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Análise: Dungeon of the Endless (Switch) e a constante busca pelo que se esconde no infinito

Lançado originalmente em 2014 para PC, Dungeon of the Endless oferece uma ousada, mas recomendada, mistura de mecânicas e influências que o ajudam a se distinguir de outros jogos roguelike.

Embora esteja no mercado há somente pouco mais de três anos, uma das características mais marcantes do Nintendo Switch já é a sua robusta e diversa biblioteca de jogos independentes. Pode-se atribuir tal apoio indie a uma variedade de fatores, que vão desde o suporte às engines mais populares entre os desenvolvedores até a própria versatilidade do console em si, cuja característica híbrida acaba por complementar perfeitamente tanto as experiências mais complexas quanto as mais curtas e compactas.


De todo modo, os maiores beneficiados somos certamente nós, jogadores, que acabamos por ter acesso a jogos que transitam livremente entre essas duas vertentes. É, sem dúvidas, o caso de Dungeon of the Endless (Switch), que pode ser apreciado em curtos intervalos de tempo, como um andar da dungeon por vez, porém possui complexidade de sobra em seus diversos sistemas in-game, que mesclam mecânicas e influências de tower defense, RPG e roguelike.

Mas será que a mescla de gêneros ambiciosa do título se sustenta ou é uma experiência que quanto antes esquecida, melhor? Continue conosco, caro(a) leitor(a), enquanto exploramos respostas (e muitas salas escuras) em nossa análise.

Odisseia no espaço

Originalmente lançado em 2014 para PC com um port subsequente para Xbox One, Dungeon of the Endless conta a história de uma série de prisioneiros que estão sendo levados para o planeta Auriga na nave espacial Success. Pouco se sabe sobre o destino, exceto que Auriga já foi utilizado como base por um grupo de viajantes espaciais ancestrais conhecidos como Endless, e que há condições de sobrevivência, como água e zonas de temperatura estável.

No entanto, o que era pra ser um grande passo rumo à reabilitação dos prisioneiros não termina bem: ao aproximar-se de Auriga, a nave é atacada pelo sistema defensivo ainda vigente do planeta, e os poucos sobreviventes do ataque conseguem escapar em uma cápsula de emergência, que acaba aterrissando na base de uma instalação complexa dos Endless. 

Caberá a você então, escolhendo inicialmente dois sobreviventes do acontecido, chegar à saída dessa construção. Porém, prepare-se: a obra dos Endless é tão complexa que faz jus à alcunha de dungeon (ou calabouço). Qualquer descuido aqui poderá ser fatal, e gerenciar com sabedoria tudo o que está em suas mãos enquanto se explora o que está à frente será imperativo para o sucesso da missão.

A complexidade da vida

Como citado lá atrás, Dungeon of the Endless mescla mecânicas de diversos estilos a ponto de ser difícil apontar um único gênero para o jogo. Enquanto em funcionamento, temos aqui um híbrido de exploração e tower defense com elementos de RPG e emprego de mecânicas roguelike. Estas últimas, talvez as mais marcantes do pacote como um todo, significam que, a cada vez que você jogar, os mapas serão gerados aleatoriamente e o fracasso, caso ocorra, é permanente. 

Se o restante da descrição parece complicado inicialmente, na prática, o objetivo primário é simples: carregar o Cristal que veio com você do acidente até o último andar da dungeon. O Cristal é o único sistema em funcionamento na sua cápsula e a sua grande chance de escapar de Auriga. Infelizmente, por algum motivo desconhecido, uma de suas características tende a atrair os inimigos. Caso ele ou seus heróis sejam destruídos, é fim de jogo; portanto, você deve procurar em cada andar - sala por sala - a saída para o próximo nível (são 13 ao todo) e transportá-lo em segurança até a mesma. 

É possível movimentar cada um de seus até quatro personagens individualmente, e cada um possui uma história de vida, um nível - que pode ser elevado com comida - e habilidades próprias, além da possibilidade de equipar itens encontrados pelo jogo para melhorar seus atributos (daí os elementos de RPG). 

Nesta singularidade de cada herói também há um dos pontos mais interessantes do jogo: as interações entre os mesmos. Embora estas sejam curtas e aconteçam primariamente entre andares - a clássica conversa de elevador -, é algo que confere vida à narrativa do jogo e realça o quão interessantes são as alianças que se formam em momentos de crise.

Seus heróis reagem instantaneamente a inimigos ou personagens após entrarem em uma sala, de modo que o combate é feito de modo automático e ao jogador cabe somente a movimentação de cada sobrevivente. Por fim, cada sala explorada equivale a um turno no jogo, o que impacta a geração de recursos e o surgimento de inimigos. Parece uma missão fácil, não? Mera ilusão. Com a ideia central do jogo estabelecida - exploração, proteção e transporte do Cristal até o topo -, é hora de adentrar a camada seguinte de Dungeon of the Endless. 

Gerenciamento efetivo

Há quatro recursos para gerenciar: Indústria, usado para construir módulos de suporte ou defesa; Ciência, usado para pesquisar e confeccionar novos módulos; Comida, usado para melhorar e curar seus heróis; e Poeira, utilizado para fornecer energia para as salas descobertas. De todos esses, de longe, o mais importante é Poeira, seguido por Indústria e Comida.

Explica-se: a cada 10 unidades de Poeira que você acumular, você poderá ligar a energia de uma sala no andar em que estiver. Porém, como este recurso é escasso, logo torna-se perceptível que não é possível iluminar todos os espaços de um nível, impossibilitando a instalação de módulos nelas. Para piorar, inimigos aparecerão em salas escuras a cada turno e avançarão em direção ao Cristal.

