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Análise: Riot: Civil Unrest (Switch) — games podem ser políticos, mas desde que corretamente

O game tinha potencial absurdo, mas a paranoia de não tomar posicionamento a respeito dos eventos abordados acabou por tornar a experiência rasa demais.

Relacionar games à política geralmente resulta em duas opiniões binárias e essencialmente opostas. Um lado acaba rechaçando um casamento entre as duas temáticas. O outro, por sua vez, é constantemente atrelado à ideia de que tudo é um ato político e, por consequência, também são os jogos digitais. Particularmente, eu assumo uma vertente um pouco relativista nesse debate e acredito que (todos os) games podem, de fato, carregar tais discussões sociológicas, mas que elas não precisam estigmatizar por completo os títulos que não chegam nem perto de se propor a tal.


Para ilustrar tal ideia, peguemos Super Mario Bros. (NES). O jogo em nenhum momento deixa explícito qualquer posicionamento político em sua narrativa. A questão é que ainda é possível fazer o questionamento acerca daquele arquétipo da princesa indefesa que precisa ser salva. O que não pode ser feito é tachá-lo por isso sem levar em conta sua jogabilidade competente responsável por torná-lo um clássico e desconsiderar o anacronismo, visto que é necessário entendê-lo como um produto de sua época que não se preocupou com discussões atuais.

Outro que pode ser levado em conta é Tetris (GB). Apesar de constantemente ser visto apenas como um puzzle, o contexto por trás da sua criação e distribuição é uma das anedotas mais interessantes da história dos games. A simples temática soviética presente em suas versões originais já é suficiente para discutir um pouco a respeito do panorama geopolítico da época e que fez tal jogo ser o que é.


Por outro lado, é impossível desvincular certos títulos, como Metal Gear Solid e Call of Duty, da política. Além disso, um jogo sem ter relação explícita com a temática, como SNK Heroines (Multi), também pode ser questionado no contexto vigente de nossa época, uma vez que nosso panorama presente já não aceita essa questão do machismo com tanta facilidade quanto já foi no passado — além disso, o gameplay medíocre também acaba pesando contra o título.

Em suma, há variáveis importantes que precisam ser levadas em conta no estabelecimento da relação que os jogos possam ter com política e, consequentemente, em seu julgamento.

Agora sim vamos falar de Riot: Civil Unrest

A proposta de Riot: Civil Unrest (Switch) busca recriar algumas das manifestações populares resultantes de crises civis e aplicá-las dentro de um contexto de gamificação, conceito compreendido aqui como atribuir características e qualidades de um jogo onde isso geralmente não seria aplicado, geralmente no intuito de aprimorar uma experiência de maneira imersiva. Dessa forma, sua simples sinopse é suficiente para que o jogador já veja, de forma clara, uma relação política explícita.

Na teoria, é um preceito bem interessante. Ainda mais ao vender-se como um game, visto que nem todo processo de gamificação torna um produto em um jogo de fato. Dessa maneira, Riot: Civil Unrest tem como principal ambição trazer os diferentes pontos de vista, bem como as consequências desse tipo de conflito.


Riot apresenta isso com dois modos de jogo principais. O primeiro deles é justamente a encenação dessas manifestações populares recentes, como a Primavera Árabe, evento fomentado pelas redes sociais que culminou na derrocada de diversos ditadores da região da Península Arábica e redondezas em 2010; a dos Indignados da Espanha, também decorrente das mídias e responsável por, principalmente, protestar contra medidas de austeridade promovidas pelo governo; os protestos da No Tav na Itália — que é contra a construção de um trem-bala que liga Turim à Lyon (na França) por conta de seu alto custo e possível impacto ambiental —; e das manifestações civis em Keratea, na Grécia, contra um aterro que seria planejado na região.

É algo muito positivo tentar trazer esse tipo de informação de forma lúdica para um público que provavelmente não teria qualquer interesse ou sequer contato com elas em situações normais. Assassin’s Creed é geralmente levantado como um dos principais exemplos de games que fizeram seus jogadores a se interessar por algo além do jogo em si — no caso, história. Embora eu realmente não recomende a substituição de um ensino formal, bem como abomine qualquer jargão raso como “aprendi mais com os games do que a escola”, ainda é inegável o trabalho de pesquisa que a franquia da Ubisoft tenha feito e, mais importante, a forma como esse tipo de informação é transmitida ao jogador cujo principal mérito é conseguir despertar seu interesse aos temas trabalhados.


