Blast from the Past

Super Princess Peach (DS) não fez jus à personagem

Único game exclusivo da princesa mais amada dos games acabou bastante medíocre, seja na jogabilidade ou na forma como representou sua protagonista.




Em retrospecto, Super Princess Peach (DS) foi uma novidade chamativa dentro de todos os games da franquia Mario. O jogo propôs uma inversão de papéis muito forte: Mario e Luigi foram capturados por Bowser e seus capangas, restando à princesa, que geralmente é a personagem sequestrada, ser a heroína e salvar todos. Pena que o game não é lá grandes coisas entre tantos outros games bons da Nintendo.

A princesa heroína

A aventura que saiu pro portátil tem como premissa tirar a nossa querida princesa do seu frequente papel de sequestrada e torná-la a mocinha da história. Bowser usou Vibe Specter [Cetro do Humor] para mexer com o humor dos Toads do castelo,pegando Mario e Luigi de surpresa e dessa forma os sequestrando facilmente.

Como Peach incrivelmente e, pela primeira vez, estava longe de toda a ação, acabou sendo a única que poderia resgatar seus companheiros das garras do vilão. Bowser levou suas vítimas para seu novo castelo de veraneio situado na Vibe Island [Ilha do Humor], onde ele encontrou o poderoso cetro.

Peach, ao saber que Bowser raptou seus amigos, se enfeza e sai em disparada atrás do lagartão. Antes de ir, Toadsworth lhe entrega Perry, uma sombrinha mágica e falante que estranhamente sabe tudo da ilha onde os nossos heróis estão aprisionados. Juntas eles terão de salvar o dia, e assim o jogador pode, pela primeira vez, controlar Peach em um game exclusivamente dela.

A princesa chega em sua primeira aventura bastante dependente de sua nova sombrinha: com ela é capaz de atacar e se proteger. Outras habilidades como planar por um período de tempo, atacar projéteis provenientes de magia e outros ataques mais elaborados devem ser comprados na lojinha do jogo.

Além de Perry, Peach possui quatro “poderes”, por assim dizer, que podem ser habilitados a qualquer momento. São eles:

  • Joy [Alegria]: Peach fica alegre e começa a planar, podendo alcançar locais mais altos que o normal . Quando o botão de pulo não está apertado, a princesa roda em um redemoinho, mandando os inimigos para longe;
  • Gloom [Tristeza]: a princesa começa a chorar torrencialmente, produzindo duas cascatas de lágrimas. Nesse estado ela corre mais rápido, e dependendo da fase suas lágrimas são necessárias para acessar locais específicos.
  • Rage [Raiva]: Peach fica furiosa e vira uma enorme fogueira, queimando tudo ao seu redor. Este estado a torna mais lenta, porém praticamente indestrutível. O fogo da raiva é usado para queimar barreiras feitas de madeira.
  • Calm [Calma]: o estado de calmaria traz à princesa benefício de cura, aumentando seus pontos de vida. O efeito desse coração só termina quando atingir o máximo de HP habilitado, ou quando Peach for atacada por um inimigo.
Os quatro são representados por corações que rodeiam a imagem de Peach na tela inferior do DS. Os mesmos podem ser tocados para habilitar as mecânicas descritas acima - o sprite de Peach realiza uma animação própria para cada um dos humores. Os “poderes” dos corações consomem a barra de humor, que fica abaixo do HP.

Durante a aventura o jogador encontrará moedas para coletar, podendo assim realizar upgrades na jogabilidade. Além das moedas é possível encontrar pedaços de coração, responsáveis por recuperar a barra de vida da personagem, enquanto pedaços de turquesa recuperam a barra de humor.

Estes últimos são mais difíceis de se achar, mas há um truque: Peach pode pescar os personagens com Perry, se o jogador apertar para baixo com um inimigo preso na sombrinha, a princesa irá recuperar uma parcela da barra de humor.


Há também Toads e outros itens escondidos nas fases: esses servem para os interessados em zerar o jogo completamente. Para isso, o jogador deve explorar bem as fases, fuxicando cada cantinho e usando dos humores para vasculhar os cenários. Nas fases onde há itens colecionáveis, a intuição de Peach irá apitar na tela inferior do portátil.

A “divertida mente” de Peach

Mesmo com toda a contextualização da história, fica difícil de engolir que o tema regente do game da princesa seja os sentimentos. Sim, o termo “vibe”, aqui traduzido como “humor”, é um eufemismo claro para sentimentos ou emoções. Isso pois Peach não é afetada pelo cetro mágico, ou seja, seus sentimentos não são (des)controlados por vias externas.


E o que isso significa? Como Peach é capaz de acessar emoções tão intensas se ela não está sob o efeito de nenhuma magia, ao contrário de outros personagens da história? Simples: estereótipo feminino. Por ser a única mulher neste jogo (e na maioria dos jogos principais do Mario, diga-se de passagem), Peach é a única personagem que recai na ideia de “personagem emotiva”.

Uma coisa seria se ela, em meio a fatores externos, liberasse poderes caso estivesse com alguns de seus sentimentos à tona, como é o caso na abertura do jogo, no qual ela fica enraivecida por Bowser sequestrar seus amigos e bagunçar seu castelo. Porém, durante o jogo, ela vai da mais pura alegria à tristeza do nada… por quê?