Isso faz com que seja necessário planejar estrategicamente a exploração. Ao mesmo passo em que é importante avançar para encontrar a saída para o próximo andar, deixar muitas salas escuras próximas ao Cristal significa que a cada turno novos inimigos estarão a caminho dele. 

É aí, então, que as mecânicas de tower defense (que englobam defender um objetivo de constantes ameaças por meio de construções e estratégias), começam a ser integradas ao título. A escassez de Poeira só lhe permite fornecer energia a uma sala à esquerda do Cristal e você precisa explorar o lado direito em busca da saída? Construa módulos ofensivos na área de risco, como Laser e Tesla, e deixe um de seus personagens no espaço em questão para impedir que as hordas inimigas cheguem à pedra preciosa.

É um sistema interessante e - ponto positivo - que permite diversas abordagens por parte do jogador. A essa altura, também começa a ficar claro o sistema de risco e recompensa tão característico de jogos com elementos roguelike, como Enter The Gungeon (Switch) e Convoy: A Tactical Roguelike (Switch). De modo geral, em Dungeon of the Endless, o quanto antes você descobrir a saída de um andar e puder migrar para o próximo, melhor. Mas, às vezes, persistir na exploração lhe concederá belas surpresas, como encontrar Estrelas que concedem bônus temporários, mercadores que vendem itens, ou novos personagens prontos para serem recrutados. 

Não existe somente uma resposta certa - é possível encontrar sucesso tanto sendo mais cauteloso como jogando de forma mais incisiva, explorando todas as salas viáveis e aproveitando o sistema de turnos para coletar o máximo possível de recursos. Junte a isso os mapas gerados aleatoriamente e os desbloqueios mediante o preenchimento de certos requisitos, e temos aqui - de modo bem-sucedido - um sistema que incentiva múltiplas aventuras, mesmo quando ocorre o famigerado game over.

O conhecimento é a chave

Por falar em game over e múltiplas aventuras, é preciso frisar que Dungeon of the Endless é um jogo difícil, como pode ser observado pela explicação relativamente extensa de suas mecânicas. Como era de se esperar de um título que absorve diversas influências, superar a construção dos Endless exigirá paciência e diversas tentativas até que todos os sistemas in-game passem a fazer o devido sentido ao jogador.

Tendo isso em vista, é impossível não criticar duas escolhas básicas de seu game design - o tutorial é inexplicavelmente raso e não aborda aspectos como a movimentação do Cristal ou o sistema de turnos; e as opções de dificuldade se resumem a easy e too easy (fácil e fácil demais, em tradução livre). De fácil, porém, Dungeon of the Endless não tem nada - os modos citados equivalem ao difícil e normal, respectivamente -, de modo que a melhor escolha é sem dúvidas iniciar no too easy. Embora os desenvolvedores tenham provavelmente almejado uma brincadeira com a nomenclatura, penso que o título sem dúvidas se beneficiaria de um modo verdadeiramente easy, que facilitasse a vida de jogadores casuais.

É preciso ressaltar também a ausência de opções multiplayer neste port. Em outras versões, é possível explorar a dungeon com amigos localmente e através da internet. Tendo em vista a propensão do Switch ao multiplayer local e a relativa simplicidade dos controles - que poderiam facilmente ser adaptados para um único Joy-Con - não vejo explicação para a não inclusão de um modo multijogadores. Fica aqui então a esperança que este possa chegar em uma atualização futura.

No que tange aos aspectos técnicos, mesmo nos momentos mais caóticos, não houve nenhuma queda na taxa de quadros, e o belo estilo retrô do jogo se encaixa perfeitamente tanto no modo portátil como no modo TV. Não há ocasiões de texto pequeno e tudo é bem nítido, evidenciando carinho por parte dos produtores na parte técnica da adaptação.

A chegada e o caminho

Em muitos aspectos, Dungeon of the Endless é um jogo raro. Não são muitos os títulos que conseguem reunir diversas mecânicas distintas em um produto coeso e de qualidade. Fãs de estratégia, tower defense e roguelikes, portanto, certamente encontrarão aqui muito entretenimento. É o tipo de jogo que, quando tudo faz sentido, fica difícil resistir à proposta de perseverar em seus desafios, e a grande quantidade de itens desbloqueáveis (muitos não necessitam que o jogo seja concluído, por exemplo) termina por incentivar novas aventuras.

Desse modo, ficam sentidas somente as ausências de um bom tutorial, mais opções de dificuldade e  os modos multiplayer, todos estes sendo aspectos que podem ser corrigidos com uma boa atualização. No entanto, caso esses deslizes não façam falta a você como jogador, e a proposta do jogo lhe interesse, aqui está mais um jogo independente que vale a pena ter na coleção.

Prós

  • Estética retrô agradável;
  • Mescla de várias influências resulta em um jogo diferenciado, porém coeso;
  • Fator replay característico do gênero roguelike;
  • Personagens e diálogos carismáticos;
  • Suporte a português brasileiro.

Contras

  • Dificuldade elevada e erro na nomenclatura pode afastar jogadores casuais;
  • Combinação de vários sistemas pode se mostrar confusa no início;
  • Tutorial inexplicavelmente raso obriga o jogador a descobrir elementos in-game por si só ou recorrer a fontes externas;
  • Ausência de opções multiplayer presentes em outras versões.
  Dungeon of the Endless - Switch/PC/PS4/Xbox One - Nota: 8.0 
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Jorge Neto
Análise produzida com cópia digital cedida pela Playdigious

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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