Riot: Civil Unrest acaba falhando bem nesse critério. A estética pixelada de aparência imunda da interface — cujo intuito é provavelmente transmitir a ideia de marginalidade que muitas vezes acompanha o contexto das manifestações — não colabora em nenhum momento na transmissão de informação e não serve como um gancho que prenda a sua atenção. O jogador não se sente estimulado a tentar compreender qualquer um dos conflitos ilustrados pelo game.

Talvez a superficialidade no trato dos temas seja uma forma pensada pelos desenvolvedores de se manterem imparciais em relação aos fatos, como deixa claro uma declaração da equipe de produção logo na tela de introdução do título. Aliás, esse mesmo aviso sugere que o jogador corra atrás da informação por conta própria justamente para que ele mesmo acabe criando o seu ponto de vista particular e vá formando sua opinião a respeito dos acontecimentos ilustrados.



Esse tipo de pensamento e honestidade intelectual seria, no papel, algo correto. Entretanto, qual então é a finalidade do game, visto que ele não consegue nem sequer despertar esse interesse com a pouca informação que já oferece no título? Isso atua de forma similar ao ensino de história nas próprias escolas — a suposta neutralidade política que exigem hoje dos professores acaba minando o próprio conteúdo transmitido, fazendo com que a própria opinião do aluno (ou do jogador, no nosso caso) acabe carecendo de senso crítico e impedindo a reflexão.

Considerando que o principal atrativo e diferencial do jogo é logo a utilização de conflitos reais e ainda frescos na memória daqueles que o conhecem, esse medo de se aprofundar nos fatos por conta de uma tentativa irrealista de isenção acaba jogando o potencial de Riot: Civil Unrest na lixeira, pois tudo acaba se tornando incrivelmente raso e, narrativamente, não consegue segurar o jogador a continuar com as campanhas oferecidas e nem despertá-lo a conhecer mais sobre os acontecimentos ilustrados.


Em tempo: o outro modo do game, por sua vez, é o Global Mode. Podendo escolher entre controlar os protestantes ou as forças policiais, o jogador encara uma série de fases cujas estatísticas do resultado final — ganho de força política, por exemplo — acabam se acumulando e favorecendo o estágio seguinte.

"Isentões" até demais

Desnudando Riot: Civil Arrest de toda sua pretensão política e narrativa, o que temos é essencialmente uma espécie de jogo de estratégia em tempo real. Controlando ora os policiais, ora os manifestantes, a ideia é cumprir um objetivo na tela, seja ele de ocupar determinado espaço por um período de tempo delimitado, impedir o avanço da força antagonista em determinada área ou ainda promover a proteção ou destruição de certos patrimônios físicos presentes no mapa.

Para isso, é possível controlar mais de um grupo de manifestantes ou tropa policial e atribuir-lhes certas ações, como jogar coquetéis Molotov, promover diferentes formações no intuito de ocupar um espaço ou disparar as famigeradas bombas de gás lacrimogêneo. O problema é que tudo isso age de forma completamente anárquica e é difícil entender quando alguma ação tem ou não tem efeito. No mundo real, de fato, é complicado compreender às vezes o que está acontecendo sob um ponto de vista de uma câmera de televisão, por exemplo. Tratando-se de um jogo, com regras e objetivos claros, isso não pode acontecer.



A situação só piora com a ausência de tutoriais. Repetindo o que eu disse na minha análise de killer7 (PC) para o GameBlast, jogos antigos podiam se dar ao luxo de carecer de tutoriais por conta de um gameplay simplificado por conta de limitações de hardware da época, que impediam comandos realmente complexos para serem processados. O problema é que Riot: Civil Unrest, por mais precário que possa parecer no aspecto visual, não é um jogo antigo e muito menos usa pouco processamento do aparelho. Além disso, também não conta com jogabilidade intuitiva.

Dessa forma, a carência de um modo que explique minimamente como se dá o funcionamento das fases do jogo como um todo de uma maneira minimamente didática acaba destruindo qualquer forma de o título se salvar da abordagem pífia que fez em relação à questão dos protestos.  Poderia ser um daqueles jogos cuja história pouco importa porque a jogabilidade consegue entreter por si só, mas não é o caso aqui. As fases podem até ir sendo vencidas uma a uma, mas a sensação que o jogador tem de não saber o que está fazendo permanece até o fim.

