na hora de injetar novo ânimo no jogador. Foi quando finalmente comecei a encontrar os equipamentos que me permitiam habilidades como respiração embaixo d’água, pulo duplo, dash, etc., que o sentimento de empoderamento tomou conta da minha jogatina, e voltar nos estágios para explorar novas áreas se tornou extremamente prazeroso.

Odallus oferece uma jornada bastante exigente, com uma curva de dificuldade aguda no seu início, mas que alivia na metade final graças às novas habilidades conquistadas e aos corações extras que podem (e devem) ser encontrados pelas fases. Os estágios são desafiantes, com inimigos variados e traiçoeiros por toda parte. Mas o bicho pega mesmo na hora de enfrentar os chefões, que vão exigir toda a sua atenção, paciência, armas, equipamentos e corações permitidos — além de toda a agilidade que você vai adquirir durante o jogo.

Perdido na tradução

No meio das longas fases estão distribuídos totens que servem para salvar as partidas, além de lojas onde é possível recarregar as armas secundárias e até recuperar vida usando os pontos coletados ao dizimar os inimigos. Alguns pontos de salvamento ficam consideravelmente longe dos chefes, o que pode deixar as tentativas fracassadas de vencê-los bem frustrantes na hora de voltar todo o percurso novamente. Um mapa de jogo também ajudaria na navegação dos labirínticos estágios, mas isso é só um detalhe.

Mas, infelizmente, o maior problema de Odallus não está no layout dos seus controles, na música repetitiva ou na navegação de seus ambientes. O grande pecado deste port para o console híbrido da Nintendo é a quantidade inexplicável de bugs e glitches encontrados durante a aventura. Alguns desses bugs quebraram tanto o meu jogo em alguns momentos, que me vi obrigado a reiniciar ou sair da fase através do menu de pausa (perdendo o progresso temporário).

A tradução para o português também parece ter sofrido com o port para o Switch: está completamente embaralhada, desajustada e confusa, deixando praticamente impossível de jogar no nosso idioma. Em Inglês está tudo nos conformes, o que deixa claro que se trata apenas de mais um bug que precisa ser corrigido pela JoyMasher em futuras atualizações do software.

Mantendo viva uma chama antiga

Mesmo a junção de pequenos problemas técnicos e outros detalhes quase irrelevantes não conseguem tirar o brilho desta pérola de ação sidescroller. Seja para os nostálgicos fãs da franquia Castlevania — e de suas séries irmãs da era 8-bit —, ou para os novatos que procuram um excelente título de plataforma e ação, com altas doses de desafio e uma curva de evolução constante, o game dos brasileiros da JoyMasher é obrigatório. Odallus: The Dark Call presta continência aos clássicos que o influenciaram, mas segue seu próprio rumo, entregando uma aventura ímpar.

Prós

  • Level design fantástico, que potencializa o sentimento de evolução na exploração;
  • Ambientação e narrativa sombria e opressora;
  • Direção de arte retrô que é uma viagem no tempo;
  • Desafio alto, principalmente nos chefes, mas recompensador.

Contras

  • Trilha sonora sem brilho em comparação ao resto do pacote;
  • Muitos problemas técnicos na versão Switch.
Odallus: The Dark Call — Switch/PS4/XBO/PC — Nota: 8.5

Versão utilizada para análise: Switch
Análise produzida com cópia digital cedida pela Digerati

Comunicador e colecionador. Já foi Sega kid e Nintendo kid, agora é retro "kid". Está no Twitter em @carloscirne e faz vídeos no YouTube no canal CirneStuff.
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