Mais parece que o jogador está no filme Divertida Mente (2015) da Disney-Pixar, e Peach é a protagonista desta história, de maneira que seus sentimentos podem ser alterados por botões, sem qualquer escrúpulo. Válido lembrar que, no filme, a protagonista é uma pré-adolescente, passando por situações que mexem com o microcosmos de sua vida, a tirando de sua zona de conforto, além de ela estar entrando na puberdade, sendo bombardeada por hormônios. Com exceção da história introdutória, Peach não sofre de nenhuma experiência forte para que seu humor fosse abalado e ela já é uma mulher feita, regente de um reino imenso.

Se analisarmos a jogabilidade do game, Peach pode ser lida de duas maneiras: primeiro, ela não tem absolutamente nenhum controle sobre suas emoções, por isso começa a chorar, rir, ficar cega de raiva sem razão aparente; ou ela pode ser vista como uma psicótica, capaz de ir da pura alegria à pura raiva num estalar de dedos. Ambas não são nada positivas e recorrentes formas de representar mulheres nas várias mídias - sejam elas de entretenimento ou não.


Se olharmos diacronicamente, veremos que Peach, nos outros jogos da Nintendo, possuía material suficiente para não ser diminuída como a princesinha emocionalmente instável e completamente indefesa da franquia: em Super Mario RPG: Legend of the Seven Stars (SNES) Peach possui poderes de cura, em Super Mario Advance 4: Super Mario Bros. 3 (GBA) ela mostra ter poderes psíquicos.

Ela é capaz de se adequar às situações nas quais ela está envolvida: na série Mario Party ela possui espírito competitivo, assim como nos vários Mario Karts. Se formos mais longe, ela é uma jogadora tão agressiva quanto os outros em Super Mario Strikers (NGC) e Super Smash Bros. Melee (NGC).

A título de comparação, Zelda, - outra princesa constantemente raptada, não por ser fraca e sim graças aos planos dos antagonistas -, nunca foi mostrada puramente como vítima, ela sempre apareceu nos jogos como uma agente da ação contra o vilão. Assim como Peach em Paper Mario (N64), onde o jogador, na pele da princesa em cativeiro, usa das mecânicas de stealth para avançar na história.

Vê como há mais camadas dela para serem exploradas em um jogo!? Em resumo: ela já se mostrou capaz de bater de frente em outros games, por que não justamente no jogo em que ela é a protagonista?

Adendo: todos os jogos mencionados acima foram lançados antes do título aqui analisado.

Aventura digna de uma princesa?

O grande fator que torna Super Princess Peach medíocre: ser fácil demais. Isso foi uma das principais queixas dos jogadores na época em que o jogo foi lançado. Os “poderes” de Peach tornam a aventura deveras fácil, e isso não significa que ela é poderosa, e sim que há pouco desafio durante a gameplay.

Está em apuros? Libere a calma e seus pontos de vida voltam, simples assim. De resto, as fases possuem inimigos conhecidos e que não trazem qualquer dificuldade elevada durante a jogatina. Alguns estão sob o efeito do Vibe Scepter e estão com algumas das emoções a flor da pele, modificando um pouco as suas características como inimigos, mas nada demais.

E a falta de originalidade recai à ambientação do jogo, a Vibe Island seria facilmente confundida com o Reino dos Cogumelos se não possuísse nenhuma história prévia. Todos os temas de fases são idênticos aos encontrados nos jogos do Mario, o que em tese não é problema, mas como pode uma ilha inteiramente nova ser a cópia de um outro mundo existente?

Podendo perceber que claramente o jogo bebe nas fontes dos outros Super Marios, podemos concluir que Super Princess Peach é um Super Mario que apenas troca o encanador pela princesa? Em partes, sim. Mas chega a ser injusto uma leitura tão áspera do produto final. O jogo é sim divertido, mas não é memorável na cabeça de um jogador como Luigi’s Mansion (NGC) foi quando chegou ao mercado.

Pode ser que essa facilidade e a escolha de temas tão dentro do universo feminino fosse para cativar um público que hipoteticamente não se interessa por videogames: as mulheres? Talvez, mas ainda assim há meios de fazê-lo sem tornar a protagonista em uma massa emocionalmente instável e sem dar devido crédito ao público.

Por fim, o jogo acabou como um título memorável apenas na cabeça dos fãs da personagem e esquecível para qualquer outro jogador médio, independente do gênero. Mesmo vendendo mais de um milhão de cópias, o título único da princesa nunca mais viu a luz de uma continuação. Será que algum dia verá?


Difícil imaginar. Quem sabe a Nintendo não se valha da recente onda de empoderamento e representatividade para trazer um novo título que traga uma interpretação mais moderna de nossa amada princesa.

Revisão: Icaro Sousa

Estudante de Sistemas da Informação que gostaria de aprender todas as línguas existentes, mal sabendo lidar com as duas que já fala. Descobriu seu amor pela Nintendo ao conhecer Super Mario 64 e desde então nunca mais largou os cogumelos, karts e rúpias que encontrou em seu caminho.
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