Tá, mas e daí?

Analisando como um todo, consigo ver dois públicos distintos e bem característicos que podem se interessar por Riot: Civil Unrest. Um deles é o gamer atrás de jogos com premissa única e atrativa que muitas vezes se deixa levar pela história e pela jogabilidade elaborada do título, sendo este geralmente um grande fã de jogos independentes que atualmente têm a capacidade saciá-lo por conta da liberdade dos próprios desenvolvedores durante o processo de produção.

O outro é aquele indivíduo, geralmente estudioso acadêmico, fissurado por formas diferenciadas de estabelecer narrativas e análises sociopolíticas, que fica horas passeando e aprendendo com reportagens como o Snow Fall, do New York Times, por acreditar que as novas mídias, bem como as redes sociais, já moldam e continuarão moldando as relações antropológicas — e não consigo deixar de pensar no meu orientador da faculdade de jornalismo dentro desse bolo, ressalto.


A questão é que ambos os públicos acabarão se sentindo completamente lesados ao jogarem Riot: Civil Unrest. O gameplay é muito pouco convidativo, decepcionando o primeiro grupo mais hardcore que já está calejado com games e quer uma experiência mais precisa na parte da jogabilidade, enquanto o segundo acaba intimidado por não ser algo intuitivo e de fácil compreensão, como uma experiência narrativa interativa. A própria dramatização em jogo dos acontecimentos também não serve para nenhum dos públicos, visto que alguém já inteirado no assunto (o segundo nicho descrito) provavelmente já as conhece e ficará consternado com a superficialidade com que são tratadas até mesmo para um jogo de videogame, ou simplesmente não se sentirá motivado a conhecer mais da própria história recente das rebeliões populares nessa nova era marcada pela virtualização das relações sociais (o primeiro nicho).

Isso sem falar que o game é feio o suficiente para fazer qualquer um que preze por um mínimo de equilíbrio estético torcer o nariz. O minimalismo do game chega a causar vergonha por conta das cinemáticas que pouco dizem qualquer coisa, bem como os menus, cujos serrilhados decorrentes por conta do estilo pixelizado do título tornam o visual do jogo bem agressivo.


Os jogos digitais são a vanguarda narrativa do século XXI e capazes de produzir enredos que, independentemente de sua pretensão ou mesmo da própria qualidade, como Metal Gear e Assassin’s Creed, já se mostraram aptos a emocionar, instigar, envolver e refletir o seu jogador. Ambas as séries citadas estão completamente impregnadas de discurso materialista e sócio-político. A primeira chama atenção do espectro de jogadores supracitado que se joga porque quer se envolver com roteiros expansivos e carregados de significado. O segundo já chama a atenção de um jogador mais casual que vai ficar fascinado pela reconstrução de cidades antigas da civilização como Roma, Veneza e Florença.

Riot, por sua vez, não chega nem perto de conseguir qualquer uma dessas façanhas. Absolutamente nenhuma variável de análise salva o título, que até pode ter uma proposta fantástica e que normalmente elevariam ainda mais os games como uma plataforma de dramatização da própria história humana — como o cinema já faz — consolidando ainda mais esse formato narrativo. Sua temática é certamente singular e engajada, mas só isso não basta para sobreviver no contexto atual da indústria, visto que ele falha como jogo em todos os mais básicos dos aspectos possíveis.

Em resumo: videogames não precisam ser sempre políticos, mas há uma possibilidade inerente ao formato midiático em questão de torná-los uma plataforma para tal. Riot: Civil Unrest é um que, dada a temática, seria estritamente necessário que ele tomasse essa posição e desenvolvesse seu conceito a partir daí. Não foi o que aconteceu e o resultado final é tudo o que está aí.

Prós:

  • Proposta fascinante.

Contras:

  • Jogabilidade confusa;
  • Ações realizadas pelo jogador carecem de retorno;
  • Superficialidade dos temas abordados;
  • Ausência de tutoriais ou de explicações a respeito do funcionamento do jogo;
  • Medo dos desenvolvedores em desenvolver a própria proposta;
  • Visual agressivo e pouco convidativo.
Riot: Civil Unrest — Switch/Xbox One/PlayStation 4/PC — Nota 4.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Arthur Maia
Análise produzida com cópia digital cedida pela Merge Games

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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